Bateria de nióbio desenvolvida na USP pode colocar o Brasil no centro das novas tecnologias de energia
27 dezembro 2025 às 11h50

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Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) depositaram a patente da primeira bateria funcional baseada em nióbio, resultado de uma pesquisa que supera um impasse histórico da ciência de materiais e coloca o Brasil em posição estratégica no desenvolvimento de novas tecnologias de armazenamento de energia.
O nióbio, metal abundante no Brasil e amplamente utilizado em ligas metálicas de alto desempenho, sempre foi visto como promissor para aplicações eletroquímicas. O desafio, porém, estava na sua instabilidade química: em contato com água e oxigênio, os compostos ativos de nióbio se degradam rapidamente, o que inviabilizava seu uso em baterias recarregáveis. A pesquisa da USP conseguiu contornar essa limitação ao desenvolver uma arquitetura inédita de controle químico do material.
O trabalho é liderado pelo professor Frank Crespilho, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC/USP). A solução encontrada foi inspirada em sistemas biológicos, como enzimas e metaloproteínas, capazes de estabilizar metais altamente reativos por meio do controle preciso do ambiente químico.
A tecnologia, denominada arquitetura N-MER (Niobium Multi-stage Electronic Redox), utiliza um meio redox ativo que protege o nióbio da degradação e permite que o metal opere em múltiplos estados eletrônicos de forma reversível. Na prática, isso viabiliza o armazenamento e a liberação de energia sem perda significativa de desempenho ao longo dos ciclos de carga e descarga.
Grande parte do avanço foi possível após um longo processo de otimização conduzido pela doutoranda Luana Italiano, que trabalhou por cerca de dois anos no ajuste fino do sistema. O objetivo foi garantir não apenas o funcionamento da bateria, mas também estabilidade, repetibilidade e controle dos parâmetros eletroquímicos.
Segundo a pesquisadora, o principal desafio foi encontrar o equilíbrio entre proteção química e desempenho elétrico. Proteção excessiva compromete a entrega de energia; proteção insuficiente leva à degradação do material ativo. O resultado final permitiu que o nióbio operasse de forma estável em arquiteturas próximas das utilizadas pela indústria.
Com o depósito da patente pela USP, a tecnologia atingiu níveis intermediários de maturidade tecnológica (TRL-4). Um dos marcos do projeto foi alcançar 3 volts de tensão, faixa compatível com baterias comerciais atuais. Isso indica potencial real de competição com tecnologias já consolidadas no mercado.
Para validar essa compatibilidade, a bateria foi testada em formatos industriais padrão, como células tipo coin e pouch, em parceria com pesquisadores da Unicamp. Os ensaios demonstraram funcionamento estável em ciclos sucessivos de carga e descarga.
O avanço despertou o interesse de grupos estrangeiros, incluindo empresas chinesas do setor de baterias. Apesar disso, os pesquisadores defendem que o desenvolvimento tecnológico e industrial da bateria de nióbio seja conduzido no Brasil, com apoio institucional dos governos estadual e federal, universidades e startups de base tecnológica.
Para os autores do projeto, a patente representa mais do que uma inovação científica: é um passo em direção à soberania tecnológica. A avaliação é de que o Brasil pode deixar de ser apenas exportador de matérias-primas e passar a liderar cadeias de valor em tecnologias estratégicas, desde que haja investimento contínuo em ciência e inovação.
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