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Fred Le Blue

A ampliação do verde urbanizado em Goiânia é sempre bem-vinda, por meio de projetos como os parques lineares de Botafogo, do Macambira-Anicuns e do Meia Ponte, haja vista, que a história urbana da capital é marcada por grande quantidade de desafetações de áreas públicas abertas e verdes por vendas, doações e grilagens urbanas. Mas, a verdificação de pontos estratégicos da cidade não é solução definitiva, nem mesmo para melhora do conforto térmico no meio ambiente urbano, que é capacidade de uma área natural proporcionar temperatura aprazível, alta umidade e alta velocidade do ar e baixa radiação solar incidente. Em geral, essa qualidade tem maior eficácia para a vizinhança imediatamente circundante de um bosque ou parque, perdendo seu efeito salutar de forma gradual, quão mais distante, uma residência ou comércio está do epicentro de um ambiente natural. Além disso, os paredões de prédios elitizados, que margeiam os parques e os bosques, como ocorre no Areião, no Parque Flamboyant, no Bosque dos Buritis e no Lago das Rosas, funcionam como anteparos que obstruem o fluxo de ar e de umidade para um número maior de casas e prédios das zonas envoltórias dessas respectivas áreas

Em certo sentido, é a lógica das grandes obras e intervenções é que precisam ser questionadas, mesmo quando ligadas à construção de paisagem e patrimônio ambiental, pois se pode construir um grande Ibirapuera em um ponto específico da cidade e não cuidar do elementar, que é a criação e zeladoria de praças arborizadas pelos bairros, ou mesmo de ruas sombreadas. Em igual medida, projetos de horta/compostagem urbana e plantação de árvores frutíferas não costumam ter espaço na agenda pública municipal. O suntuoso Setor Sul com seus fundos de vielas intercomunicantes, que compõem um verdadeiro labirinto verde, não se tornaram um postal da cidade, porque muitos desses espaços tem um comportamento espacial próximo a um beco sem saída.

O trabalho de educação ambiental, por meio de plataformas ou atividades de arte-educação e educomunicação de conscientização histórico-coletiva, tendem a ficar de fora das pautas de reuniões de planejamento  urbano com suas altas cifras e falsos faustos, a partir de projetos de desenvolvimento, seletivamente, positivistas. Ou só é valorizado quando há resistência na adesão popular ao espaço de verde urbanizado planejado, que tende a se tornar desviante, na dimensão cotidiana, do roteiro inicial pensado no discurso útopico e teórico da arquitetura do espaço (pós)moderno.

A falta de participação popular em sua concepção e manutenção, o que o GT Goiânia 2030 chama de Plano Dirigido, torna obrigatório a formulação de jogos de ativação e mobilização social do espaço para provocar uma melhor adequação territorial no âmbito pós-ocupacional.  Quase sempre, o mercado incorporador é que encomenda, através de lobby na câmara de vereadores e na Prefeitura, à revelia dos interesses públicos, que recursos municipais sejam drenados para criar externalidades positivas de paisagens próximas a lotes de especulação imobiliária. Esses esquipamentos ecológicos serão capitalizados como vantagens locacionais de emprendimentos do mercado rentista, a serem pagas em suaves prestações à prefeitura, por meio de instrumento de compensação para regras de exceção de padrões construtivos, como a outorga onerosa, por exemplo.

Não costumam ser colocado na balança  nem mesmos por ambientalistas, o risco de gentrificação causado pela possibilidade de encarecimento do aluguel e custo de vida nessas regiões beneficiadas com grandes equipamentos ambientais em perspectiva oposta ao modelo de microintervenção de Jaime Lerner (“acunpuntura urbana”). A gestão pública e militância ambientalista, por vezes, não trabalham com a noção da sustentabilidade complexa, cujo tripé implica em considerar a questão ecológica, combinada com a econômica e sociológica.

Nesse sentido, a construção de parque lineares extensos e descentralizados são os que mais apontam para uma utopia de democratização do verde sem ônus colateral eugenista e gentrificador para o morador. Por impactar positivamente um maior números de residências, quarteirões e bairros, de maneira a descentralizar o direito casado de moradia e meio ambiente, ele tende a renaturalizar a biofilia e hidrofilia no espaço público urbano sem o fantasma do “fetichismo de mercadoria” (Marx) da publicidade de construtoras, que assombra as demais áreas verdes da cidade. Isso é claro, se as vedações do Plano Diretor para edificações verticais falocêntricas e egoístas com gabaritos muito altos nessas áreas, forem mantidas intactas.

A complexidade do desenvolvimento sustentável pode ser exemplificado pelos 17 ODS da ONU, que inter-relaciona diversos campos do conhecimento socioambiental para pensar e mitigar o impacto humano na fina alquimia que sustenta a vida planetária, que começa e termina na experiência urbana. A criação da Agenda 2030, proposta pelo Goiânia 2030, são 17 passos em direção a reflexão de que mecanismos podem ser implantados em curto espaço de tempo para fomentar uma política pública urbana ambiental, mas também social, sanitária, desportiva e cultural. Mas para isso é preciso que toda sociedade, por meio de uma “nostalgia de unidade” (Camus) e urbanidade, revolte-se contra o estado de absurdo que se tornou a Grande Goiânia em seu processo de verticalização desenfreada e eugenismo verde.

Somente assim, poderemos buscar o horizonte e o tempo perdido (em engarrafamentos) e  repensar a cidade com vistas para as novas gerações, na escala planetária e municipal. O que permitirá realizar um contraponto entre a Goiânia planejada pra 50.000 pessoas e a Goiânia real rumo às 50.000 edificações, sem escamoteamento do seu patrimônio arquitetônico e natural, que já a condecorou como referência de urbanismo moderno ecologicamente correto no passado, apesar dos goianienses não saberem ou fingirem não saber. Uma cidade a caminho de se tornar centenária não pode se presentear com um apagamento de memória e do futuro, mas deve premir, a partir desses polos, algum sopro de nostalgia urbana (já que a rural até que encontra aqui ancoradouro já), que faça algum sentido local, sem localismos, viver essa coletividade assim chamada goianiense.

*Fred Le Blue é professor universitário em Urbanismo Sustentável e Artístico na UFSJ; Pós-Doutor em Artes Visuais pela UFMG sobre direito à cidade e à diferença de gênero no verde urbanizado, e Doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR sobre habitação social, segregação racial e violência urbana