Walquires Tibúrcio transforma coleção de 25 carros antigos em museu vivo pelas ruas de Goiânia
24 novembro 2025 às 11h41

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Aos 86 anos, Walquires Tibúrcio não coleciona meros carros, ele preserva memórias sobre rodas. Sua frota de 25 veículos antigos, que vai de imponentes Rolls-Royce a charmosos “Fordinhos”, não é um investimento estático trancado em uma garagem. É uma coleção que respira pelas ruas de Goiânia e pelas estradas de Goiás, deslumbrando transeuntes e reavivando histórias em cada encontro que frequenta.
Este advogado aposentado, que trocou a segurança do Ministério Público pela incerteza da advocacia por amor à profissão, hoje comanda uma vida dedicada à sua paixão de infância.
A gênese dessa paixão motorizada remonta a Guapé, Minas Gerais, onde Walquires nasceu em 29 de janeiro de 1939. Em uma família pobre, sem carro próprio, a alegria tinha forma e modelo. “Meu pai não tinha carro, nós éramos uma família muito pobre, mas eu tinha um tio que tinha um Fordinho e pra mim a melhor coisa era o dia que ele vinha da fazenda e a gente dava uma voltinha lá na cidade”, recorda-se.
O ‘Fordinho’ do tio, um Ford 1929, foi sua primeira janela para um mundo que iria conquistar. Dessa semente plantada na infância, floresceu uma coleção que hoje abrange 25 carros, duas lambretas e duas vespas, cada um com sua própria alma.
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Antes de poder alimentar essa paixão, no entanto, Walquires precisou construir a base que a sustentaria. Formou-se em Direito na Faculdade de Uberlândia em 1965, casando-se com Maria Berta Penha Tibúrcio, colega de faculdade, no próprio dia da formatura. Aprovado no concurso para o Ministério Público de Goiás, mudou-se para o estado e atuou como promotor por oito anos. A instituição era um porto seguro, mas sua alma inquieta nunca se acomodou.
“A vida toda eu me senti advogado”, confessa, lembrando-se do estágio que fez ainda no terceiro ano de faculdade. “A minha alma, a vida toda, foi de advogado, nunca de promotor. Deixei uma carreira onde eu tinha total garantia de vencimentos, férias duas vezes ao ano, plano de saúde, entre outros benefícios, para me dedicar à advocacia, que era uma incerteza total. E eu considero que foi a melhor coisa que eu fiz na minha vida”, declara.
A escolha, audaciosa, provou-se acertada não apenas financeiramente, mas sobretudo no plano pessoal. “Eu passei a fazer aquilo que eu queria e gostava de fazer. E consegui, em cerca de 50 anos de advocacia, fazer uma advocacia séria, respeitável e dinâmica”, orgulha-se.
Foi o sucesso construído nessa área, aliado a investimentos em recursos humanos no escritório, que permitiu a Walquires, há cerca de 15 anos, dar asas ao menino que se encantava com o passeio no Ford do tio. Sua primeira aquisição como colecionador “era praticamente uma sucata”.
Longe de ser um obstáculo, a condição do veículo foi um convite. Ele mesmo arregaçou as mangas e, com a ajuda de apenas um funcionário, começou a arte da restauração. Aprendeu sozinho? A pergunta provoca uma risada franca. “Não é difícil, é preciso ter bom senso. Aliás, tudo no mundo é bom senso, não é só mecânica não”, diz.
Atualmente, Walquires passa seu tempo em sua garagem-oficina, seu santuário particular. Mas os carros não são peças de museu. Eles vivem. “Ando neles por todo lado! A gente vai para todos esses lugares, de ‘Fordinho’, e o carro vai que é uma beleza!”, exclama.
Walquires possui três modelos do adorado Ford 1929 e brinca sobre sua simplicidade mecânica: “com um rolo de arame farpado e um alicate, você roda o Brasil inteiro em um ‘Fordinho'”.
Para ele, a essência dos carros antigos reside justamente nessa relação mais orgânica e menos tecnológica. “Prefiro dirigir o carro antigo que o novo, parece que há mais integração do homem com a máquina. Hoje os carros são muito tecnológicos, fazem tudo para o motorista: se adaptam ao tipo de estrada, engatam marchas automaticamente. Antigamente, a direção dependia muito mais da habilidade de quem dirigia”, analisa.
A manutenção, ele explica, é um artesanato. “Não tem o artesanato que tem o carro antigo”. Enquanto os veículos modernos exigem troca de peças, os clássicos demandam reparos, ajustes e uma dose generosa de paciência e conhecimento, um desafio que ele abraça.
