Ao mesmo tempo em que demonstrou sensatez em acatar pelo menos parte das críticas dos governadores, o governo federal pode ter consolidado, sem querer, a posição extraoficial do governador Ronaldo Caiado (União Brasil) de porta-voz da segurança pública ao promover alterações na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança. O chefe do Executivo estadual era, e ainda é, um dos maiores críticos da proposição do governo Lula da Silva. E diante dos bons números do Estado de Goiás no que tange ao combate à criminalidade, quando Caiado fala, a União, seus representantes e o país não têm outra opção senão ouvir.

Em um dos trechos do texto da PEC apresentado nesta quarta-feira, 15, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, sob liderança de Ricardo Lewandowski, especifica que as competências atribuídas à União “não excluem as competências comum e nem concorrente dos demais entes federados nessas áreas [de, por exemplo, gerir seus próprios sistemas penitenciários], e nem restringem a subordinação das polícias militares, civis e penais e a dos corpos de bombeiros militares aos governadores dos Estados”.

Esse destaque incluído na PEC, garantindo que os Estados manterão a autonomia de suas forças de segurança em relação ao governo federal, foi lida nas entrelinhas como um atendimento direto a Caiado — e, claro, ao bom senso —, que, em uma reunião em Brasília no fim de outubro do ano passado, criticou duramente o que chamou de tentativa da União de determinar como os governadores deveriam se comportar em seus Estados. Ou seja, o país, em termos de segurança, estaria deixando de ser uma República Federativa.

“O que o governo federal quer é que eu pague a conta dos policiais, da Polícia Civil, Polícia Militar, Polícia Penal, e que ele é quem determina o que eu devo fazer […]. Isso é inadmissível, é uma usurpação de poder, é uma invasão de prerrogativa que já é garantida a nós governadores”, afirmou, na época, o governador goiano sobre a fixação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). E alfinetou: “Faça a PEC, transfira a cada governador a prerrogativa de legislar sobre aquilo que é legislação penal e penitenciária. Vocês vão ver. Na hora que eu botei regra na penitenciária de Goiás, o crime acabou”.

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As críticas do chefe do Executivo estadual goiano receberam endosso de outros governadores, como Tarcísio de Freitas, de São Paulo, e Cláudio de Castro, do Rio de Janeiro. No entanto, não é de hoje que governadores de outros Estados têm acompanhado Caiado em posicionamentos contrários a movimentos do governo federal na área da segurança pública. Em dezembro do ano passado, por exemplo, Tarcísio, Castro e outros governadores, como Ibaneis Rocha, do DF; Romeu Zema, de Minas Gerais; e Ratinho Júnior, do Paraná, fizeram coro a Ronaldo Caiado na reprovação a um decreto do governo Lula que estabelece novas diretrizes para o uso da força pelas polícias em todo o Brasil.

Na ocasião, o líder goiano argumentou que o “decreto impõe aos estados que, caso não sigam as diretrizes do governo do PT para a segurança pública, perderão acesso aos fundos de segurança e penitenciário”. “Trata-se de uma chantagem explícita contra os estados, que acaba favorecendo a criminalidade”, sublinhou.

Em Goiás, os dados referentes à segurança pública dão a Caiado, inegavelmente, propriedade para falar sobre a área. Conforme levantamento da Secretaria de Segurança Pública (SSP-GO), na comparação com 2018, Goiás registrou em 2024 uma queda de 85% no número de latrocínios. Já o crime de homicídio doloso teve redução de 56,07%. Em 2018, foram 1.607 e no ano passado, 706. Com relação ao roubo de veículos, a queda foi de 28,2%, passando de 770 para 553.

O texto acabou de ser enviado à Casa Civil da Presidência da República e tem um longo caminho no Congresso. Vale lembrar que, para ser aprovada, uma PEC precisa de 308 votos na Câmara e 49 votos no Senado em dois turnos. Ou seja, alterações feitas pelos parlamentares não devem faltar. A mudança atual sugere que, quando é competente e propositiva, a oposição também governa.