José Aparecido Nunes Pires

Meu pai, José Thomaz Pires (Zezito da Farmácia), como tantos outros/as desconhecidos, foi um cidadão anônimo, humilde e sem bens materiais significativos, que ajudou muito o Estado de Goiás, em uma região muito abandonada, no extremo Sudoeste goiano, na verdade uma Macondo (cidade imaginaria nos cafundós da Colômbia, do romance “Cem Anos de Solidão”, do escritor Gabriel García Márquez) em pleno sertão goiano.

A propósito, quando viu um carro pela primeira vez tinha 12 anos, ele pensou que o rastro das rodas era de um casal de sucuris andando pela estrada.

Nosso pai teve uma trajetória linda e invejável de vida. E como diz um tio: ele era graduado e pós-doutorado na Universidade da Vida, mesmo tendo dez meses de escola formal.

José Thomaz Pires: um homem que tinha apego à natureza | Foto: Álbum de família

Foi agricultor de propriedade pequena e, depois, dono de Posto de Combustíveis e também farmacêutico prático, em Itajá, Itarumã e Caçu, salvando muitas vidas. Fez até pequenas cirurgias.

Com nossa querida mãe Lázara, teve cinco filhos criados (Wilmar, Renato, Ana Maria, Silvio Humberto e José Aparecido), 15 netos/as (todos/as com curso superior), nove bisnetos/as.

Importante lembrar que nosso pai tinha o maior orgulho da patente de cabo da cavalaria e fuzileiro motorizado fornecido pelo Ministério da Guerra-I/4º R.C.M – Três Lagoas-MT (hoje Mato Grosso do Sul).

Agora, veja, a seguir, o calvário sofrido. Ele, Zezito, 88 anos, com marca-passo e três stents, teve Covid-19, positivado em 20/12/2022. Virus contraído, talvez, em Itajubá-MG, onde esteve na colação de grau de uma neta, em Medicina. Em 23/12 do ano mesmo ano, fomos buscá-lo em Caçu para passar o Natal em família, em Goiânia.

No dia 26/12/2022, pela manhã, baixou saturação para 84, e , depois de levado ao Hospital do Coração, foi transferido para o Hospital Santa Helena. No sábado da mesma semana deram alta a ele.

Na segunda-feira, 2/1/2023, com muita falta de ar, o levamos ao pneumologista Marcelo Rabahi.

Ele estava com embolia pulmonar avançada. Então, Marcelo Rabahi ajudou conseguir vaga na UTI do Hospital Anis Rassi. Lá no Anis, nosso pai ficou quase 60 dias, sendo 45 em UTI, onde foi entubado, extubado, traqueotomizado, hemodialisado e com infecção hospitalar. Sofreu muito.

No dia 23/2/2023, milagrosamente, teve alta, e ficou na casa de minha irmã, com assistência homecare da Unimed, e fazendo fisioterapia motora e respiratória.

No dia 4/4/2023, levei-o para sua casa, em Caçu. Lá teve duas crises, com febre alta, por conta de uma pneumonia e infecção urinária.

De 8 a 10 de maio/2023, levei-o a Lagoa Santa-Goiás, onde nasceu e cresceu e amava de paixão. Conversávamos muito sobre a sua infância sofrida (mas também divertida) e a sua juventude, nos trabalhos da fazenda de meu avô João Nego, no córrego Mimoso, próximo a Lagoa Santa, então município de Jataí. Nessas histórias reais e vividas por ele e irmãos/ãs, às vezes, engolia o choro e suas lágrimas confundiam-se com as águas límpidas da estância hidrotermal.

No dia 19/5/2023 voltou para Goiânia, estava sem alimentar. A endoscopia constatou uma úlcera avançada. Contorcia de dor até ao ingerir água.

Em 25/5/2023, fomos ao Hospital Anis Rassi de manhã. Tomou soro, hidratou um pouco e por volta de 16h30 teve alta. Levamos ele para a casa de minha irmã. Mesmo sendo feriado em Goiânia, ele quis passar em um comércio, perto da Chácara do Governador, e desceu do carro para comprar sementes das pimentas malaguetinha e cumari. Como ex-lavrador e sitiante, adorava plantações e mexer na terra.

Chegando à casa de minha irmã, três horas depois, começou a dessaturar, agora 79. Uma ambulância da Unimed o levou, de novo, ao Hospital Anis Rassi.

