O modo como Ciro Gomes (PDT) encara a disputa da cadeira principal do Palácio do Planalto é muito particular: ao mesmo tempo em que tenta se vender como a única solução possível para quebrar a polarização e estancar a violência política, ataca seus principais rivais da mesma forma odienta que diz ser a prática deles. Já chamou Jair Bolsonaro (PL) de “genocida” e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de “ladrão”, para ficar só em dois adjetivos.

Mas, nesta terça-feira, 23, como segundo sabatinado pelo time do Jornal Nacional, ele se comportou bem melhor, criticando os adversários em um tom mais ameno ou, no mínimo, menos direto. Assim como com Bolsonaro, no dia anterior, William Bonner e Renata Vasconcellos começaram a conversa com o pedetista falando de democracia e questionando a suposta contradição entre querer quebrar a polarização para salvar o regime, mas usar um discurso agressivo.

Para alguns, havia a dúvida – que também existiu na sabatina com o presidente – se Ciro aguentaria uma saraivada de perguntas críticas e até mesmo acusatórias sem se destemperar. Se Bolsonaro passou no teste desse estresse – ainda que fugindo do cerne das perguntas e voltando a repetir mentiras sobre urnas eletrônicas e tratamento precoce, entre outras –, o convidado da noite não precisou passar pelo mesmo sufoco: a bancada foi bem mais amena, apontando pontos que o candidato tem em seu e questionando alguns “calcanhares de Aquiles” de suas propostas.

Uma coisa que salta aos olhos – e ouvidos – de quem ouve Ciro é a capacidade que ele tem de responder sobre qualquer assunto despejando dados e exemplos. Mas parece gostar mais de ser admirado do que entendido. Ao se tornar uma metralhadora de informações – talvez no afã de confirmar a tese de que seria o mais bem preparado para o cargo –, ele se esquece de que é preciso que os cérebros do outro lado da linha acompanhem seu raciocínio. E isso não é tarefa fácil mesmo para quem tem algum grau maior de instrução.

Um exemplo, entre vários? Ciro Gomes usou a expressão “transformar a eleição num plebiscito programático” para explicar como faria para ganhar o voto dos eleitores. Ao mesmo tempo, se dirigia à “amiga dona de casa”. Ele, que sempre que pode diz que já foi professor de Direito, deveria voltar às aulas de didática.

Traduzindo – porque aqui vai a certeza de que nem todos que viram a sabatina ou nem todos os que acabaram de ler o mesmo aqui conseguiram entender –, transformar a eleição num plebiscito programático não é nada mais que conseguir que o eleitorado coloque as propostas dos candidatos como prioridade para escolher alguém.

Como ele mesmo admite e para usar o termo que falou durante a entrevista ao JN, Ciro é palavroso. Tem gana de ser presidente, parece ter capacidade técnica para o cargo, mas lhe faltam competência emocional e um jeito de passar sua mensagem que seja popular sem que isso pareça algo artificial. No primeiro item, perde para Lula; no segundo, para Lula e Bolsonaro.

Da parte de Bonner e Renata, há de se dizer que a dupla foi bem mais camarada com o pedetista: poderiam ter investigado polêmicas sobre a trajetória política de Ciro, a contradição sobre passar a acusar o PT de corrupção depois de ter sido aliado por pelo menos 12 anos ou a dificuldade dele em fazer aliados. É bem verdade que Bolsonaro é um presidente que gerou um poço infinito de polêmicas e animosidades, mas, em relação ao que fizeram no dia anterior, pegaram, sim, bem mais leve com o entrevistado da noite desta terça-feira.