Ao contrário do que era comum em ciclos eleitorais passados, quando prefeitos deixavam seus cargos para disputar cadeiras na Assembleia Legislativa ou na Câmara Federal, a maior parte dos gestores das principais cidades brasileiras hoje prefere permanecer em seus mandatos. Em Goiás não é diferente.

Hoje, grande parte dos prefeitos das maiores cidades opta por permanecer nos mandatos, mantendo seus grupos políticos intactos e preservando alianças com deputados e controle sobre recursos e emendas. Outro fator importante é o poder de arrecadação das grandes cidades.

O cenário atual evidencia uma política municipal mais estratégica e profissionalizada, em que a estabilidade e a capacidade de entregar resultados à população se tornaram prioridades. Além disso, a visibilidade eleitoral passa a ser calculada dentro de um contexto de preservação de poder local.

A decisão reflete uma mudança estratégica: manter o controle sobre grupos políticos locais, emendas e alianças, além de garantir a execução de políticas e projetos diretamente na cidade. Além disso, o Jornal Opção ouviu especialistas para procurar outras respostas para tal tendência.

À reportagem, dois prefeitos goianos confirmaram que, ao contrário do que ocorria em ciclos eleitorais anteriores, os gestores das maiores cidades do estado têm evitado deixar seus cargos para disputarem eleições, como deputado estadual ou federal.

Segundo um dos prefeitos, até o momento, nenhum gestor das principais cidades goianas anunciou intenção de renunciar para se candidatar. “A gente não ouviu falar nada. Todo mundo está confiando na manutenção do grupo”, afirmou.

Entre os poucos nomes que poderiam disputar eleição, o Jornal Opção apurou que o Delegado Cristiomário (PP), prefeito reeleito de Planaltina, se apresenta como exceção em meio à maioria dos gestores que permanecem em seus mandatos.

À reportagem, Cristiomário confirmou que tem avaliado a possibilidade de disputar uma cadeira na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) nas eleições de 2026. Embora ainda não tenha oficializado a pré-candidatura, o gestor admite que as conversas políticas estão avançadas e que a decisão pode ser consolidada nos próximos meses.

“Estamos organizando as coisas com calma, mas é claro que existe essa movimentação. Hoje a gente trabalha não só por Planaltina, mas também com muitos amigos em Goiânia, Formosa e outras cidades do Estado”, afirmou o prefeito.

Segundo ele, a experiência administrativa no comando do município o credencia a representar a região Nordeste de Goiás e do Entorno no Legislativo Estadual. “Nossa região [Nordeste] está sub-representada. Só temos um deputado. Precisamos ter mais vozes para defender os nossos interesses”, declarou.

Cristiomário destacou que, na eleição geral passada, em 2022, seu vice-prefeito foi o candidato pelo PRTB, e obteve 17.251 votos, mas não foi eleito. “Agora, entendemos que o melhor é o Zezinho do Planalto (UB) assumir a prefeitura e eu disputar uma cadeira na Alego. O cenário é outro. Estamos mais estruturados e com uma base ampliada”, explicou.

O prefeito também mencionou que as articulações envolvem diálogo com lideranças regionais e estaduais do Progressistas. “Estamos conversando, ouvindo os companheiros e avaliando o que é melhor para Planaltina e para o grupo. A decisão final ainda será amadurecida junto ao partido”, pontuou.

Com mandato até o fim de 2028, Cristiomário tem sido apontado por aliados como um dos nomes mais fortes do PP no Nordeste goiano. Caso confirme a candidatura, deve integrar a estratégia do partido de fortalecer sua presença na região, tradicionalmente disputada por legendas de diferentes campos políticos.

Prefeito de Planaltina | Foto: Reprodução

O prefeito ouvido pela reportagem explicou que a manutenção no cargo traz vantagens políticas estratégicas, especialmente diante das emendas impositivas, que dificultam a competição eleitoral de forma equitativa.

“Todo mundo tem seu deputado, tem compromisso. O que mais ocorre são ex-prefeitos, que já foram reeleitos anteriormente e deixaram seu sucessor, estão sendo candidatos para não sair da mídia”, disse.

