O Senado Federal aprovou um projeto de lei que estabelece um novo marco legal para proteção das pessoas com diabetes tipo 1 no Brasil. Construído como alternativa ao texto vetado no início do ano, o projeto define critérios para o eventual enquadramento da condição como deficiência, amplia garantias de acesso a medicamentos e tecnologias de tratamento e prevê direitos específicos a pacientes e familiares.

Para o médico endocrinologista Sérgio Vencio, assessor científico da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), a aprovação representa um avanço importante, mas ainda exige regulamentação detalhada para assegurar sua efetiva aplicação.

A proposta aprovada busca atender às exigências jurídicas e orçamentárias que levaram ao veto integral do PL 2.687/2022. No novo texto, os senadores deixam explícito que o enquadramento da pessoa com diabetes tipo 1 como pessoa com deficiência, “para quaisquer fins”, deverá observar os critérios previstos no Estatuto da Pessoa com Deficiência. Ao mesmo tempo, o projeto garante, independentemente de avaliação biopsicossocial, o acesso universal a medicamentos e tecnologias necessárias ao tratamento da doença.

Adaptação de jornada e acesso a informação

Entre os pontos centrais da matéria estão a possibilidade de adaptação da jornada de trabalho para pais ou responsáveis por pessoas com diabetes tipo 1, o acesso a informações nutricionais e escolares e o apoio psicossocial. O texto também prevê que a carteira de identidade da pessoa com diabetes tipo 1 possa conter informações relevantes para a preservação da saúde, além de estabelecer validade indeterminada para o laudo médico que ateste o diagnóstico.

Na avaliação de Sérgio Vencio, o projeto responde a demandas históricas de uma parcela pequena, mas altamente vulnerável da população. Segundo ele, pessoas com diabetes tipo 1 representam cerca de 0,5% da população brasileira e aproximadamente 5% do total de casos de diabetes. “É um diabetes diferente, que exige uso contínuo de insulina, controle rigoroso da glicose e cuidados permanentes no dia a dia”, destacou o endocrinologista.

O especialista chama atenção para os impactos da condição no mercado de trabalho. De acordo com Vencio, ainda há resistência à contratação de pessoas com diabetes tipo 1, em razão das pausas necessárias para alimentação, monitoramento glicêmico e eventuais intercorrências de saúde. “Se essa pessoa é reconhecida dentro das políticas de inclusão, ela passa a ser vista como alguém plenamente produtivo. Há médicos, engenheiros, advogados e até pilotos de avião com diabetes tipo 1”, afirmou.

Melhora na educação, concursos e processos seletivos

Outro ponto ressaltado pelo médico é a realidade de crianças e adolescentes, principal grupo afetado pela doença. Para ele, o projeto pode induzir mudanças no ambiente escolar, ao exigir maior preparo das instituições de ensino. “Isso força as escolas a terem profissionais capacitados para reconhecer uma glicemia alta ou baixa e saber como agir. Hoje, muitas famílias enfrentam dificuldades por falta desse conhecimento básico”, disse.

Vencio também citou situações em processos seletivos e concursos públicos. Segundo ele, pessoas com diabetes tipo 1 enfrentam restrições para portar dispositivos de monitoramento de glicose durante provas. “Com um olhar diferenciado, isso deixa de ser um problema. O aparelho passa a ser entendido como uma necessidade de saúde, não como privilégio”, explicou.

Apesar de reconhecer os avanços, o endocrinologista pondera que o texto ainda precisa de maior detalhamento, especialmente no que diz respeito ao conceito de deficiência. “Nem todo diabetes pode ser considerado deficiência. Mas, quando há complicações — como insuficiência renal, perda visual ou outras limitações —, isso precisa estar claramente previsto em lei”, avaliou. Para ele, o debate deverá avançar na fase de regulamentação, após eventual sanção da proposta.

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