A presença da moda está espalhada por todos os cantos da capital e do Estado, movimentando um mercado que não para de crescer. Com esse cenário tecendo uma criatividade contínua, o Jornal Opção lança uma série especial dedicada ao universo fashion goiano, trazendo ao longo das semanas a trajetória de estilistas e marcas locais que fazem a história de Goiás ecoar pelo país e pelo mundo.

Abrindo esse primeiro episódio está a estilista e empresária Leticia Salvagni, personificando a força criativa do setor. Dona da marca Letti, ela transformou uma percepção aguçada das necessidades das consumidoras em um negócio de identidade forte, marcado por peças exclusivas, produção em pequena escala e uma paixão inconfundível por estampas de onça. 

Ao Jornal Opção, ela detalha sua trajetória orgânica no universo fashion, a abertura de um espaço físico que é também uma plataforma colaborativa, e os obstáculos que precisam ser superados para que o potencial do polo goiano se realize plenamente. Letícia traz com a Letti uma marca que une design diferenciado, coleções curtas e exclusivas, além de projetos ousados como sua loja colaborativa e o movimento de moda circular ‘Vai Que Vende’.

Leticia Salvagni, dona e administradora da marca Letti | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

O percurso de Leticia no mundo da moda começou cedo, de forma natural. “Meu início no mundo da moda, na verdade, é aquele clichê, né? Desde novinha eu sentia que eu tinha que vir para esse mundo. E foi super natural, foi super orgânico”, relembra. Ainda adolescente, ela e a irmã já tinham uma loja de tecidos. Seu primeiro emprego formal foi em uma loja de roupas, mas foi ao se tornar compradora (buyer) para uma das melhores multimarcas de Goiânia que seu olhar para o mercado se apurou. 

Era neste momento que ela identificava lacunas no que os clientes buscavam e não encontravam. “Apesar de eu trabalhar com marcas grandes no Brasil, sempre senti, sabe? Nossa, um tipo de vestido, um tipo de blusa… e como a gente compra seis meses com antecedência, sempre ficava um pontinho lá. E como eu sempre gostei, eu falei, gente, preciso montar uma marca. E assim surgiu, super orgânico mesmo”.

A Letti nasceu oficialmente em 2017 no ambiente digital, mas logo o endereço físico veio após um momento de reflexão. “Conversando com meu marido, eu falei assim, ‘Rodrigo, o que a gente vai decidir? Você vai precisar me ajudar a decidir isso aí’”. Com o apoio do marido, que a encorajou a criar um local “pequenininho, do jeitinho que você quer, com a sua cara”, a loja física da Letti inaugurou em março de 2024, carregada com a essência maximalista e acolhedora que define a marca.

O diferencial da Letti, segundo sua fundadora, é uma estratégia consciente de contrapor a massificação. “Como eu pesquiso muito e tenho muito esse olhar afiado… eu vejo o que o cliente está precisando e não tem nas outras lojas. Que hoje em dia, acaba que todo mundo está fazendo a mesma coisa”. Se todas fazem uma camisa branca, ela faz uma vermelha. A busca é por oferecer qualidade, design e uma peça diferente, não necessariamente complexa, mas com um styling único que atenda a um desejo atual: “Ninguém mais quer ter o que os outros têm”.

Essa filosofia se reflete no calendário de lançamentos. Suas coleções são “pocket”, lançadas a cada 45 dias e com poucas peças – a próxima terá apenas quatro itens. “É uma saia, uma calça, uma blusa, e aí eu tô pensando, vai ser um top ou um vestido… eu tenho que trazer exclusividade para o cliente”. O objetivo é que a peça adquirida seja quase única, limitando a possibilidade de alguém encontrar outra pessoa vestindo a mesma criação.

A marca registrada: onças e maximalismo

Questionada sobre a identidade visual da marca, a resposta é imediata e divertida. “A marca registrada da Letti com certeza são às onças”. A estilista, que se define como uma pessoa “super básica” no vestir, é “alucinada” pelo animal print. “Sempre tem, em algum lugarzinho, vai ter uma oncinha. Seja o detalhe do negócio que liga a luz, ou vai ser nas roupas”. A loja é a materialização desse universo: o sofá é de onça, a logo traz guepardos e o provador não fica de fora. “Está tudo se complementando”.

“Na minha coleção sempre vem, pelo menos, uma pecinha com onças. Se for um lenço, um cinto, um sapato, eu faço sandálias também. Minhas criações de calçados são todas em couro e sempre com a estética da Letti. Então sempre tem um detalhe. O meu sofá é de onça, a minha logo tem uns guepardos. Então é uma mistura de animal prints. Até o meu provador, gente, tem onça”, comenta animada.

Ela explica que a Letti é um personagem maximalista, o oposto de sua personalidade mais contida. “Eu sou uma pessoa muito criativa. Graças a Deus o maximalista está na moda!”. O espaço foi cuidadosamente planejado para ser uma extensão de sua casa e de sua criatividade, com tecidos nas paredes, bambu e sua coleção pessoal de jarros, criando uma atmosfera de acolhimento.

Sua fascinação pelos felinos vai além da estética. “Eles são fortes, mas de uma beleza muito grande. E a gente ficou hipnotizado por ele”. Ela vê uma identificação pessoal: “eu sou muito feminina, e eu acho que eu passo, apesar de ser uma pessoa mais tímida, mais quietinha, mas eu tenho muita força interior, que eu acho que é o que a onça, o tigre, os guepardos tem”.

