Reportagem rastreia o mais recluso dos escritores e tenta explicá-lo e à sua obra

Thomas Pynchon é um dos mais enigmáticos e talentosos escritores da história dos Estados Unidos | “O Último Grito” é o mais recente romance do escritor Thomas
Pynchon publicado no Brasil

Thomas Ruggles Pynchon, de 80 anos, é um autor tão difícil de ser lido quanto de ser encontrado. O romance “Vício Inerente” talvez seja o menos complicado. Quando o li, pesquisei na internet e recorri ao YouTube para localizar suas referências culturais, sobretudo musicais. Enchi dezenas de páginas de um caderno. Feito isto, o livro fica mais rico do que aparenta ser, inclusive como registro de uma época. Não é, claro, o preferido dos pynchonianos, que, dada sua clareza, o consideram, provavelmente, como superficial.

A repórter Natália Portinari, de 23 anos, decidiu sair à caça do lendário escritor, que não concede entrevistas e não se deixa fotografar, mas, ao contrário de J. D. Salinger, é extremamente prolífico. O título, “O falso eremita” (“Piauí”, nº 128, de maio), é ruim, mas a reportagem é muito boa. Ao final da leitura, não ficamos sabendo de muita coisa nova sobre o autor, mas ficamos sabendo alguma coisa, e o mais interessante mesmo é a busca da jornalista, e seus comentários, que revelam-na como uma verdadeira pynchoniana.

Natália Portinari entrevistou colegas de escola de Pynchon, amigos e ex-amigos e tradutores de suas obras, no Brasil, no Japão e na China. A repórter sublinha que “o passado de Thomas Pynchon é bem documentado, a começar por sua origem tipicamente Wasp — branca, anglo-saxônica e protestante”. Era de uma família de classe média, tornou-se católico e, ao menos na juventude, flertava com ideias anticapitalistas e anarquistas. Ele “iniciou a carreira de escritor no jornal do colégio”.

Pynchon ouve jazz e é ou era leitor de Jorge Luis Borges e de Philip K. Dick. Jim Hall relatou a Natália Portinari que Pynchon é leitor de obras científicas (seus livros sugerem isto). O escritor admite que sofreu influência “da Geração Beat, de Philip Roth, de Saul Bellow e de Norman Mailer”. Se isto é verdadeiro, diluiu bem as influências em seus livros, porque sua literatura não é parecida com a de nenhum deles. Mas, de fato, escreve tão bem quanto Saul Bellow, Philip Roth, John Updike, Joyce Carol Oates, Richard Ford e Don DeLillo (um pouco mais próximo de Pynchon, talvez).

O romance “V.” seria “uma vingança” de Pynchon contra Lilian Laufgraben, que o trocou por um dentista. Em seguida, passou a namorar Mary Ann Tharaldsen, que era mulher de um amigo, David Seidler. “Pynchon era bem introspectivo. Não queria se comunicar com ninguém, exceto comigo”, contou Mary Ann, de 80 anos, à repórter. Dormia de dia e trabalhava à noite. “Não rolava ter uma relação assim.” A artista plástica Chrissie Wexler figura entre as ex-namoradas do escritor. Também era casada. Seu ex-marido, Jules Siegel, sustenta, num artigo, que o autor de “O Arco-Íris da Gravidade” era “sensível e rápido” na cama (ao escrever, não parece tão sensível nem rápido). Chrissie Wexler contesta o cornudo (talvez “lento” na cama): “Era maravilhoso, bastante charmoso, um tipo meio Romeu. Parecia um amante italiano, muito, muito sexy, e gentil”. Ela afirma que o escritor teria tentado mas desistiu de ser hippie. “Ele gostava demais de trabalhar.”

Pynchon é casado com Melanie Jackson, sua agente literária e mãe de seu filho. Ao ser abordado por repórteres inconvenientes, trata-os com grosseria. James Bone, do “Times” londrino, seguiu o escritor e estendeu a mão para cumprimentá-lo. “Tire a porra desta mão de perto de mim!”, vociferou. Mesmo seguido por jornalistas, o escritor anda pelas ruas de “Nova York”. Sou jornalista, mas admito: “Oh, bicho chato!”

Descobrir Pynchon por meio de seus conhecidos antigos revela alguma coisa substancial sobre sua obra? Muito pouco, quase nada. A jornalista não diz, mas certamente se inspirou na reportagem de Gay Talese — na qual, mesmo sem falar com o cantor Frank Sinatra, traçou-lhe um perfil preciso, ao desnudá-lo por meio daqueles que o cercavam — para compor o micro perfil de Pynchon. Nos Estados Unidos, terra das biografias, é possível que alguém esteja escrevendo a do escritor de “Mason & Dixon”. Faltou à reportagem, mas não era seu objetivo, a exposição de como a obra de Pynchon é bem examinada pela crítica americana, inclusive por Harold Bloom, um dos admiradores de sua prosa enviesada e profunda e densamente enraizada na cultura americana.

A Companhia das Letras lança o mais recente romance de Pynchon, “O Último Grito” (584 páginas, tradução de Paulo Henriques Britto). “Quem quiser saber a opinião de Pynchon sobre política americana, o 11 de Setembro e seus vizinhos de apartamento pode simplesmente ler o romance”, afirma a ótima Natália Portinari.