Sem alarde, Assembleia analisa projeto que criminaliza homofobia em Goiás

20 junho 2016 às 20h52

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Comissão de Direitos Humanos apresenta Projeto de Lei contra a discriminação com medidas para punir crimes contra orientação sexual e identidade de gênero

Ninguém ficou sabendo, nada foi comentado. Mas há mais de dois meses tramita na Assembleia Legislativa o Projeto de Lei que cria a Lei Estadual Antidiscriminação, de autoria da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa, presidida pelo deputado estadual Renato de Castro (PMDB). Entre as medidas incluídas na proposta estão punições para quem cometer crime contra o sexo, a orientação sexual ou a identidade de gênero de qualquer pessoa em Goiás.
Assinada pelos deputados Renato de Castro, Isaura Lemos (PCdoB), Zé Antônio (PTB), Dr. Antônio (PR), Sérgio Bravo (PROS), José Nelto (PMDB) e Francisco Jr (PSD), o Projeto de Lei número 128 de 2016 (PL 128/16) foi apresentado na Assembleia no dia 14 de abril, recebido pela Diretoria Parlamentar da Casa e publicado em 27 de abril.
Desde então, o texto da proposta passou pela Coordenadoria de Apoio Legislativo da Assembleia, que encaminho à Comissão de Constituição, Justiça e Redação no dia 4 de maio. Na comissão, o PL 128/16 teve definido como relator o deputado estadual Álvaro Guimarães.
O deputado Renato de Castro disse esperar que o crime de homofobia seja combatido em Goiás com a proposta apresentada pela Comissão de Direitos Humanos há pouco mais de dois meses. O projeto prevê a criminalização de atos que caracterizem discriminação de caráter homofóbica.
“É lamentável que, em pleno século 21, ainda tenha gente que ache que é melhor que o outro por causa da orientação sexual”, declarou o peemedebista sobre os crimes cometidos por uma pessoa ser gay, lésbica, travesti ou transexual. “Isso tem que acabar.”
A Lei Antidiscriminação, como prevê o PL 128/16, inclui não só a homofobia como intolerável em Goiás, mas outros crimes contra a pessoa por suas características físicas, orientação sexual e outros pontos.
O texto fica claro em seu artigo 3º:
Art. 3° O direito antidiscriminatório compreende a proteção contra qualquer forma de discriminação injustificada à pessoa humana que seja baseada nas seguintes características protegidas:
I – orientação sexual (homossexualidade, bissexualidade e outras);
II – gênero ou suas múltiplas identidades (travestis, transexuais e outras);
111 – sexo;
IV – opção religiosa;
V – origem nacional, regional ou local;
VI – local de residência ou domicílio;
VII – estado civil;
VIII – pertença a grupos minoritários;
IX – raça ou etnia;
X – idade;
XI – deficiência;
XII – opinião política ou outra; .
XIII – patrimônio ou renda;
XIV – nível educacional;
XV – condição de saúde;
XVI – qualquer outra característica pessoal ou de grupo que seja objeto de discriminação injustificada.
Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa
Além de classificar os pontos incluídos na Lei Antidiscriminação, a ser analisada pela Assembleia, o projeto esclarece quais são os atos que serão considerados crimes discriminatórios a partir do momento em que a nova legislação for sancionada, com prazo de 30 dias após a publicação no Diário Oficial do Estado (DOE) para entrar em vigor.
Art. 5° São exemplos de discriminação injustificada, quando baseada em características protegidas nos termos estabelecidos nesta Lei:
I – praticar qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica;
II – proibir o ingresso ou permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público;
III – praticar atendimento selecionado que não esteja devidamente determinado em lei;
IV – inibir ou proibir a admissão ou o acesso profissional em qualquer estabelecimento público ou privado de trabalhador habilitado para tanto;
V – proibir a livre expressão e manifestação de afetividade, sendo estas expressões e manifestações permitidas a todos os cidadãos.
Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa
Os artigos 6º e 7º do PL 128/16 incluem a punição a ser aplicada a estabelecimentos que cometerem crimes discriminatórios em qualquer local no Estado de Goiás e quais as punições previstas quando for cometido por servidores ou agentes públicos.
Art. 6° Discriminar a pessoa humana baseado nas características protegidas de que trata esta Lei acarreta as seguintes sanções administrativas:
I – multa de até R$ 10.000,00 (dez mil reais) e suspensão da licença estadual para funcionamento por 30 dias;
II – multa de até R$ 30.000,00 (trinta mil reais), e, em caso de reincidência, cassação da licença estadual para funcionamento.