No dia 27/5/2023 ele não estava bem e foi entubado. Depois de cinco meses e um dia faleceu, na mesma data (27/5/2023), por volta das 21h, na UTI geral do Hospital Anis Rassi. Nossa tristeza foi e está sendo imensa.

O corpo foi trasladado para Caçu, onde foi sepultado, em 28/7/2023, às 17h, no cemitério local.

Das dezenas de mensagens recebidas pela família, todas muito reconfortantes para nós da família, destacamos a de um ex-prefeito de Itajá que traduz fielmente o caráter do nosso pai: “Meus sentimentos. Seu pai foi e sempre será para mim um exemplo de humildade, trabalho e retidão”.

Quando ele completou 80 anos, comemoramos a data, em Caçu, e discorremos, um pouco, sobre sua exitosa vida. Veja, a seguir, a fala comemorativa que fizemos.

Meu pai, nosso pai, quanta falta você e mamãe nos fazem.  

Fala comemorativa do aniversário de 80 anos de Zezito

Estamos reunidos para comemorar e homenagear os 80 anos bem vividos de José Thomaz Pires, o Zezito de todos nós.

Ele nasceu na fazenda, próximo ao povoado e hoje município de Lagoa Santa, então município de Jataí, em 26/1/1935, quando o país era governado pelo presidente Getúlio Vargas. É o segundo filho de uma família de oito irmãos, filhos de João Nego e Maria (Jerônima, Tonico, Paulo, Dalva, Geraldo, Luzia e Aparecida).

Não vamos fazer um relato de toda sua vida, mas comentaremos algumas passagens importantes da sua existência, que não são muito diferentes da vida de tantos outros que habitavam esse sertão hostil do nosso Estado de Goiás, longe do mar e onde, naqueles tempos, não tinha estradas e quase nenhum tipo de comunicação, sendo completamente isolado do mundo dito civilizado.

Viveu até aos 12 anos da fazenda e muito cedo foi para a labuta do campo, aprendendo a lavrar a terra. Capinou, roçou pasto, colheu café, arroz e milho, ajudou a moer cana, a fazer carreiro de boi, entre outras atividades.

Na Lagoa Santa, palco de muitas festividades, único lazer da região, presenciou muitos tiroteios e mortes. Lembra bem quando Zé Baianinho e Brandão, por conta de disputa das terras da fazenda Coqueiro, hoje município de Itajá, mataram duas pessoas e ele chegou ao local em seguida, ficando muito assustado.

Aos 13/14 anos teve acesso a 10 meses de escola, seis meses em Paranaíba (MS) e quatro meses em uma fazenda, também em Mato Grosso do Sul, mas aprendeu a escrever o básico e a fazer as quatro operações.

Chamado de volta ao trabalho, e triste por não poder estudar, teve de abandonar os estudos para ajudar o pai na labuta da fazenda, juntamente com as irmãs e irmãos.

Aos 16/17 cismou que seria piloto de avião e foi para escola de aviação de Jataí, onde havia um aeroclube. Para completar a renda, limpava as aeronaves da extinta empresa Nacional que operava um DC 3, no trecho Jataí, Rio Verde, Goiânia, Uberlândia, Rio de Janeiro. Quando realizou o primeiro voo solo, novamente foi chamado pelo seu pai a ajudar na lida da fazenda.

Aos 19 anos foi servir ao Exército e, atrevido, de vez que era só minimamente alfabetizado, fez o concurso de cabo e passou, mas durou pouco sua vida na caserna. Teve de pedir baixa para voltar à fazenda da família.

Jovem, adorava uma festa e chegou a andar, 14 léguas, a cavalo, só para dançar. Na Lagoa Santa conviveu com muitos homens de bem, mas que não levavam desaforo para casa. Nesse tempo, as contendas eram muitas e terminadas, muitas vezes, em pancadarias e tiroteios. Mas, no seu canto, não passava recibo às provocações, e nunca entrou em bola dividida, sobrevivendo a todas as encrencas dos valentões dessa terra, à época, sem lei, onde imperava o poder da bala.

Casamento com Lázara

Casou-se em 1957, depois de sete anos de namoro, com Lázara, nossa mãe querida. A família foi aumentando, mas a renda era pouca.

