Depois da sabatina do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) ao Jornal Nacional, na segunda-feira, 22, não havia como não prestar atenção no desempenho que teria, na mesma bancada, seu arquirrival na disputa – e também líder das pesquisas de intenção de voto –, Luiz Inácio Lula da Silva. E o petista mostrou a que veio.

Antes de tudo, é preciso dizer que o ex-presidente é um ancião. Tem 76 anos e fazia 16 anos que não comparecia ao temido encontro com a (nem tão) “santa inquisição” do JN – e aqui, a metáfora irônica tem um pé na realidade por causa da historicamente difícil relação entre Rede Globo e o Partido dos Trabalhadores. Temia-se que seu conhecido potencial retórico para um evento como o desta noite estivesse corroído pela idade. Talvez daí tenha vindo tamanha surpresa de tanta gente, inclusive críticos mordazes e abertos, como o “imortal” Merval Pereira, da GloboNews, com o que veriam naqueles 40 minutos.

No comando, William Bonner foi direto ao ponto que todos aguardavam: falar de corrupção. Antes, porém, reconheceu que Lula não deve mais nada à Justiça, após a anulação dos processos feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após Sergio Moro ter sido considerado um juiz incompetente e parcial para os casos envolvendo o ex-presidente.

Ao contrário do que chegou a fazer em ocasiões passadas, Lula desta vez não brigou com a pergunta, mas comparou o mensalão – descoberto em 2005, em seu primeiro governo – ao orçamento secreto e, dessa forma, usou a pergunta que havia recebido para, assentindo, também acusar a gestão de Bolsonaro. E também aproveitou para dizer que, se houve corrupção descoberta em seu governo, foi porque a polícia e o Ministério Público tiveram total liberdade para investigar.

Foi um eficiente golpe de retórica, que se repetiria ainda várias vezes durante a sabatina. Foi assim quando a dupla de entrevistadores emendou temas conflituosos, como a economia em seus governos versus nosgovernos de Dilma; sua aliança com Geraldo Alckmin (PSB) versus o desagrado da militância petista; agronegócio versus Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); e, claro, o “nós” versus “eles” que Lula teria iniciado.

É preciso dizer que Bonner e Renata não foram condescendentes com Lula. Fizeram as perguntas que deveriam ser feitas. O petista é que esteve muito bem em suas respostas

Para tudo isso, o ex-presidente não negou respostas. Usou figuras de linguagem e exemplos fáceis para o imaginário popular, ao recorrer, por exemplo, ao futebol. Conseguiu elogiar suavemente a companheira Dilma Rousseff e o adversário Fernando Henrique Cardoso (PSDB) praticamente ao mesmo tempo; não tirou Alckmin da boca durante toda a sabatina, acenando claramente ao centro; lembrou que o MST é recordista em produção de arroz orgânico e disse que quer ter o “agro do bem” a seu lado; por fim, disse que em política sempre haverá “nós” e “eles”, mas que ter divergências entre os grupamentos é algo bem diferente do momento atual, em que há incitação ao ódio. Óbvio e perfeito.

É preciso dizer que Bonner e Renata não foram condescendentes com Lula. Fizeram as perguntas que deveriam ser feitas. O petista é que esteve muito bem em suas respostas. Bolsonaristas dirão que o jornalismo global bateu demais em Bolsonaro. Foram, é verdade, mais duros com ele, mas o presidente praticamente os obrigou a isso ao repetir mentiras.

No balanço de tudo, porém, faltou um aspecto importante, polêmico, necessário e que, por isso, deveria ter sido priorizado: a relação que, caso eleito, Lula pretende desenvolver com as Forças Armadas e também como fará para “desalojar” os milhares de militares que estão em cargos comissionados civis no atual governo.

Vendo a entrevista, fica a sensação de que quem ainda procurava a terceira via a encontrou no petista: para alguém tido como de centro-esquerda no espectro político-ideológico, ele jogou o tempo todo muito mais para o centro, de fato, do que para a esquerda. Para quem duvida, alfinetou Cuba e China como países onde não há o “nós contra eles”…

Se Lula vai tirar frutos eleitorais do ótimo desempenho da sabatina? Para voltar ao universo do futebol, eleição é sempre uma caixinha de surpresas, mas, se existia eleitor claramente indeciso sobre um caminho para o País, o ex-presidente jogou todas as suas armas para seduzi-lo. E, se não conquistou voto, a militância ganhou muita motivação para a luta, ao ver seu experientíssimo líder em tão boa forma para o pesado jogo mental que serão as próximas semanas.