Essa paixão, no entanto, não se restringe à garagem. “Todo mundo tira foto na rua, pergunta o ano, a potência”, relata. Porém, por trás da curiosidade, muitas vezes escondem-se grandes emoções. “Outro dia eu estava em uma praça em Goiânia com um dos meus ‘Fordinhos 1929’, e chegou um senhor, já de idade, que me perguntou se eu podia esperar um pouco para ele chamar o filho para tirar umas fotografias”.
O senhor, então, contou sua história. Aos 10 anos, seu pai, um usineiro do Ceará, comprara um Fordinho idêntico. Todos os domingos, a família ia à missa no carro. Aos 12, ele aprendeu a dirigir e, como prova, mostrou a Walquires a orelha direita, maior devido aos puxões que levava do pai quando saía da estrada.
“Ele entrou no meu carro, se posicionou no banco e foi acometido de uma emoção tão grande que chorou de saudade. ‘Eu estou lembrando do meu pai, da minha mãe, do tempo que a gente tinha um engenho que fabricava açúcar lá no Ceará’, me contou o senhor, e eu acabei ficando comovido também”. O carro, naquele momento, deixou de ser um objeto para se tornar uma máquina do tempo, transportando um homem de volta à sua própria infância.
A coleção de Walquires é um museu eclético e pessoal. Os três Fordinhos 1929 são os patriarcas. A lista segue com um Rolls-Royce (1976), Mercedes (1970), um Buick (1968), um Puma (1975), um DKW (1967), um Jeep (1975), um Chevette (1975) – presente de um amigo que foi seu único dono –, um Continental (1972) e um Mercury Cougar (1923).
Estes dois últimos foram adquiridos na maior feira de carros antigos do mundo, na Pensilvânia, EUA, em 2010. As duas lambretas e duas vespas completam o acervo, sendo a primeira lambretta, modelo 1958, uma recriação de sua própria juventude. “Tive uma lambretinha quando era jovem e morei em Belo Horizonte. Quando vi um modelo exatamente igual ao que eu tive, comprei, restaurei e trouxe pra cá. Mas com o trânsito como está hoje em dia, tenho medo de andar nela”, admite.
O orgulho transborda quando o assunto é a família. Pai de Henrique Tibúrcio, ex-presidente da OAB-GO e de Fernando Tibúrcio, que advoga em Brasília, ele tem quatro netos que são seus maiores fãs. “É uma gratificação muito grande, porque eu vejo que os valores que eu e minha esposa procuramos passar para os nossos filhos foram recepcionados. Isso me dá muito orgulho”.
Sua dedicação aos automóveis também se estende à comunidade. Como diretor jurídico do Clube do Veículo Antigo de Goiás (C.V.A.G.O.), ele é uma peça fundamental na promoção desse universo. “Eu agora só me dedico aos carros, não estou advogando mais, hoje o Henrique é que comanda aí os escritórios. Eu faço parte do Clube do Veículo Antigo de Goiás, então a gente promove aí sempre encontros de carros antigos e eu participo. Lá é o seguinte, no último domingo do mês tem um evento lá na sede do clube do veículo antigo. E sempre tem encontros em Caldas Novas, Pirenópolis, Rio Verde, que a gente sempre participa”.
A rotina de cuidados com a coleção é meticulosa. “Todos os meus carros funcionam, todos eles”, enfatiza, destacando o Rolls-Royce que aparece em uma foto tirada em Guapé, Minas Gerais. “Essa foto aí é lá em Guapé, a 850 quilômetros daqui, eu já fui lá várias vezes nesse carro. Então a gente, todos, uma vez por semana a gente funciona todos os carros. Esse Rolls-Royce é inteiramente original, não foi restaurado, está como se saísse da fábrica hoje”.
Um dos grandes desafios que ele e outros colecionadores enfrentam é a falta de mão de obra especializada. “Aqui não tem uma oficina especializada para isso e isso até é um problema muito sério, para a gente fazer restauração, porque hoje os profissionais, por exemplo, na área de lataria, não tem mais profissional para isso hoje”.
Mas, apesar da dificuldade, o mercado de colecionadores é vibrante. “Existem muitos colecionadores aqui em Goiás, é um mercado grande de pessoas que gostam desses carros, tem muitos carros bons aqui”.
Satisfeito com a vida que construiu, Walquires olha para seu legado sobre quatro rodas com contentamento. Não planeja expandir a coleção. “Se não, fica difícil dar a atenção devida a todos eles”, pondera. E para aqueles que, encantados por um de seus carros, nutrem a esperança de um dia levá-lo para casa, ele tem uma resposta descontraída: “não pretende vendê-los”.
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