José Thomaz Pires e sua mulher, Lázara | Foto: Álbum de família

Mudou-se da fazenda do meu avô para um sítio adquirido próximo ao córrego Bagageiro, hoje município de Itajá.  Ali derrubou mato, plantou roça, colheu arroz, feijão e milho, fez cerca de arame, criou gado e tirou leite. Tempos alegres e muito difíceis. Já com cinco filhos, alguns anos depois comprou um posto de gasolina em Itajá. Choque brutal para quem deixa a vida do campo para ser comerciante. Adaptou-se rápido aos novos tempos. Um fato importante desse tempo é que o posto de combustível tinha um motor-estacionar, e fornecia, à noite, energia elétrica para algumas casas da cidade. Passagem sinistra foi quando um caminhão-tanque pegou fogo, quando descarregava gasolina, e a cidade parou para apagar o incêndio. Foi um deus-nos-acuda.

Algum tempo depois vendeu o posto de combustíveis e comprou uma farmácia. Por correspondência, fez o curso de oficial de farmácia e procedeu curas importantes. Como não havia médico, em um raio de 20 km, executou alguns procedimentos privativos de médicos, como suturas, aplicação de soro etc. Salvou muitas vidas.

Envolvido com política, tesoureiro de partido, acabou quebrando, mas liquidou todas as dívidas. Mudou-se, em 1971, para Cassilândia-MS. Lá arrumou emprego como atendente de enfermagem e auxiliar de cirurgia no hospital da cidade. Como o salário era baixo, saiu do emprego e comprou um Corcel quatro portas, a prestação. Virou motorista de táxi, mas bateu o carro, em uma viagem, quando voltava de Brasília. Como o veículo não tinha seguro e as prestações foram vencendo, um dos sócios da revenda autorizada da Ford, em Paranaíba-MS, seu amigo de juventude, ofereceu-lhe emprego de vendedor. Aí a situação começou a melhorar.

Um dia, passando por Caçu, voltando de entregas de carros novos em Caiapônia, Jataí, Piranhas e Arenópolis, viu que só tinha uma farmácia e demandava mais uma. Falou com o então prefeito, Noé Guimarães, e, como entendia do ramo, mudou-se com a família para a cidade, que nos acolheu prontamente.

Em Caçu, junto com nossa mãe Lázara, conseguiu manter os filhos estudando e a vida passou a ter um pouco mais de dignidade. Pai severo, seguia a filosofia portuguesa, de “comeu não leu o pau comeu”. Férias escolares sempre foram períodos de trabalho para os filhos, mas acreditamos que nenhum dos filhos ficou traumatizado por conta das surras pedagógicas e da ausência de férias. Mas divertíamos muito. A casa estava sempre cheia de primos/as. Fomos muito felizes.

Em Caçu, Zezito virou juiz de paz, fez muitos casamentos e apartou brigas de casais e brigas de vizinhos. Foi maçom e um dos fundadores do Lions Club.

Também é relevante lembrar que tem cerca de 100 afilhados de batismo e de casamento.

Ele e minha mãe, parceira de uma vida, souberam construir uma família normal, sempre orientando para os caminhos que não deveríamos seguir. São referência para todos nós, seus filhos/a.

José Thomaz Pires, o Zezito, faleceu em Goiânia, aos 88 anos | Foto: Álbum de família

Em 2008, comemorou suas bodas de ouro com sua companheira de vida. 50 anos de casamento. Em seguida, grande tragédia abateu a família pela perda irreparável de sua mulher e nossa mãe querida. Mesmo seis anos depois, ainda deixa muitas saudades e não tem como esquecê-la, mas a vida segue — assustadora e nem sempre bela.

Além dos cinco filhos, Zezito é avô de 15 netos/as.

Seo Zezito, você, nosso pai, é um gigante e vitorioso na sua vida. Deve orgulhar-se de sua trajetória de vida. E por esta razão estamos todos aqui para render-lhe esta homenagem singela e celebrar junto com os seus familiares e amigos os seus 80 anos de vida bem vivida.

Com imensa alegria, em nome dos meus irmãos, cunhadas, cunhado, netos/as e bisnetos/as, agradecemos, do fundo do nosso coração, a presença de todos de Caçu e aos que se deslocaram de Campo Grande-MS, Barra do Garças-MT, Uberlândia-MG, Brasília-DF, São Luiz-MA, Goiânia, Jataí, Cachoeira Alta, Lagoa Santa, Itarumã, Itajá e outra cidades.