Logo após o anúncio da morte da atriz e ativista Brigitte Bardot, no último domingo, 28 de dezembro, a França, que vive um momento único de polaridade e divisão profunda no campo político, não sabia como
homenagear a lenda do cinema sem trazer à tona seu posicionamento político de apoio à extrema-direita do país.

Cultuada como ícone da cultura francesa e protetora dos direitos dos animais, Bardot também é lembrada pelo seu posicionamento político radical. Sua identificação com a extrema-direita francesa lhe garantiram pelo menos cinco condenações na justiça por racismo nas duas últimas décadas.

Brigitte Bardot morreu aos 91 anos, em casa, no sul da França. Logo após o anúncio da morte da atriz, a mídia mundial rendeu-lhe homenagens póstumas relembrando sua carreira com imagens icônicas que
contam a história de vida da diva que marcou a história do cinema Nouvelle Vague, Bardot, com sua sensualidade e talento, mostrou que as mulheres podiam muito mais nas telas do mundo inteiro. Em meados dos anos 50, logo após o lançamento do filme “Deus criou a mulher”, numa época em que a televisão ainda engatinhava e a internet ainda era ficção científica, ela tornou-se a mulher mais conhecida do mundo através do cinema. De 1956 a 1973 foram mais de 50 filmes até que encerrou a carreira pra se dedicar ao ativismo como protetora dos direitos dos animais.

Brigitte Bardot foi um ícone do cinema francês | Foto: reprodução

Entre os milhões de franceses que relembraram com admiração a história de Bardot no cinema, outros milhões preferiram criticar seu posicionamento radical sobre os imigrantes, em particular suas
críticas sobre imigração de muçulmanos na França. Ela era radicalmente contra a onda de refugiados de países com orientação religiosa islâmica e dizia isso, abertamente, pra quem quisesse ouvir.

Em 1997, a atriz condenou o festival islâmico do Eid al-Adha, um dos pilares do Islã, conhecido como a festa do sacrifício. Nessa época, os muçulmanos matam cordeiros (sacrifício) em nome de Alá. Bardot dizia que os imigrantes muçulmanos estavam desfigurando a cultura francesa e que assim como matavam, brutalmente, os animais em nome de Deus, um dia também fariam a mesma coisa com os franceses.

Em seu livro de memórias, lançado em 2003, Brigitte Bardot declarou, abertamente, que era contra a “islamização da França”, lembrando que gerações passadas sacrificaram suas vidas, durante séculos, para impedir a invasão de estrangeiros. No livro, ela descreve a chegada de refugiados de países árabes à França como uma “perigosa invasão islâmica” disfarçada em busca ade direitos humanos. Brigitte chegou a qualificar os refugiados da Ilha da Reunião que pertence à França, localizada na costa africana, de selvagens.

Conexão de Bardot com a família Le Pen

Um pai “charmoso” de uma filha que salvaria a França. Era assim que Brigitte Bardot considerava os líderes políticos da extrema-direita francesa: Jean Marie Le Pen e Marie Le Pen. A relação da atriz com direita radical teve início nos anos 90, quando ela apoiou o líder da Frente Nacional, Jean Marie Le Pen, conhecido por se opor à política de imigração na França e por seu posicionamento antissemita. Em 1996, ela o descreveu como um homem charmoso que lutava contra o “alarmante crescimento da imigração no país.” O quarto marido de Bardot, Bernard d´Ormale, que estava ao lado dela no último domingo quando faleceu, é um conhecido conselheiro político da extrema-direita francesa.

Após a morte de Jean Marie Le Pen, Bardot passou a apoiar a filha do político, Marie Le Pen, que o sucedeu na condução do partido. Marie mudou o nome da legenda para “Corrida Nacional “, mas manteve a linha dura contra a imigração e o Islã. Durante as campanhas presidenciais de 2012 e 2017, Brigitte Bardot foi um cabo eleitoral essencial para Marie Le Pen. Em algumas entrevistas, ela chegou a dizer que a candidata da extrema-direita era a única mulher com a “coragem de um homem”, uma “Joana D´arc moderna” capaz de salvar a França dos “selvagens que invadiram o país.”

Brigitte Bardot e Marie Le Pen | Foto: reprodução

Em seu último livro, Brigitte Bardot afirmou que “a direita comandada por Marie Le Pen, era a única cura para o declínio da França” que ela descreve como “chata, sombria, submissa, doente, estragada, desolada e coercitiva”. Ao mesmo tempo, Bardot dizia também que poderia trabalhar com qualquer político que se importasse com os direitos dos animais e chegou a elogiar o líder da extrema-esquerda Jean Luc-Melechon, conhecido, entre outras coisas, por seu posicionamento anti-Israel e por ser vegetariano.

Uma despedida como a do Elvis Presley francês

Logo após o anúncio da morte de Brigitte Bardot, os primeiros elogios que a falecida atriz recebeu vieram da extrema-direita francesa. Marie Le Pen disse que Bardot era “incrivelmente francesa: livre, indomável, inteira”. Jordan Bardella, conhecido por ser o protegido político de Le Pen e atualmente líder do partido que lidera a direita na França, afirmou que o país “perdeu uma patriota fervorosa”. Semanas antes de sua morte, Brigitte se encontrou com Bardella e o “abençoou” como a melhor solução para a França depois que Marie Le Pen perdeu seus direitos políticos. O presidente Emmanuel Macron, de centro, também rendeu tributos à atriz qualificando Bardot como a “lenda do cinema do século XX” e ainda disse que “a França chora por Brigitte Bardot.”

O líder do partido conservador, Eric Ciotti, propôs que o funeral de Brigitte Bardot fosse similar ao que foi organizado pela França em 2017, para o ícone do rock, Johnny Hallyday, conhecido como o “Elvis Presley francês”. O caixão com o corpo de Hallyday percorreu toda avenida Champs-Elyseés, em Paris acompanhado por centenas de motoqueiros Harley Davison em tributo à sua paixão por motos. Um milhão de pessoas atenderam ao funeral do roqueiro. Ciotti lançou uma campanha on-line pedindo por um funeral semelhante à Bardot que também, nos anos 60, foi garota-propaganda das motos Harley Davison.

Poucos políticos da esquerda-francesa se manifestaram sobre a morte de Brigitte Bardot. O líder do partido comunista, Fabien Roussel, descreveu a atriz como uma figura polarizadora, mas disse que havia um consenso sobre sua importância para o cinema e a cultura do país que, segundo ele, ajudou a propagar, mundo afora, a imagem da França.

Brigitte fez mais de 50 filmes ao longo de seu carreira | Foto: reprodução

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