Um dos maiores estudos globais já realizados sobre poluição do ar e doenças neurodegenerativas acaba de confirmar o que pesquisas anteriores já sugeriam: a exposição prolongada a poluentes atmosféricos pode aumentar significativamente o risco de demência, incluindo o Alzheimer.

Publicado na revista científica The Lancet Planetary Health, o estudo analisou dados de mais de 26 milhões de pessoas em diferentes partes do mundo. A conclusão que partículas finas (PM2,5), dióxido de nitrogênio (NO₂) e fuligem (black carbon) estão fortemente associados ao aumento do risco de desenvolvimento de demência e Alzheimer.

Entre todos os poluentes avaliados, três se destacaram pela forte associação com o risco de demência:

● PM2,5 (material particulado fino)

Partículas microscópicas que penetram profundamente nos pulmões e podem chegar ao cérebro. São originadas de escapamentos de veículos, queima de combustíveis, atividades industriais, fogões a lenha e construção civil. Podem permanecer no ar por longos períodos e se dispersar amplamente.

● NO₂ (dióxido de nitrogênio)

Derivado da queima de combustíveis fósseis, é comum em áreas urbanas com tráfego intenso. Motores a diesel, emissões industriais e aquecedores a gás são fontes frequentes. Além de irritar as vias respiratórias, afeta a saúde cardiovascular e cerebral.

● Fuligem (black carbon)

Formada pela queima incompleta de combustíveis como diesel e madeira. Pode causar inflamações e entrar na corrente sanguínea, impactando não apenas o sistema respiratório, mas também o cérebro.

Segundo os pesquisadores, os efeitos da poluição são graduais, mas significativos. A cada 5 μg/m³ adicionais de PM2,5, o risco de demência sobe 8%. Com 10 μg/m³ a mais de NO₂, o risco aumenta 3%, e para cada 1 μg/m³ de carbono negro, o risco de demência sobe 13%.

Esses percentuais podem parecer pequenos isoladamente, mas se tornam alarmantes em escala populacional. Por exemplo, no Brasil, a média anual de PM2,5 em 2023 foi de 9,9 μg/m³, quase o dobro do limite recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 5 μg/m³.

Em São Paulo, a média foi ainda maior: 14,59 μg/m³, o que pode representar um aumento de até 20% no risco de demência em comparação com regiões com ar considerado ideal. Em áreas ainda mais críticas, como partes da capital paulista e Guarulhos, os níveis ultrapassam 30 μg/m³, elevando o risco para até 55%.

Evidência científica sólida e preocupante

A revisão incluiu 51 estudos de diferentes países e continentes. Apesar das variações metodológicas, os dados foram consistentes ao demonstrar a associação entre poluentes e doenças neurodegenerativas.

A confiança nas evidências foi considerada moderada, o suficiente para fundamentar recomendações de políticas públicas de saúde. Outros poluentes, como ozônio (O₃) e material particulado grosso (PM10), ainda não apresentaram evidências estatísticas fortes, mas os autores reforçam que faltam estudos específicos sobre esses compostos.

As partículas poluentes podem alcançar o cérebro por duas vias: diretamente, através do nervo olfativo; e indiretamente, via corrente sanguínea. Uma vez no cérebro, esses poluentes podem provocar:

  • Inflamações no tecido cerebral
  • Estresse oxidativo
  • Danos à barreira hematoencefálica
  • Morte neuronal
  • Acúmulo de proteínas tóxicas como a beta-amiloide, associada ao Alzheimer

Segundo os cientistas da Universidade de Cambridge, esses mecanismos fortalecem a evidência de que a poluição não afeta apenas o sistema respiratório, mas compromete a saúde neurológica.

A associação entre poluição e demência foi ligeiramente mais forte em casos de demência vascular, causada por lesões nos vasos sanguíneos do cérebro. Isso reforça a hipótese de que a poluição pode afetar a saúde vascular cerebral.

No entanto, muitos diagnósticos envolvem formas mistas da doença, dificultando distinções claras. A maioria dos estudos foi feita em países de alta renda, com populações predominantemente brancas.

Faltam dados sobre os efeitos da poluição em grupos vulneráveis, como comunidades indígenas, periféricas e moradores de países de baixa e média renda – locais onde a exposição à poluição tende a ser mais intensa.

Segundo os pesquisadores, esses grupos podem estar em risco ainda maior de desenvolver demência, o que demanda mais estudos e políticas públicas específicas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconhece a poluição do ar como um fator de risco para doenças neurológicas.

Agora, com os dados mais robustos, os cientistas reforçam que a exposição à poluição deve ser tratada como um fator de risco modificável, assim como a hipertensão, diabetes ou sedentarismo.

A principal autora do estudo, Haneen Khreis, defende que reduzir a poluição pode trazer benefícios de longo prazo para a saúde pública, a prevenção de demência e Alzheimer, a economia, ao aliviar os sistemas de saúde, e ao meio ambiente, ao mitigar os efeitos das emissões.

Com base nos resultados, os autores recomendam revisar os limites de qualidade do ar, considerando os impactos neurológicos; campanhas educativas para alertar a população sobre os riscos da poluição além dos pulmões.

Além disso, políticas urbanas sustentáveis, com incentivo ao transporte limpo e à criação de áreas verdes; monitoramento ambiental eficiente, com dados acessíveis e atualizados; e redução de emissões nos setores de transporte e indústria.

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