“Ele sugeriu que todos os leitos sejam voltados para Covid, então quer dizer que ninguém mais pode adoecer? Isso não é racional. Óbvio que queríamos mais UTI, mas Nova York, Londres, Paris, e praticamente todos os lugares enfrentaram essa situação, porque Goiás não iria enfrentar?”, completa Rangel.

Professor Thiago Rangel | Foto: UFG / Divulgação

O professor Dr. Thiago F. Rangel, do Departamento de Ecologia (ICB) da Universidade Federal de Goiás, rebateu as acusações feitas pelo presidente da Fecomércio, Marcelo Baiocchi, em vídeo que circula nas redes sociais, Na gravação, Baiocchi se posiciona contra as pesquisas realizadas pela instituição.

Ao defender o fim do isolamento, Baiocchi afirma que o estudo feito pela UFG — que tem norteado as ações do governador Ronaldo Caiado (DEM) — não é científico.

“Eu gostaria de entender o que é científico para ele [Marcelo Baiocchi]. Não sei se ele quer dizer que não está certo ou se não vai funcionar, mas já esclareço que nós três [pesquisadores que construíram o modelo e lideraram o estudo], modéstia parte, somos cientistas reconhecidos em Goiás, no Brasil e no mundo. Eu tenho artigos publicados na revista cientifica mais importante do mundo, então não tem como ele dizer que o que eu faço não é científico”, afirma o pesquisador.

Thiago, no entanto, não descarta que o modelo possa ser aprimorado por outros cientistas. “Nossos métodos são públicos para que nosso modelo possa ser analisado por nossos pares, os cientistas”, observa ao lembrar que recentemente uma equipe da Fiocruz avaliou a modelagem como excelente. “Eles se debruçaram sobre cada uma das notas técnicas que divulgamos e elogiaram o modelo, isso é uma avaliação científica”, conclui.

O professor esclarece que o estudo é baseado em evidência e possui uma metodologia que pode ser replicada. “Seguimos a literatura internacional, se ele quiser refutar isso que apresente outro estudo científico”, rebate Rangel. “Usamos dados oficiais, como número de óbitos, de internados e casos confirmados. Ou seja, não tem nenhum item, parâmetro ou calibragem do modelo que seja opinião. Tudo se encaixa como fonte de evidência”, argumenta.  

De acordo com o professor Rangel, é importante lembrar que o modelo não vai funcionar eternamente e existem incertezas nesses parâmetros, como o tempo de incubação dos sintomas que varia de pessoa para pessoa. “A estatística serve para lidar com incertezas. E a maior fonte de incerteza não é o modelo, que até agora funciona bem, mas sim os cenários. É isso que ele não entende [Baiocchi]. Não temos bola de cristal para ver o cenário, por isso projetamos três cenários distintos”.   

Para o pesquisador, bater na tecla de que a UFG estimou 18mil óbitos mostra uma ignorância profunda sobre como funciona a ciência. “Existe uma diferença entre previsão e projeção, construímos um cenário vermelho, onde se nada for feito o Estado pode chegar a 18 mil óbitos. Não falamos que isso vai acontecer, também projetamos um cenário de 4 mil óbitos para um cenário de isolamento total até setembro, que também não deve se tornar realidade”, detalha.

Quem vai escrever a curva real de óbitos é a sociedade

“Todos os argumentos do vídeo são totalmente inaceitáveis. O Baiocchi chega a comparar Goiás com a Bélgica. Depois fala que nem em São Paulo morreu tanta gente, mas não sabemos quantas pessoas morrerão lá até setembro. Projetamos diferentes curvas e a ideia é mostrar o pior cenário, o intermediário e o melhor. Temos que pensar a partir das projeções e ter em mente que quem vai escrever a curva real de óbitos é a sociedade, como ela irá se comportar”, defende Rangel.

Outra pontuação feita pelo professor refere-se às progressões geométricas e exponenciais, que se iniciam de maneira constante. “Os prefeitos se acostumaram com aquela progressão dos últimos meses, mas entramos em julho e estamos na fase agressiva, mas pessoas não perceberam que agora em diante será um susto todo dia”, projeta. “Isso já estava previsto desde a primeira modelagem, não tem como um infectologista contratado rebater isso, infelizmente estávamos certos”

“Como cientista reconheço que o passado não é garantia para o futuro e vai chegar um dia que o nosso modelo vai errar. Não tenho vergonha disso, vai subir o número de óbitos mais rápido ou mais lento. Isso não quer dizer que não é cientifico. Em ciência dizemos quetodos os modelos estão errados mas alguns são úteis. O modelo não captura toda a característica do Estado, ele é uma simplificação, mas é útil para fazer projeções e auxiliar na tomada de decisão”, defende o mestre e doutor em Ecologia e Evolução.

Ele não tem educação cientifica ou formação para apontar um problema na modelagem

Ainda de acordo com Rangel, o modelo desenvolvido em parceria com os professores Dr. José Alexandre F. Diniz-Filho e Profa. Dra. Cristiana M. Toscano pode ser criticado pelos seus pressupostos ou por não estar acertando o número de óbitos, mas enfatiza que o presidente da Fecomércio não teceu criticas teóricas e nem teria embasamento para fazê-lo. “Ele não tem educação cientifica ou formação para apontar um problema na modelagem, e agora deve trazer um médico que deve trazer apenas uma posição política e falar abobrinha para ocupar espaço e chamar atenção”.

“Por fim, se eu tivesse uma coisa pra falar pra ele [Baiocchi], eu iria falar que faria qualquer coisa para o coronavírus passar e ele poder abrir o comércio. Não temos qualquer intenção de fechar as atividades, não temos posição quanto a isso. Ele que faz essa dicotomia simplista”, encerra o professor ao completar que os argumentos a respeito dos leitos também são inadmissíveis. “Ele sugeriu que todos os leitos sejam voltados para Covid, então quer dizer que ninguém mais pode adoecer? Isso não é racional. Óbvio que queríamos mais UTI, mas Nova York, Londres, Paris, e praticamente todos os lugares enfrentaram essa situação, Goiás não iria enfrentar?”, completa Rangel.