Art. 7° A discriminação praticada no exercício da função pública é punida na forma dos estatutos próprios.
Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa
De acordo com o texto do Projeto de Lei, a análise, por meio de processo administrativa, e a punição a quem cometer crime de discriminação dentro dos previstos na proposta devem ser aplicadas pela Secretaria Estadual da Mulher, do Desenvolvimento Social, da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos e do Trabalho (Secretaria Cidadã) “ou o órgão que a suceder” no caso de extinção ou mudança do nome da pasta.
Se a punição se mostrar “inócua”, ou seja, não caracterizar uma mudança de atitude por parte do estabelecimento, local público, privado ou pessoa que cometer o crime de discriminação, a multa pode ter seu valor aumentado em até cinco vezes o previsto na primeira punição, que terá o valor atualizado anualmente pela inflação.
Os recursos arrecadados com as multas aplicadas serão destinados ao Fundo Estadual de Assistência Social (FEAS).
A necessidade de apresentação do Projeto de Lei para criar a legislação que combata a discriminação em Goiás existe, segundo a justificativa da proposta, porque o direito à igualdade continua uma promessa não cumprida.
“Nesse sentido, não raro, – pelo expressar e agir de vários em nosso País -, temos a sensação de viver em uma sociedade estamental, nos moldes aristocráticos do ancien régime (antigo regime), que fora extinto pelas espadas e baionetas dos revolucionários franceses de 1789.”
Histórico
A proposta surgiu a partir de sugestão do então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Goiás (OAB-GO) Henrique Tibúrcio em 25 de junho de 2014. Tibúrcio, que é secretário estadual de Governo, enviou na época um ofício ao governador Marconi Perillo (PSDB), tendo como base a Lei Estadual número 10.948 de 5 de novembro de 2011, do Estado de São Paulo, que combate os crimes de homofobia em locais públicos e privados.
A legislação paulista, sancionada pelo então governador Geraldo Alckmin (PSDB), determina que “será punida, nos termos desta lei, toda manifestação atentatória ou discriminatória praticada contra cidadão homossexual, bissexual ou transgênero”. A partir dela, Tibúrcio sugeriu ao Estado de Goiás, por meio da OAB-GO, que fosse criada uma lei estadual para combater esse tipo de crime.
O pedido feito por meio de ofício passou pelos secretários Joaquim Mesquita, que estava na Secretaria Estadual de Segurança Pública, e por Lêda Borges, na Secretaria Cidadã, por superintendentes e outros membros do Executivo goiano até ser enviado em 25 de abril de 2015 à Assembleia Legislativa por Onaide Santillo, superintende executiva de Direitos Humanos da Secretaria Cidadão, com o seguinte texto:
Despacho 003/2015 – SUPEXDH – Considerando a importância do tema em questão, garantia dos direitos da população LGBTT, consideramos oportuna lei que puna a discriminação, preservando os direitos individuais inalienáveis, próprios da democracia.
No Brasil, além da Constituição de 1988 proibir qualquer forma de discriminação de maneira genérica, várias leis estão sendo discutidas no Congresso Nacional a fim de proibirem especificamente a discriminação aos homossexuais. A Constituição Federal brasileira define como “objetivo fundamental da República” (art. 3°, IV) o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.
A expressão “quaisquer outras formas”, refere-se a todas as formas de discriminação não mencionadas explicitamente no artigo, tais como a orientação sexual, entre outras.
Sendo objeto de intenção deste Governo a efetivação de legislação solicitada, poderá ser apresentada à Assembleia Legislativa como Mensagem do Executivo.
Assim, encaminhem-se os presentes autos à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, cujo presidente é o Deputado Estadual Renato de Castro.
Onaide Santillo – Superintendente executiva de Direitos Humanos da Secretaria Cidadã
Foi no ofício da superintendente executiva da Secretaria Cidadão que, ao invés de só tratar dos crimes de homofobia, o pedido da criação de uma lei estadual se tornou a análise da elaboração de uma proposta contra diversos tipos de discriminação à pessoa de acordo com o “objetivo fundamental da República”, previsto na Constituição Federal, de combater “quaisquer outras formas”.
O Jornal Opção chegou a conversar com o deputado Álvaro Guimarães (PR), relator do PL 128/16 na Comissão de Constituição, Justiça e Redação há um mês, mas o parlamentar, que viajava no momento da ligação, não conseguiu comentar a situação em que se encontra a análise da constitucionalidade do texto da proposta. A ligação caiu e a reportagem não conseguiu entrar em contato com o deputado novamente.