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Candice Marques de Lima

Especial para o Jornal Opção

Pensei inúmeras vezes como começaria esta resenha. Imaginei como falar da Tálita que conheço há mais de dez anos. Uma mulher negra com cegueira que escreve, trabalha e que tem um bom humor contagiante. Mas tenho sobretudo de falar da escritora, que não nasce agora, mas que publica seu primeiro livro.

Desde que conheço Tálita, me impressiono com sua habilidade com as palavras, seja para falar em público, nas conversas íntimas, e especialmente na escrita. Conto uma historieta dos meus primeiros encontros com sua escrita. Fui orientadora de trabalho de conclusão de curso de Tálita há quase dez anos. Primeiro, quebrei a cabeça para definir como orientá-la. Com as/os estudantes videntes, geralmente eu revisava o texto escrito à caneta – sim, naquela época eu imprimia tudo para ler, e garanto que a leitura é muito melhor! –, e entregava para que fizessem a correção.

No entanto, devido a sua condição, Tálita e eu decidimos que leríamos seu texto juntas no notebook e eu iria fazendo as sugestões, as quais ela corrigiria na hora. Feito o trato, começamos a leitura e não poucas vezes eu me deparei com palavras que já conhecia, mas que me causavam certa estranheza por estarem com um significado diferente daquele que já estava habituada. Nessas horas, eu olhava no dicionário e percebia a habilidade de Tálita ao trabalhar com significados diferentes daqueles comumente conhecidos.

Tálita Serafim Azevedo capa de seu livro 1 867 x

Assim, não me impressionou quando um dia Tálita me enviou uma mensagem dizendo que iria publicar um livro. Eu já sabia que escrevia poemas, que cantava – já lançou dois cd´s de música gospel –, mas fiquei surpresa com a rapidez com que falou comigo e depois me anunciou que havia fechado contrato com a editora Visão.

Logo que tive acesso ao livro, já percebi que estava diante da Tálita, de sua escrita, mas especialmente, de uma escrita que não tem medo de contar sobre sua vida. Tálita não apenas escreve crônicas de sua história, mas nos conta os detalhes sofridos pelos quais passou. Entretanto, o que mais me comoveu na história, foi o tom leve para narrar situações difíceis.

Tálita não se lamenta de sua vida. Nem torna suas experiências, como o câncer nos olhos aos três anos, a vida em família e na faculdade em uma leitura árdua. Seu tom tem o bom humor da sua fala, mesmo quando relata histórias dramáticas.

Conto aqui um dos episódios que mais me impactou. No segundo casamento de sua mãe, Tálita se mudou com ela para a fazenda do padrasto, que não tinha energia elétrica nem água encanada. Como uma adolescente da cidade, ela narra que “sentia vontade de ouvir músicas, assistir televisão, tomar banho de chuveiro.” Sentiu-se solitária, ficou sem estudar e teve seu primeiro contato com a depressão.

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Tálita Serafim Azevedo: um ser humano múltiplo e de muito talento | Foto: Arquivo pessoal

Se toda essa condição de vida não bastasse, o padrasto se tornou um homem violento, que agredia verbalmente Tálita e sua mãe e as ameaçava. Um dia, Tálita resolveu enfrentá-lo e, diante da ameaça de agredi-la fisicamente, sua mãe decidiu retornar para Goiânia.

Não por acaso, ao ler as crônicas de “Acende a Luz” – imagino que a/o leitor/a já saiba o por quê do título, mas vou deixar que leia o livro para entender melhor seu significado exato –, lembrei-me da escritora ruandesa Scholastique Mukasonga.

Scholastique Mukasonga conta as histórias de sua família e o genocídio que os tutsis sofreram pelos hutus, incentivados por europeus na década de 1990. Pois bem, onde é possível observar a relação entre a escrita da escritora ruandesa e da escritora goiana? Justamente na maneira leve de escrever situações de sofrimento. Ambas narram suas histórias de maneiras possíveis de serem lidas.

Assim, Tálita Serafim Azevedo se inscreve em um estilo de escrita de si mesma como o faz Scholastique Mukasonga, Edouard Louis, Emmanuel Carrère, entre outros.

Candice Marques de Lima é doutora e professora na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás.

Serviço

Tálita Serafim Azevedo capa de seu livro 1 350ok

Lançamento do livro “Acende a Luz — Crônicas da Minha Vida”, de Tálita Serafim Azevedo acontecerá no dia 19 de agosto de 2025, às 16 horas, no miniauditório da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás — Campus Samambaia, Goiânia.

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