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Um grupo de pesquisadores do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (Iptsp) da Universidade Federal de Goiás (UFG) desenvolveu um teste para detectar a presença da bactéria Listeria monocytogenes em alimentos – um dos principais agentes de contaminação alimentar. A listeriose, doença causada por essa bactéria, é particularmente perigosa para grupos vulneráveis, como idosos, gestantes e pessoas com o sistema imunológico debilitado.

A nova técnica, criada pelo Laboratório de Desenvolvimento e Produção de Testes Rápidos (LDPTR) do Iptsp, faz parte de um kit de detecção molecular capaz de visualizar, a olho nu, o DNA em 20 minutos e mostrar se um alimento está ou não contaminado. É um resultado muito mais rápido, simples e barato do que os métodos tradicionais de microbiologia.

De acordo com Leonardo Lopes-Luz, um dos pesquisadores envolvidos, o teste é capaz de identificar com precisão o DNA da Listeria monocytogenes. O método se destaca por sua especificidade de 100%, ou seja, não confunde essa bactéria com outras que possam estar presentes nos alimentos, tendo demonstrado eficácia inclusive em leite UHT contaminado. “É como um teste de gravidez, só que para alimentos: após a amplificação, ele revela de forma clara se o DNA da bactéria está presente na amostra”, explica.

Trata-se de um dispositivo molecular e livre de anticorpos, um dos recursos que encarecem outros métodos. Assim, é uma alternativa econômica, rápida e facilmente adaptável às inspeções de segurança alimentar, diagnósticos clínicos e até ao monitoramento ambiental. Ele ainda é capaz de funcionar em condições simples, sendo facilmente utilizado em diferentes configurações, até nas que contam com pouca estrutura.

A plataforma, denominada Teste de Fluxo Lateral de Ácido Nucléico Sem Anticorpos (AF-Nalfa), aumenta a velocidade na detecção de contaminações, ampliando também a eficácia das estratégias de controle de surtos e segurança para os consumidores.

Com o desenvolvimento desse novo teste, os pesquisadores deram um salto tecnológico no campo dos diagnósticos, ao migrar de plataformas tradicionais baseadas em anticorpos para uma abordagem molecular baseada na detecção direta do DNA. Essa mudança não apenas aumenta a precisão e a sensibilidade do exame, como inaugura uma nova geração de testes rápidos, mais avançados e acessíveis. Trata-se de uma evolução que reposiciona o papel dos testes de fluxo lateral no enfrentamento de surtos e na proteção da saúde pública.

Ainda estão nos planos dos pesquisadores do LDPTR a integração dessa metodologia com alternativas de amplificação de DNA, como Lamp ou RPA, para deixá-la ainda mais rápida, econômica e versátil; a possibilidade de detectar diferentes tipos de Listeria e outros patógenos junto na mesma amostra; e até o desenvolvimento de um dispositivo portátil que permita que o teste seja realizado pelo celular, aumentando o seu acesso.

Importância do novo teste

A listeriose é uma infecção grave que merece atenção especial dos órgãos de saúde, pois representa um sério problema de saúde pública, com altas taxas de mortalidade entre indivíduos infectados e suscetíveis. O fortalecimento da fiscalização por parte dos órgãos reguladores, bem como a adoção de medidas de controle pela indústria de alimentos, são ações fundamentais para a prevenção e contenção de casos e surtos. Em países como os Estados Unidos e nações da Europa, a legislação determina a ausência absoluta de Listeria monocytogenes em alimentos prontos para consumo.

Os métodos de diagnóstico disponíveis incluem o isolamento bacteriano por cultivo convencional, considerado padrão, mas que é um processo demorado e laborioso. Existem também técnicas imunológicas e moleculares, mais rápidas e sensíveis, mas que apresentam alto custo, exigem equipamentos sofisticados e mão de obra especializada. Atualmente, alguns kits comerciais baseados em ensaios imunocromatográficos ou ELISA permitem diagnóstico rápido, porém todos são importados, caros e muitas vezes de eficácia limitada, já que utilizam antígenos ou cepas produzidos em outros países.

Outro desafio é que, durante a fase de replicação bacteriana no organismo, a Listeria desenvolve mecanismos de escape imunológico, dificultando a detecção pela imunidade humoral. Nesse contexto, a criação de protótipos capazes de identificar a bactéria diretamente nos alimentos antes do consumo surge como alternativa estratégica para reduzir o risco de infecção.

No mercado internacional, há poucos testes rápidos disponíveis e, no Brasil, não existe nenhum kit desenvolvido com tecnologia e insumos nacionais. Assim, a criação de um teste rápido, simples, baseado em imunocromatografia, que não exija equipamentos de leitura e possa ser aplicado por profissionais com treinamento básico, representa uma solução promissora. Esse tipo de ferramenta diagnóstica poderia ser utilizada tanto para detectar Listeria monocytogenes em alimentos quanto para auxiliar na prevenção da listeriose, contribuindo para a redução da mortalidade associada à doença.

Atualmente, a legislação brasileira exige a análise para Listeria apenas em queijos de média e alta umidade, sendo necessária a comprovação da ausência da bactéria em amostras de 25 g para que esses produtos sejam considerados seguros. Entretanto, essa exigência não se estende à maioria dos outros alimentos. Nesse sentido, o desenvolvimento de um teste rápido, sensível, específico e de baixo custo poderia incentivar sua adoção pela indústria alimentícia, garantindo maior segurança para consumidores, além de agregar valor e credibilidade aos produtores no mercado nacional.

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