Um segundo prefeito, também entrevistado pelo Jornal Opção, reforçou a tendência: os únicos prefeitos que demonstraram intenção de deixar o cargo são de cidades pequenas, como Novo Planalto, no norte do estado.

“Das grandes cidades, praticamente o mesmo grupo continuou. Não faz muito sentido deixar a prefeitura, porque ser prefeito de uma cidade de porte médio é melhor do que ser deputado de setor. Você tem condições de executar e entregar resultado para a população”, explicou.

O prefeito reeleito de Novo Planalto, Eudes Araújo (MDB), confirmou à reportagem que avalia concorrer a uma vaga na Assembleia Legislativa de Goiás nas eleições de 2026. Segundo ele, a decisão está relacionada ao trabalho que vem realizando no município e ao potencial de se tornar um nome de consenso na região Norte do estado.

“A gente está fazendo um trabalho de pré-campanha e está vendo o resultado”, disse Araújo, destacando que pretende fortalecer a representatividade da região. “Por várias eleições, o Norte tenta eleger mais deputados. Desta vez, pode ser que meu nome seja de consenso aqui.”

Eudes Araújo, prefeito de Novo Planalto | Foto: Facebook

PEC

O segundo prefeito entrevistado ainda comentou que discussões sobre uma possível Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que permitiria um terceiro mandato estão em andamento no Senado, mas sem definições concretas até o momento. Quanto a vice-prefeitos, alguns podem disputar cadeiras na Câmara, mas, segundo ele, nas grandes cidades, a decisão de deixar o cargo não é atraente.

Uma exceção é João Campos (Podemos), vice-prefeito de Aparecida de Goiânia, que pode ser candidato a deputado federal em 2026. Anteriormente, ao Jornal Opção, o ex-deputado afirmou que a decisão é tomada em grupo, mas não descartou a possibilidade.

“Passa por um diálogo mais amplo, com lideranças de Aparecida de Goiânia, como o prefeito Leandro Vilela e o ex-prefeito Gustavo Mendanha, e com as principais lideranças do segmento evangélico. Se houver convergência, colocaremos o nome para postular uma cadeira na Câmara dos Deputados. Mas é uma decisão de grupo. Inclusive, pode ser que não seja candidato a nada, se o grupo assim entender”, afirmou.

Apesar da cautela, ele reconheceu que há alta probabilidade de entrar na disputa. “A candidatura agregaria muito. Então, há uma probabilidade grande, sim, de termos essa candidatura”.

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João campos | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

O que dizem os especialistas

Em entrevista ao Jornal Opção, o marqueteiro político Marcos Marinho analisou a possibilidade de prefeitos abandonarem seus mandatos para concorrer a cargos no Legislativo. Segundo ele, o contexto político e eleitoral é determinante para essas decisões.

“Se você está em exercício no mandato de prefeito, e é o seu último mandato, a possibilidade para o legislativo é interessante. Agora, no primeiro mandato, abandonar o cargo é mais complicado. Não é muito bem visto pela população”, disse Marinho.

Para prefeitos em segundo mandato com boa aprovação, ele vê o caminho mais natural, mas ressalta que cada eleição ocorre em um contexto diferente.

“A eleição de 2026 vai ser muito puxada. Tem menos possibilidades de candidatura, porque tem muitos políticos com mandato que vai para reeleição e outros que já se articulam para tentar de novo. Arriscar dois anos de prefeitura para perder no legislativo pesa na hora de decidir”, explicou.

Marinho destacou ainda a complexidade do cenário estadual. “O Caiado saindo para presidente, quais são as chapas majoritárias que vêm para estadual? Pode ser Daniel e o Marconi. Pode ser o Wilder. O cenário está muito nebuloso. Para o prefeito tomar uma decisão agora, não vejo como coerente de forma alguma.”

Ele alerta para os riscos de abandonar o mandato sem garantias eleitorais. “Se ele tem dois anos de mandato pela frente e vai entrar num processo sem ter condição de se eleger, é loucura arriscar. Não vale a pena perder dois anos de mandato e enfraquecer seu grupo político. Tem que ser uma decisão extremamente estratégica, articulada com parceiros, com a chapa de vereadores e deputados que mandam verba para o município.”

