Polícia investiga concessionária de carros de luxo que “lava” dinheiro do PCC

06 junho 2024 às 13h00

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Você, leitor, assistiu ao filme “O Poderoso Chefão”, a trilogia de Francis Ford Coppola? O terceiro filme, o menos importante como cinema, é o mais realista. Assiste-se a Michael Corleone, o mafioso americano cujas origens familiares remetem à Sicília — onde atua a máfia Cosa Nostra —, tentando lavar o dinheiro de sua família porque pretende repassar o comando de seus negócios, de maneira legalizada, para sua filha Mary.
A máfia, sabia Michael Corleone, está sempre sob pressão — tanto do governo, com suas polícias, quanto de outros mafiosos. Prisões e assassinatos ocorrem com frequência. Por isso o mafioso-chefe, filho de Vito Corleone — que o havia preparado para atividades legais (tanto que era herói de guerra) —, decidira que Mary o sucederia, mas não como mafiosa, e sim como uma empresária respeitada.
Entretanto, no percurso para limpar os negócios da máfia, a que opera, Michael Corleone descobre que, sob o capitalismo, grande parte dos negócios não é inteiramente legal. Pelo contrário, usa-se o legal para esconder e proteger os ganhos ilegais, que, por vezes, são superiores.
O americano — que tem nome americano, Michael, assim como sua filha, Mary — percebe que nem mesmo a impecável Igreja Católica, com o Banco do Vaticano, está livre de conexões com o mundo ilegal. Ao apresentar um religioso da cúpula da Igreja — certamente inspirado no bispo Paul Marcinkus, que dirigiu o Banco do Vaticano por 18 anos —, o mafioso don Altobello (o notável ator Eli Wallach) informa: trata-se de um homem de dois mundos. Quer dizer, do mundo legal e do mundo ilegal.
Um sábio, dos mais experimentados, Michael Corleone foi pego de surpresa? Talvez sim. Talvez não. Mas, como não tinha alternativa, firmou sua posição de migrar para o mundo dito legal — o que não conseguiu.
Os Corleones tropicais do PCC
Os cabeças-pensantes do Primeiro Comando da Capital, que devem ter assistido ao “Poderoso Chefão”, decidiram “lavar” o dinheiro amealhado diariamente. O PCC não é mais uma mera facção, é uma máfia que, inclusive, conta com sofisticados escritórios do crime, com células envolvidas com tráfico de drogas e assassinatos. Trata-se de um empreendimento — praticamente uma empresa, uma holding que controla várias empresas.
Há, no momento, as atividades legais, que são uma maneira de escapar das garras das polícias e dos governos, e há as atividades ilegais (o tráfico de cocaína, crack e maconha e o assalto a bancos e cargas). O ilegal capitaliza o legal e este financia aquele. Sobretudo, a atividade legal é uma maneira de proteger os recursos amealhados — sempre na casa dos muitos milhões de reais. E com atuação também no exterior.
Recentemente, Lauro Jardim, de “O Globo”, relatou que o PCC já é dono de mais de 1500 postos de gasolina em todo o país. É uma estimativa. Portanto, pode ser mais. Os postos lavam o dinheiro das atividades ilicitas do crime organizado. Mas é preciso ter outros meios — locais — de lavagem, porque senão a Receita Federal e o Coaf descobrem que alguma movimentação atípica e avultada. Então, a máfia patropi compra e vende automóveis e movimenta empresas de médio porte que comercializam bebidas e dirigem, até, salões (casas) onde se organizam festas. Na Itália, a Máfia entrou de sola no mercado imobiliário — o que pode não demorar a acontecer no Brasil. Se já não estiver acontecendo.
Na quarta-feira, 5, a Polícia Civil de São Paulo apreendeu 161 automóveis de luxo. Trata-se de uma operação que investiga lavagem de dinheiro do PCC (e é provável que o Comando Vermelho não está fazendo diferente do concorrente).
A polícia paulista cumpriu oito mandados de busca e apreensão em quatro empresas que estão sendo investigadas por lavagem de dinheiro da máfia tropiniquim. Uma concessionária de carros de luxo, na região do Imirim — na zona norte da capital de São Paulo —, figura na lista dos investigados. As empresas estariam lavando dinheiro para o PCC.
A polícia apreendeu, além dos veículos, 64 mil reais em espécie, 15 notebooks e vários documentos.
Os Corleones patropis, que operam em praticamente todos os Estados brasileiros, passam por um mau momento. Porque, acossados pelo Estado, podem ficar descapitalizados. Terão dificuldade tanto para fazer novas operações como para manter as pessoas com atividades legais que repassam dinheiro para eles — inclusive para pagar dezenas de advogados pelo país afora.