Venezuela ativa milícias civis em resposta a “ameaça militar” dos EUA

30 setembro 2025 às 18h18

COMPARTILHAR
O governo de Nicolás Maduro mobilizou civis armados e intensificou treinamentos nas comunidades diante do que as autoridades chamam de uma “guerra não declarada” promovida pelos Estados Unidos. Moradores de bairros tradicionalmente chavistas têm sido convocados para integrar exercícios de defesa e receber instrução básica no manuseio de armamento leve.
Em atividades documentadas em localidades como 23 de Janeiro e Petare, na capital, militares ensinaram moradores a manusear fuzis AK103, sem munição nos exercícios, e distribuíram folhetos com orientações táticas básicas, incluindo técnicas de camuflagem e sobrevivência. As ações, segundo o ministro da Defesa Vladimir Padrino López, são resposta às operações navais americanas no Caribe, apresentadas por Caracas como “manobras de intimidação” e, segundo o governo venezuelano, parte de uma campanha para forçar uma mudança de governo.
“É uma guerra não declarada”, afirmou Padrino, afirmando que ataques no Mar do Caribe, nos quais os Estados Unidos atacaram embarcações que, segundo Washington, transportavam drogas, teriam resultado em execuções sem direito de defesa. Em agosto, o Departamento de Estado dos EUA aumentou para US$ 50 milhões a recompensa por informações que levem à prisão de Maduro, acusado por Washington de chefiar um cartel de drogas, o que o presidente chavista nega.
No terreno, o cenário mistura fervor e rotina. Milicianos aposentados, donas de casa e jovens participam dos treinamentos. “Se eu tiver que morrer lutando, morrerei”, diz Francisco Ojeda, 69 anos, durante um exercício em que aprendeu a manter posição de combate. “Aqui até os gatos vão sair para atirar”, declarou, em tom que resume o clima de disposição entre parte dos participantes.
Outros moradores, contudo, seguem com as atividades cotidianas: ambulantes vendem nas calçadas e compras de fim de semana prosseguem, sem grande envolvimento com as instruções militares. Analistas apontam para o efeito simbólico das mobilizações. “A ideia é criar um escudo humano para elevar os custos de uma eventual intervenção externa”, afirma o professor Benigno Alarcón, da Universidade Católica Andrés Bello à BBC News. Para ele, mais do que a prontidão bélica, a intenção é construir percepção de que uma intervenção acarretaria elevados riscos políticos e humanos.
O governo afirma haver mais de 8,2 milhões de integrantes entre milícias e reservas, número contestado por observadores externos. Em meio às convocatórias, líderes chavistas mantêm a retórica de defesa soberana e, conforme relatos, ordenaram que quartéis “saam às comunidades” para treinar a população, incluindo idosos e mulheres — alguns deles sem experiência prévia com armas.
No plano diplomático, as tensões se agravaram nas últimas semanas: o ex-presidente Donald Trump exigiu que a Venezuela receba migrantes deportados dos EUA e publicou mensagens duras contra o governo de Maduro. Caracas respondeu com manobras militares e com a intensificação do treinamento civil.
As instruções nos bairros prosseguem em ciclos curtos — exercícios de minutos para cada participante — e colocam à mostra a estratégia do Executivo: transformar apoio social em um possível obstáculo a ações externas, enquanto a população navega entre participação e indiferença às atividades militares que agora se misturam ao cotidiano.