Quando o chinelo vira inimigo: guerra cultural, Havaianas, consumo e o vazio da política
22 dezembro 2025 às 19h10

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A campanha de fim de ano da Havaianas, estrelada por Fernanda Torres, não revelou uma disputa ideológica. Revelou algo mais constrangedor: a incapacidade de um campo político de interpretar uma frase simples sem entrar em surto.
“Não comece o ano com o pé direito, mas com os dois pés.” Isso é publicidade básica. Metáfora popular. Linguagem cotidiana. Mas, em 2025, metáfora virou ameaça. Chinelo virou virou inimigo. Chamar isso de “guerra cultural” é até generoso. Guerra pressupõe estratégia, projeto, disputa real. O que se viu foi leitura literal infantil, paranoia organizada e indignação performática para redes sociais. Não há ideologia sofisticada aqui. Há analfabetismo simbólico e colapso cognitivo.
Quando tudo vira código, nada faz sentido
O método já é conhecido: alguém recorta um trecho fora de contexto, espalha como se fosse prova de conspiração e convoca boicote. Não importa o conteúdo. Importa o gatilho. A base precisa estar sempre excitada, sempre alerta, sempre em guerra — nem que seja contra uma sandália de borracha.
É assim que chocolate vira comunista. Emissora vira inimiga. Livro vira ameaça. Agora, chinelo “ganhou ideologia”. Não é força política. É fragilidade cognitiva organizada.
Enquanto parlamentares jogam Havaianas no lixo como se estivessem fazendo um grande gesto histórico, Eduardo Bueno, o Peninha, faz o que essa gente mais odeia: ri — e pensa.
No vídeo, exibindo as havaianas, ele lembra o óbvio que a paranoia tenta apagar: Havaianas é o calçado popular por excelência, atravessa classe, ideologia, verão, cadeia, padaria. Não é símbolo de partido. É símbolo de cotidiano. E ao ironizar o “pé esquerdo”, Peninha expõe o ridículo da cena: só alguém muito desorientado politicamente vê subversão onde há apenas linguagem comum.
Boicote como punição moral
Boicotar é direito individual. Convocar boicote como punição ideológica é outra coisa. É patrulha moral. É intimidação simbólica. É tentativa de impor medo social: “se não se alinhar, será atacado”.
Quando isso vira rotina, o debate público apodrece. A política deixa de disputar ideias e passa a vigiar gestos. E quem vive caçando inimigo acaba encontrando ameaça em tudo — até num chinelo.
O problema nunca foi o pé
A polêmica das Havaianas não diz nada sobre a marca. Diz tudo sobre um campo político que perdeu a capacidade de ler o mundo sem delírio.
Quem vê comunismo em publicidade de verão não está em guerra cultural. Está em colapso cognitivo.
E quando até sandália vira inimiga, o problema não está no pé direito nem no esquerdo. Está na cabeça — e na recusa em pensar.

