por Ycarim Melgaço, especial para o Jornal Opção*

Crise do diesel
Petrobras reajusta em 12% o preço nas refinarias a partir desta quinta-feira | Foto: Reprodução

Tendo em vista o tema combustível, é emergente pontuar que o Brasil se encontra diante de dois cenários nebulosos: no primeiro, há os aumentos frequentes nos preços dos combustíveis, acarretando elevação no custo de vida e, por derivação, mais inflação. Para piorar essa situação, sobrevém um segundo cenário ainda mais grave: a provável falta de diesel, combustível essencial para movimentar a economia brasileira. Esse panorama é mais do que suficiente para deixar qualquer governo em pânico. E, neste artigo, o foco é exatamente abordar a crise do diesel.

De acordo com a Federação Única dos Petroleiros (FUP), o Brasil corre o risco de enfrentar um terrível desabastecimento de óleo diesel logo no início do segundo semestre de 2022, entre o final do mês de agosto e o início de setembro. Da entrega de mercadorias ao transporte de grãos, a situação é preocupante em face da logística do transporte no Brasil ter sido quase totalmente estruturada na malha rodoviária. Aliás, o país é grande exportador de commodities, como carne, milho, café e, principalmente, soja, e o transporte desses produtos consome diesel. Igualmente, não se pode esquecer que o transporte coletivo no país utiliza, em sua grande maioria, ônibus a diesel.

Por um lado, os motivos da crise do diesel são a escassez de oferta no mercado internacional e o baixo nível dos estoques mundiais de petróleo, em decorrência das sanções impostas por países do Ocidente, lideradas pelos Estados Unidos, contra a Rússia pela invasão da Ucrânia. Diante do cenário de crise do petróleo nos mercados internacionais, o Brasil não foge à regra e enfrenta também a sombra da crise do diesel, embora seja nos dias de hoje autossuficiente na produção.

Inicialmente, houve restrição a suprimentos de petróleo ou a pagamentos da energia exportada pela Rússia. Com o passar do tempo, no entanto, essas sanções se intensificaram e as instituições financeiras recusaram o financiamento de transações relacionadas à Rússia, como pagamentos através de compensação ou por cartas de crédito, surgindo, assim, um gargalo na importação do petróleo russo, e a oferta de petróleo diminuiu no mercado internacional, elevando o preço para U$ 110 o barril. Há estimativas muito temerosas, prevendo que o endurecimento de sanções contra a Rússia poderá elevar o preço do barril para US$ 150.

No contexto da crise do diesel, vale destacar que a Rússia é uma importante âncora dos mercados de petróleo, isto é, o país responde pela maior parte das exportações globais do ouro negro, despejando 8 milhões de barris por dia de óleo cru e parte de refinados para clientes em todo o mundo. A partir das sanções, provavelmente a produção de petróleo russo já apresente uma redução em cerca de 3 milhões de barris diários, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE).

Há outro fator complicador: os baixos estoques globais apresentam rápida redução, conforme relatórios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).  Em janeiro de 2022, por exemplo, o montante estocado perfazia algo em torno de 335 milhões de barris abaixo da média de cinco anos, acionando, então, um alerta vermelho para esse baixo volume, cujos números tão baixos não eram constatados desde 2014. Os produtores de petróleo terão que cavar mais fundo nas reservas nos próximos anos para cobrir a crise de oferta, sabendo, no entanto, que a produção não irá aumentar a passos largos.

Essa queda na oferta significa que os preços estão subindo, forçando, por conseguinte, uma depressão na demanda. A equação é simples: oferta apertada + preços crescentes = pressão descendente no crescimento do Produto Interno Bruno (PIB) global. Conclui-se que os altos preços de petróleo, que subiram cerca de 30% no acumulado do ano, continuarão a aumentar a inflação, não apenas acarretando a redução do poder de compra das famílias, mas também desencadeando um forte impacto negativo no crescimento. Essa condição deverá gerar reações de bancos centrais de todo o planeta, conforme assegura o relatório da AIE.

Diante desse desarranjo entre demanda e oferta de petróleo no mercado mundial, em decorrência das sanções contra a Rússia, pode-se perguntar se existem alternativas para suprir o déficit. A princípio, a resposta não é nada animadora, uma vez que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) não consegue suprir as cotas acordadas em face de questões técnicas e outras restrições de capacidade, levando a fortes reduções nos estoques globais. Acrescente-se, ainda, que os produtores diminuíram a extração do petróleo durante o pico da pandemia de Covid-19 por conta da baixa demanda, e essa limitação da oferta inclui sanções contra dois importantes produtores da OPEP: o Irã e a Venezuela. O primeiro levaria pelo menos seis meses para conseguir alimentar a oferta mundial; o segundo, talvez, muito mais tempo, haja vista o sucateamento de sua estrutura de exploração.