Tecidos, cores e tendências

Leticia demonstra paixão por trabalhar com materiais que conferem exclusividade. “Eu estou, assim, apaixonada pelas rendas… é um produto que eu gosto bastante porque ele traz exclusividade para você”. Ela destaca o uso de tecidos especiais e o desenvolvimento de estampas exclusivas em parceria com designers, um ponto que considera crucial para marcas que buscam singularidade.

“Eu gosto muito dessa parte de tecidos trabalhados. Seja num guipir, seja numa renda. Eu vou até lançar a minha próxima coleção e ela vai ser uma renda que é como se fosse um silk de paetês. Então, assim, é um tecido muito especial. Que eu adoro. E eu acho que, também, o meu diferencial é isso. Eu trabalho com tecidos diferentes. Realmente é uma coisa única”, afirma.

Coleção Letti | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Sua paleta de cores evita o óbvio das tendências passageiras. “Tá usando muito amarelo manteiga, eu já não faço mais. Que já tá batido”. Ela prefere cores-base como branco e nude, intercaladas com suas paixões do momento, como o rosa babalu e os metalizados, sempre com o cuidado de oferecer algo que o cliente ainda não tenha em seu guarda-roupa.

Sobre seguir tendências, sua postura é de independência criativa. “Acho que é importante, sim, uma marca seguir a tendência. Por exemplo, está muito na moda o balonê, na Letti, não quer dizer que não vai ter. Vai ter, mas vai ter dentro do meu DNA”. Ela adapta as referências ao seu universo, seja através de um tecido especial ou de uma aplicação inesperada. “Eu tento seguir a tendência, mas eu não sou escrava dela. Eu faço o que eu quero. Na minha moda, eu que mando”.

Apesar de sua estética ser mais cosmopolita do que regionalista, Leticia reconhece e valoriza a força do polo de moda de Goiânia. “Com certeza Goiânia está em crescimento no mundo da moda, hoje nós temos eventos muito grandes”. No entanto, ela aponta a necessidade de maior união entre os profissionais locais. “Eu acho que a gente precisa se unir mais… é meio que uma competição e é bem complicado isso, porque é ruim para todo mundo. Por isso que a Letty veio para realmente agregar todo mundo, fazer acontecer e fazer a diferença. Hoje em dia a gente não é ninguém sem ninguém, sem as outras pessoas”.

Colaborações, corners e moda circular

Seu empreendimento reflete esse desejo de colaboração. A loja física abriga corners de outras designers, especialmente de Goiânia, tornando-se um espaço colaborativo que atrai públicos diferentes e promove eventos conjuntos. “A loja, na verdade, ela virou uma loja colaborativa, onde eu trago designers, tanto de Goiânia quanto de fora, para compartilhar a beleza e o design”. A iniciativa partiu de outras marcas que a procuraram, interessadas em compartilhar aquele “espaço acolhedor”.

“Conversando com algumas amigas, eu senti a necessidade de trazer o design de Goiânia aqui pra dentro também”. Desse desejo de valorizar e dar visibilidade ao talento local nasceu a oportunidade de abrir corners dentro da loja física.

“A gente faz eventos juntas, traz um público diferente para a própria loja”, comemora a estilista. O resultado é uma “miscelânea de design, de estilos de roupas” que enriquece a experiência do cliente e amplia o alcance de todas as marcas envolvidas. 

Além disso, ela gerencia ao lado de sua amiga Aline Lobo, o projeto ‘Vai Que Vende’, de moda circular, que já está em sua nona edição. “A gente pega peças de amigas e as revendem”. O grupo recebe uma porcentagem sobre as vendas e, geralmente, é convidado a ocupar um espaço físico temporário para realizar os eventos.

O sucesso reside na premissa simples, porém poderosa, de dar novo propósito a peças que seriam descartadas. “E é muito legal, porque traz uma nova utilidade para a roupa, que geralmente as pessoas querem descartar. Então está funcionando super bem e é ótimo”.

Os desafios e o futuro

O maior aprendizado de Leticia no mercado é a “perseverança”. “A gente tem que ser muito persistente no que a gente quer fazer… porque não é fácil, mas é gostoso, é prazeroso, mas você tem que gostar muito”.

Atualmente, o principal desafio que enfrenta, comum a muitos confeccionistas locais, é a produção. “Goiânia é um polo muito grande de confecção, muito grande, eu acho que é o segundo maior depois de São Paulo, mas realmente falta mão de obra qualificada”. Ela trabalha com tecidos planos mais finos, como tricoline e seda, e com modelagens que não são “basiquinhas”, o que exige mão de obra especializada que está escassa. “É uma concorrência bem árdua”, completa, referindo-se também à concorrência global, onde “o mundo inteiro faz entregas no Brasil”.

O apoio da família foi fundamental para superar as inseguranças iniciais. Seu marido foi decisivo: “Ele foi a primeira pessoa a falar assim, ‘não, você vai sim. O máximo que vai acontecer é não dar certo’”. Essa rede de apoio, incluindo a ajuda com seu filho, permite que ela concilie a vida de mãe e empresária.

Seus planos futuros são ambiciosos e focados em resolver o gargalo da produção para atender à demanda de atacado, que é grande. “São muitos pedidos, muitos, muitos pedidos”. Além disso, uma colaboração com uma arquiteta está a caminho para o próximo ano. “Vai ser um produto muito diferente… o spoiler do produto é que é um produto para colocar na sua casa”. Serão apenas cinco peças numeradas, um projeto que já está em fase de desenvolvimento na serralheria e que promete expandir o universo da Letti para além das roupas, mantendo intactos seus pilares de exclusividade e identidade forte.

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