“Ludovica”, revista de O Popular, é um mar de boas intenções em águas tempestuosas

29 março 2015 às 13h01
COMPARTILHAR
“Ludovica” é um mar de boas intenções mas navega em águas tempestuosas. Se não achar uma ilhazinha para repensar, vai virar almoço de tubarão
Iúri Rincon Godinho
Até o final da vida, o jornalista Jaime Câmara se arrependia por não ter fundado o primeiro jornal do Distrito Federal, deixando a primazia do mercado para o “Correio Braziliense”. Mesmo assim lançou o “Jornal de Brasília” que, caindo pelas tabelas do faturamento, foi vendido. A demora foi um erro histórico, pois no Brasil o segundo é sempre o primeiro perdedor.
Agora o Grupo Jaime Câmara pode ter cometido outro erro, ao lançar uma revista feminina com veleidades nacionais, a “Ludovica”, em um país com várias similares femininas consolidadas (“Cláudia”, “TPM”, “Marie Claire”, “Nova”) e outras que não deram certo (“Lola”).
Mas vamos ao lado bom da coisa:
1 – É notável e elogiável o fato do Grupo Jaime Câmara se arriscar a um projeto (quase) nacional, com distribuição em Goiás, Rio, São Paulo e Brasília. Num mundo globalizado, com as facilidades de comunicação e de acesso, temos todas as condições de disputar mercados nacionais na comunicação. Basta ver as agências de propaganda que atendem clientes nacionais a partir de Goiás.
2 – O fato de já ter nascido multiplataforma é uma obrigação para qualquer nova publicação, que “Ludovica” cumpriu bem. O site tem a vantagem de contar com vários blogs, o que garante conteúdo variado e cotidiano, fundamentais para qualquer portal. O layout também é moderno e prático. Tudo que “O Popular” poderia ter sido e nunca foi. No mundo virtual, “Ludovica” surgiu grande. Pena que portal não paga as contas.
3 – O nome é ótimo. Identificado com Goiás (Pedro Ludovico) e que não compromete nacionalmente. A marca, apesar de modernosa – sem vogais — é limpa, bonita, remetendo ao art-deco. Mas é uma marca, digamos, da moda e da hora, que pode não resistir ao tempo.
4 – Apesar de não apresentar nada de novo, a diagramação da revista é arejada, com letras grandes, grande espaçamento entre as linhas (o que facilita a leitura) e boas imagens. Em resumo: está em dia com qualquer grande publicação nacional.
Mas (e sempre há um mas na vida), o lado ruim da coisa:
1 — “Ludovica” simplesmente não tem edição. Não é uma revista. É um amontoado de temas femininos. Uma mixórdia de assuntos, como se alguém tivesse escrito as matérias, as jogado para o alto e publicadas na ordem que caíram no chão. Mistura corrida, por exemplo, depois vai para alimentação, seguida por uma de crossfit. Duas matérias de atividade física separada por uma de alimentação. Outro exemplo. Uma matéria sobre cachorro vindo antes de uma de psicologia (um tema mais, digamos, árduo), depois outra sobre mulheres e carros. Logo em seguida, lá vem o tema relacionamento novamente, que ficaria melhor se estivesse junta com a de psicologia.
2 — Não há nada na revista profundo, nada que faça pensar. É exatamente o oposto da “TPM”, que tem grandes e belos artigos e pautas diferentes. Tudo parece raso, talvez escrito para quem não quer pensar. Uma leitura de porta de consultório, apenas para matar o tempo. Até revistas que circulam em aviões são mais atentas.
3 — “Ludovica” não tem um artigo opinativo, o que é quase uma ofensa a tantas mulheres de opinião que se tem em Goiás. Vasculhe a memória, leitor, e lembre-se de quando foi a última vez que leu uma revista sem um artigo assinado. E a publicação não encontrou uma grande personagem de renome nacional para entrevistar. É uma revista de ilustres desconhecidos.
4 — A tiragem de 25 mil reais é ridícula até para distribuição apenas em São Paulo. Quanto mais nas outras praças.
5 — Onze páginas de anúncio em uma publicação de 100 páginas dá prejuízo na certa. E não pequeno. Talvez o mais correto nestes tempos de crise fosse uma edição de 72 ou, no máximo, 80 páginas
6 — Como não tem matérias chamativas, nenhuma grande entrevista, nenhum grande personagem, nenhum tema esmiuçado, nenhum artigo assinado, a capa não poderia ser atrativa. A modelo é bonita mas não é ninguém se comparada às atrizes e famosos que sempre estão nas capas das concorrentes.
Sardinha para tubarão
“Ludovica” é um mar de boas intenções mas navega em águas tempestuosas. Se não achar uma ilhazinha para repensar (e ainda há muito tempo para isso), vai virar almoço de tubarão.
Iúri Rincon Godinho é editor da revista “Marketing em Goiás”.