Nesse desconforto entre oferta e demanda de petróleo, há que se analisar ainda a posição dos Estados Unidos, o maior consumidor de petróleo do mundo, uma vez que a política norte-americana se movimenta separadamente para tentar desbloquear 30 milhões de barris de petróleo de suas reservas. Esse país busca, também, como parte de um esforço coordenado com outros países, aumentar a oferta global a fim de liberar 60 milhões de barris. Resumindo: a situação é dramática, pois há uma incapacidade de se substituir os 7 milhões de barris diários provenientes de exportações da Rússia.

Por outro lado, simplesmente direcionar a culpa da crise do diesel nas sanções impostas aos russos significa poupar um lado esquecido pelos governos brasileiros nos últimos anos, isto é, a adoção de políticas públicas para o setor energético elaboradas em um contexto estratégico de longo prazo.

No Brasil, a resolução das questões energéticas sempre provém de medidas reativas − jamais de medidas proativas. Isso é claramente observado pelas constantes crises enfrentadas em períodos de seca, nos quais as barragens ficam abaixo do nível de segurança, impondo ao governo a adoção de medidas custosas e altamente poluentes, em mais um setor dependente de diesel, isto é, o das termelétricas.

O Brasil não consegue sair desse círculo vicioso. Muito embora seja considerado autossuficiente em petróleo pelo fator numérico com a extração de 3 milhões de barris por dia, o país precisa comprar do exterior em torno de 170 mil barris em derivados de petróleo, mesmo com as atuais explorações do pré-sal.

Uma primeira explicação para essa dependência fundamenta-se no modelo das refinarias instaladas no Brasil, pois boa parte delas foi construída na década de 1970, ainda no regime militar, quando o petróleo era importado. Esse produto, proveniente do Golfo Pérsico e da Arábia Saudita, era do tipo leve e, por esse motivo, o refino deveria atender a essa modalidade do óleo. Sendo assim, as refinarias construídas nesse período focaram no óleo leve, que, aliás, apresenta mais subprodutos, sendo de melhor qualidade.

Com a descoberta e extração de petróleo na Bacia de Campos (RJ), a exploração de petróleo realizada pela Petrobras em águas profundas, segmento conhecido como offshore, as refinarias precisaram passar por um processo de adaptação para refinar o produto brasileiro, que é mais pesado. Com o pré-sal, o petróleo leve também começou a ser obtido no Brasil, com maior valor agregado e com características diferentes, as quais impossibilitam seu refino. Então, vende-se esse petróleo, mas é necessário comprar gasolina e diesel.

Entre as alternativas mais recentes ventiladas para superar a crise do diesel, uma delas consiste no aumento do percentual de biodiesel adicionado ao diesel, atualmente fixado em apenas 10% no produto vendido em postos de combustível. A sugestão é passar para 12% ou 13%. Nesse contexto, vale ressaltar que o Brasil vem se destacando na produção do biodiesel, um combustível que entra na cadeia da biomassa, com a reciclagem de óleos vegetais e de gordura animal. Em janeiro de 2008, o Brasil passou a usar biodiesel em todo o diesel vendido em território nacional. Na época, essa mistura de biodiesel era de apenas 2%.

Pode-se dizer, então, que o biodiesel é a energia que vem de plantas ou ainda de animais abatidos e, por sua natureza orgânica, é considerado um combustível totalmente limpo, orgânico e renovável. Na realidade, a questão ecológica em momentos de crise acaba por perder seu maior valor: a sustentabilidade ambiental.

Outra alternativa defendida pelo governo brasileiro, consiste em gerar soluções que tragam alívio o mais rápido possível, haja vista que o país se encontra próximo de eleições. Mediante a redução do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Prestação de Serviços (ICMS), a política seria tentar minorar o preço do diesel, englobando outros combustíveis fósseis. Por um lado, pode-se dizer que é uma alternativa amarga para os estados, cujas economias se encontram em frangalhos e, essa perda de receita que os estados teriam, segundo cálculo dos secretários estaduais de Fazenda, atingiria os R$ 83 bilhões. Por outro lado, essa medida está longe de garantir a normalidade do abastecimento de diesel.

Portanto, nesse cenário dos combustíveis, o quadro que se forma é o de um horizonte nebuloso; pincelado por uma provável falta do precioso diesel, responsável por movimentar a economia e alimentar o país como um todo; pela guerra na Ucrânia, sem previsão de final no curto prazo; e, ainda para piorar as esperanças, no palco brasileiro, por uma atuação sofrível de um governo, cujo papel está mais para o de uma criatura perdida em campo minado.

Dessa forma, a bomba já está lançada e pode explodir a qualquer momento. Mais uma vez, a população já está pagando a conta. E a fatura é dolorosamente amarga.

*Ycarim Melgaço é doutor em Geografia Humana (USP), pós-doutor em Economia (Unicamp), em Administração de Organizações (FEARP-USP) e professor do MDPT-PUCGO