A Filha do Violão – poema em memória de Marília Mendonça
08 novembro 2021 às 15h52

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poema de Gabriel Nascente
(À memória da cantora Marília Mendonça,
cuja vida fora precocemente interrompida,
em pleno apogeu de tua glória.)

Marília,
Gabriel Nascente
é por demais sofrente
revivê-la nestas exéquias.
I
Quando morrem os príncipes,
a imprensa se ufana de estardalhaços.
Nenhum mortal fica alheio ao estrondo
desses acontecimentos de proa que sacodem
o planeta.
Entrementes, rouxinol também é anjo
e morre.
II
Sexta-feira – 5, de novembro coveiro,
sina de morcego desastrando vidas
para engordar a estatística
dos velórios.
Silêncio!
Desliguem, por favor, a bateria
de teus celulares.
Os microfones estão de luto.
O rouxinol de Cristianópolis
morreu voando, a bordo de teus sonhos.
E levava uma floresta de passarinhos
nos riachos de tua voz,
de menina polpa de pêssego,
gerada
pelo ventre de um violão.
III
A verdade me sucumbiu. Que dor!
Prostrei-me publicamente em prantos.
Eu, vulto de anônima presença, soterrado.
Eu, cisco de turba, esmagado pelo
delírio das ovações.
Enquanto tu, ó rainha da sofrência,
do bar Alabama para o mundo, glória de
meteoro que explodiu teu arsenal de alegrias
na alma das multidões.
Certamente, agora, as estrelas irão
buscar parcerias nas canções de tua voz
de deusa-cantora, xodó dos goianos.
Teu coração era música.
Ó “ícone do feminejo!”
IV
Fogem de mim, ó lembranças
de infausto fado, zombaria de corvos!
O céu não derruba estrelas.
A tristeza apodrece corações.
Suba de novo ao palco, ó
anjo de blazer amarelo.
O teu sorriso era inefável,
de uma ternura incrível luzindo
auroras de borboletas no semblante
das plateias.
O teu sorriso de menina-povo,
poema de ruas, violão de sonhos.
O teu sorriso era um pomar de anjos.
V
Diante de tão lúgubre espetáculo,
eu me propus passageiro-de-ré
no tempo (e apagar do tempo
o comboio-funeral de tua última
viagem).
VI
A tua morte, Marília, foi
um erro da natureza.
Naquela tarde,
de tão límpida pureza,
sem cristais de relâmpagos.
Perdão. Agora me despeço.
Minha alma está abarrotada
de obituários. Minhas condolências,
pois, a tua infinita legião de fãs.
Adeus.
O céu não derruba estrelas.
Acende-as, na eternidade.
E eu me sucumbo nos
escombros desta lembrança,
para chorar.
(Sala Albert Camus, 08 de novembro de 2021)