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O avanço do javali (Sus scrofa), espécie exótica invasora, tem se consolidado como um problema ambiental e produtivo em diferentes regiões do Brasil. No Cerrado, bioma que já sofre forte pressão antrópica, a presença do animal tem causado prejuízos diretos à agricultura, especialmente a pequenos produtores rurais, além de riscos à biodiversidade.

Introduzido no país na década de 1960 para criação comercial, o javali figura entre as cem piores espécies exóticas invasoras do mundo, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

A combinação de agressividade, alta capacidade de adaptação, reprodução acelerada e ausência de predadores naturais explica a rápida expansão da espécie e a dificuldade de controle.

Em Goiás, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) intensificou, no fim de novembro, ações de monitoramento e diálogo com produtores rurais no entorno do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, unidade sob gestão do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

A iniciativa faz parte do Plano de Prevenção à invasão do javali na área protegida e foi coordenada pela Superintendência do Ibama em Goiás, com apoio técnico de áreas especializadas do Instituto.

Durante as vistorias, equipes do Ibama percorreram 28 propriedades rurais em seis municípios: Alto Paraíso de Goiás, São João da Aliança, Colinas do Sul, Nova Roma, Teresina de Goiás e Cavalcante.

Segundo os registros, até o momento a ocorrência do javali está concentrada no centro-sul de Alto Paraíso de Goiás, em área contígua ao Parque Nacional. Moradores relataram danos a lavouras, principalmente de milho e soja, além de prejuízos a estruturas das propriedades, como a destruição de chiqueiros com porcos domésticos.

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Foto: DBFlo/Ibama

Também foram mencionados impactos ambientais, incluindo degradação de nascentes e áreas de preservação permanente (APPs). Embora os registros ainda sejam considerados pontuais, o Ibama avalia que o cenário exige resposta rápida.

A estratégia adotada prioriza o monitoramento contínuo e o envolvimento direto de quem vive na região. De acordo com o analista ambiental Guilherme Destro, da Superintendência do Ibama em Goiás, a intenção é estruturar uma rede de colaboradores que reúna órgãos públicos, produtores rurais e representantes do terceiro setor.

“O envolvimento com os produtores rurais é de extrema importância, pois eles serão os principais executores das iniciativas conjuntas de controle que evitarão que o problema se agrave em outras propriedades rurais ou atinja o Parque”, afirmou.

Além do diálogo, Ibama e ICMBio devem oferecer apoio técnico e incentivar o uso de estratégias consideradas eficazes nas áreas onde a espécie já foi identificada. As informações coletadas em campo deverão subsidiar o mapeamento de rotas de invasão e o planejamento de ações preventivas e de controle.

A experiência no entorno da Chapada dos Veadeiros é vista pelo órgão ambiental como um possível modelo para outras regiões do país. A proposta é fortalecer uma política de vigilância permanente sobre a fauna exótica invasora, com o objetivo de reduzir impactos ambientais e prejuízos socioeconômicos associados à expansão do javali em diferentes biomas brasileiros.

Descentralização da caça do javali e questionam eficácia do Ibama

Em agosto deste ano, o Jornal Opção noticiou que associações de caça teceram críticas à política nacional de controle do javali, alegando que o modelo atual, centralizado no Ibama, falhou na contenção dos danos ambientais e agropecuários. Os caçadores defendem que a responsabilidade seja transferida aos estados, que, segundo eles, teriam maior capacidade de atuar de acordo com as realidades regionais.

Daniel Terra, presidente e fundador da Associação Nacional de Caça e Conservação, que reúne cerca de 4 mil afiliados no país, alegou na ocasião que o Ibama não consegue mais gerir o controle da espécie, cuja expansão ameaça ecossistemas e propriedades rurais.

“O Ibama não pode mais gerir o controle do javali. Ele atestou aqui que não tem condição. Está contaminado a um nível que não pode gerir a questão”, afirmou ao Jornal (o) Eco. Terra baseia suas declarações em dados obtidos pelo deputado federal Daniel Agrobom (PL), que solicitou informações oficiais sobre as ações de manejo da espécie invasora.

O balanço enviado pelo órgão ambiental indica que “há indícios de introdução intencional de javalis híbridos na natureza”, mas admite que “não possui dados sobre prisões [de pessoas] ou solturas ilegais” e tampouco apresentou estudos detalhados sobre as populações do animal no país. Terra questiona a ausência de pesquisas consistentes. “Nunca foi feito estudo populacional ou de dispersão. Como atribuir culpa ao caçador se não se tem nenhum estudo e ninguém foi preso soltando javali?”, criticou.

Apesar das cobranças, o Ibama rebate que a suposta contribuição da caça para a dispersão do javali ainda não possui respaldo “técnico-científico”, embora também não possa ser totalmente descartada. A autarquia afirma estar reestruturando sistemas de monitoramento e dialogando com estados e parceiros técnicos para preencher essas lacunas.

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