Segundo Marinho, a avaliação deve considerar fatores como aprovação no município, base consolidada, apoio do partido e recursos para a campanha. “Tem que perceber se tem apoio dos donos dos partidos, se há convite para migrar para outro partido com potencial de fazer uma chapa forte, se a chapa pequena tem condições de eleger. Tem recurso para a campanha? Tem investidores ou fundo partidário? Muita coisa precisa estar no tabuleiro antes de se colocar na disputa.”

O marqueteiro ainda destacou a percepção popular sobre prefeitos que optam por manter seus mandatos. “Quando o prefeito decide se manter no Executivo, a percepção popular é de respeito. Ele respeita os eleitores e quer cumprir projetos futuros. Isso gera um recall super positivo.”

Por fim, Marinho sintetizou a regra prática para prefeitos que pensam no Legislativo. “Hoje, largar o mandato de prefeito para ir para o Legislativo só se você não tiver possibilidade de reeleger. Se estiver no segundo mandato, perceber que a chapa vai dar condição de campanha e recursos, é possível disputar. Arriscar sair do mandato para uma aventura é difícil.”

Marqueteiro Marcos Marinho | Foto: Arquivo pessoal

O antropólogo Jorge Lima avalia que a permanência de prefeitos em seus cargos até o fim do mandato, em vez de se lançarem a disputas para outros postos eletivos, reflete uma mudança estrutural e simbólica no cenário político brasileiro.

Segundo ele, fatores como restrições orçamentárias, vigilância social ampliada e o medo de “cancelamento” eleitoral pesam cada vez mais na decisão de não deixar a prefeitura em busca de cargos na Assembleia Legislativa ou na Câmara Federal.

“Eu vejo que o que mudou foram, principalmente, o tamanho das populações e, consequentemente, a arrecadação dos municípios. Além disso, os embates com parlamentares e a dificuldade de aplicação das emendas orçamentárias têm feito muitos prefeitos repensarem suas posições”, afirmou o antropólogo em entrevista ao Jornal Opção.

Para Lima, o ambiente político se tornou mais hostil a quem abandona o cargo em busca de novos desafios. “Hoje a sociedade é conectada, é uma sociedade em rede. Há uma vigilância constante, seja no Instagram, no TikTok, em qualquer plataforma. Não é mais como na época do Iris Rezende ou do Pedro Ludovico, que podiam deixar o governo para ser senador. Hoje, a população tende a punir o político que troca de cargo”, observou.

Outro elemento que explica a cautela dos prefeitos é o temor de não conseguir se eleger e, com isso, “ficar na planície”, ou seja, sem mandato. “O medo de testar o nome na urna tem a ver com a possibilidade de apagar o futuro político. Se ele sai da prefeitura e tem uma votação ruim, será lembrado como fraco. Numa cidade pequena, quem tem 4 mil votos é forte; se tentar ser deputado e tiver 300, vira motivo de chacota”, analisa Lima.

Jorge Lima | Foto: Arquivo pessoal

Cargo executivo oferece mais poder e visibilidade

Além do risco eleitoral, há uma percepção consolidada de que o cargo de prefeito proporciona mais poder político do que o de deputado. “Um deputado federal por Goiás é só mais um entre os mais de 500. Em Brasília, para sentar na mesa do alto clero, é preciso ter pelo menos quatro mandatos. Então, o medo de desaparecer politicamente é real”, pontua o antropólogo.

Segundo ele, o prestígio local ainda é determinante: “Em uma cidade como Anhanguera, que tem menos de mil votos, ser prefeito é o cargo mais importante possível. Se esse político tenta ser deputado e tem 300 votos, será lembrado como um perdedor. A política é movida por ego, e muitos não suportam essa perda de status.”

Para as próximas eleições, Jorge Lima acredita que a tendência é de consolidação dessa postura mais cautelosa dos prefeitos. “Eles vão testar a força política dentro dos próprios municípios, tentando eleger deputados aliados. É uma nova forma de se firmar como liderança local sem se arriscar”, explica.

Na avaliação de Lima, a lógica de “ficar até o final” se tornou permanente. “Prefeito, hoje, dificilmente larga o mandato para se aventurar em outra eleição. O custo político é alto e a população está muito mais atenta”, conclui.

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