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O professor Feliciano Guimarães, do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI-USP), avalia que a recente reaproximação entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o norte-americano Donald Trump pode abrir um novo canal de diálogo entre os dois países, mas alerta que há risco de o Brasil ser usado como peça de manobra política pelo governo dos Estados Unidos.

Em entrevista concedida ao Poder360 na terça-feira, 7, Guimarães afirmou que o relacionamento bilateral vive um “momento positivo em um contexto muito negativo”, e que a estabilidade desse novo entendimento só ficará clara após as eleições brasileiras de 2026.

“Pode ser que o governo Trump tente enrolar o Brasil — faça uma negociação agora e, em 2026, amplie sanções, endureça a Lei Magnitsky e mire o sistema financeiro brasileiro”, disse o professor.

Segundo Guimarães, o governo norte-americano pode usar as negociações como instrumento de pressão política, seja para influenciar o cenário eleitoral brasileiro, seja para responder a posições que considere “duras” por parte de Brasília.

“O Brasil precisa ter cuidado. Há setores no governo que pedem uma postura firme diante dos EUA. Isso pode colocar o país em um beco sem saída”, afirmou.

Ainda assim, o professor reconhece que há forças dentro dos Estados Unidos contrárias a um endurecimento, já que medidas punitivas podem gerar efeito oposto e fortalecer Lula politicamente.

Guimarães ressalta que, independentemente do desfecho das negociações atuais, as relações bilaterais não voltarão ao patamar de confiança e cooperação visto em décadas anteriores.

“Esse mundo acabou. Mesmo que um democrata suceda Trump, o Brasil precisará fazer concessões. Os americanos não oferecem mais nada de graça”, afirmou.

O acadêmico aponta ainda que a segunda gestão de Trump consolida uma nova lógica de competição, na qual o Brasil, embora ascendente, precisa adotar uma política externa defensiva para proteger seus interesses estratégicos.

O professor também observa que sanções americanas podem impactar diretamente o cenário político interno, mas adverte que o efeito nem sempre é o desejado. “Ataques externos tendem a unir a população em torno do governo, como já vimos em outros países. É um tiro pela culatra para quem quer enfraquecer o presidente Lula”, avaliou.

No entanto, ele pondera que medidas mais severas, como bloqueios financeiros ou restrições a bancos brasileiros, poderiam gerar instabilidade econômica, revertendo qualquer ganho político temporário para o governo.

Guimarães acredita que Trump e Lula devem se encontrar novamente em breve, possivelmente em eventos multilaterais na Ásia, o que poderia fortalecer o diálogo pessoal entre os dois líderes. Ainda assim, ele considera improvável uma reversão total das tarifas impostas pelos EUA. “As tarifas vieram para ficar. Elas são parte da nova forma de fazer comércio no governo americano”, avaliou.

O professor conclui que as próximas eleições no Brasil serão o verdadeiro teste para o rumo da relação entre os dois países. “O melhor cenário é uma relação ruim, mas funcional. O pior seria o Brasil cair numa armadilha diplomática e econômica, com sanções às vésperas da eleição. Aí, sim, seria desastroso.”

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