Pedro Sérgio dos Santos

Recente ataque resultou em mais de 15 pessoas mortas, dentre elas várias crianças, mais de 50 feridos e uma igreja destruída

É de autoria de Tertullianus (ano 220 d.C.), nascido em Cartago, África, então território do Império Romano, a célebre frase: “O sangue dos mártires é a semente dos cristãos”.

A frase nunca esteve tão atual como nos dias de hoje e, mais especificamente, no último dia 22 de junho, quando na cidade de Damasco, na Síria, um terrorista islâmico adentrou uma Igreja cristã do Patriarcado Ortodoxo Antioquino — Igreja de Santo Elias — e disparou tiros de metralhadora contra centenas de pessoas e depois fez explodir uma bomba amarrada em seu corpo.

O ataque resultou em mais de 15 pessoas mortas, dentre elas várias crianças, mais de 50 feridos e uma igreja destruída.

Imediatamente, o Patriarcado Greco-Ortodoxo se manifestou em comunicado: “Enquanto ainda contamos os mártires e os feridos, e recolhemos os restos mortais e os corpos de nossos mártires — cujo número exato ainda não pudemos determinar —, o Patriarcado Ortodoxo de Antioquia e Todo o Oriente condena veementemente este ato hediondo e denuncia, com as palavras mais firmes, este crime horrendo. Conclamamos as autoridades responsáveis a assumirem plena responsabilidade pelo que ocorreu e continua a ocorrer em termos de violação da santidade das igrejas, bem como a garantirem a proteção de todos os cidadãos. Sua Beatitude, o Patriarca João X, tem acompanhado pessoalmente os desdobramentos desde o primeiro momento. Ele está conduzindo comunicações tanto locais quanto regionais para transmitir a dura realidade que se desenrola em Damasco a todo o mundo. Ele clama por uma ação urgente para pôr fim a esses massacres”.

O atentado revela o que há muito já se sabe sobre os extremistas islâmicos que tomaram o governo da Síria: que não há lugar, naquele país, para minorias religiosas, nem mesmo para aqueles grupos que são minoritários dentro do próprio islamismo. Nesse sentido, até agora as palavras dos governantes da Síria não se tornaram gestos concretos de proteção para todos os cidadãos sírios e, ao que parece, os grupos extremistas contam com as “vistas grossas” de quem tem simpatia por seus atos.

A exemplo do que aconteceu com a África do Sul, durante o Apartheid, quando aquele país sofreu severas repreensões internacionais — inclusive embargos econômicos — pela falta de respeito aos direitos civis de seus cidadãos, percebe-se que igualmente medidas urgentes devem ser tomadas em relação à Síria,  caso contrário, os cristãos,  que já habitam esse país há dois mil anos, serão literalmente varridos daquele território.

O ataque à Igreja de Santo Elias é muito simbólico, pois ocorreu nas proximidades do local descrito na Bíblia, em Atos dos Apóstolos, capítulo 9, versículos 10, 11, e 12. Nesse local, São Paulo, após cair do cavalo e iniciar sua conversão, foi recebido por Ananias e ali começou a vivenciar a fé cristã, saindo depois em sua heroica missão de difundir a mensagem de Cristo ressuscitado e fundar igrejas no Oriente e no Mediterrâneo Europeu. Pelo visto, querem matar o cristianismo em suas próprias raízes históricas.

Sofrimentos e perseguições já se tornaram habituais para os cristãos ortodoxos, dentro e fora do oriente médio. A Rússia (União Soviética) do século XX levou milhões de cristãos ortodoxos para a cova rasa ou para campos de concentração — os Gulag — confiscando todas as escolas cristãs, fechando igrejas e monastérios. Os outros países socialistas do leste europeu fizeram o mesmo, superlotando suas prisões com pessoas acusadas pelo crime de serem cristãs. Ótimo relato sobre a ação socialista contra os cristãos é o livro “O Arquipélago Gulag”, de Aleksandr Soljenítsyn — ex-prisioneiro dos campos de concentração na União Soviética e ganhador do Prêmio Nobel de Literatura.

Findado o século XX e diante da simbólica queda do muro de Berlim, a realidade da perseguição religiosa na Rússia e no Leste Europeu mudou. Os cristãos respiraram mais aliviados, tendo em vista que a perseguição comunista que matou mais cristãos que o Império Romano parecia chegar ao fim.

Todavia, o início do século XX mostrou ao mundo a horrenda face do Estado Islâmico: esse grupo se tornou sinônimo de total intolerância, agindo numa franca incitação à “guerra santa” e matando milhares de pessoas cristãs, curdas e muçulmanas. Dessa forma, cristãos do Iraque, Síria e outras localidades, inclusive na África (sob a mira do grupo Boko Haram) continuam perseguidas, humilhadas, proibidas de vivenciarem sua religião, sob pena de pagarem com suas vidas pela fé que professam.

A perseguição não se dá apenas com bombas e metralhadoras. Na Turquia, por exemplo, o governo islâmico (laico) tomou para si a maior e mais antiga igreja da ortodoxia, a Catedral de Santa Sofia, símbolo maior do cristianismo no oriente desde o século VI e a transformou em uma mesquita e ainda proibiu, há décadas, o funcionamento de uma tradicional faculdade teológica ortodoxa em Halki.

A Igreja Greco-Ortodoxa Antioquina reza por seus mártires, mas não se deixa intimidar pela violência que quer coagir seus fiéis a renunciar à fé.

Os fiéis ortodoxos resistem centrados nas palavras de Jesus registradas pelo Evangelho de São João : “¹⁹ Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas porque não sois do mundo, antes eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos odeia.²⁰ Lembrai-vos da palavra que vos disse: Não é o servo maior do que o seu senhor. Se a mim me perseguiram, também vos perseguirão a vós;” ( João 15,19-20). 

Nas palavras finais de sua manifestação, o Patriarcado Antioquino assim se expressa: “Reafirmamos nosso compromisso inabalável com a nossa fé e, por meio dessa firmeza, nossa rejeição a todo medo e intimidação. Suplicamos a Cristo nosso Deus que conduza o barco da nossa salvação pelas tempestades deste mundo, Ele que é bendito pelos séculos dos séculos.”

Hoje a paz não é apenas uma necessidade dos cristãos do Oriente Médio que, como vítimas inocentes, pagam por uma guerra que não provocaram. Paz é uma necessidade para toda a humanidade, seja principalmente pelo seu próprio conteúdo ético, ou, na pior das hipóteses, seus aspectos práticos tornam bem melhor a nossa vida no planeta.

Pedro Sérgio dos Santos, professor titular da Universidade Federal de Goiás, é cristão ortodoxo.