A Polícia Civil de Goiás (PCGO), por meio da Delegacia Estadual de Atendimento Especializado à Mulher (DEAEM), indiciou seis pessoas suspeitas de integrar uma associação criminosa que internou uma mulher de forma compulsória num centro terapêutico irregular. A informação foi confirmada com exclusividade pelo Jornal Opção. De acordo com a investigação a ação serviu para impedi-la de comparecer a uma audiência judicial sobre patrimônio familiar.

As investigações tiveram início em 7 de maio, quando a vítima foi considerada desaparecida. No entanto, ela foi encontrada em uma clínica terapêutica sem alvará, sem laudo médico ou psiquiatra responsável — o que levou a PCGO a qualificar o caso como cárcere privado qualificado, sequestro e lesão corporal.

A Justiça autorizou e a Polícia Civil deflagrou, em 14 de agosto, a Operação Anathema, cumprindo seis mandados de prisão preventiva, dois mandados de busca e apreensão e determinando a suspensão imediata das atividades da clínica. Durante as diligências, cerca de 20 mulheres relataram que estavam internadas contra a vontade, colocando em evidência a gravidade das práticas denunciadas.

Entre os indiciados estão:

  • Eliane de Paula, mãe da vítima;
  • Isabela de Paula, irmã da vítima;
  • Leonardo Carneiro de Abreu Vieira, proprietário da clínica;
  • Christiano Carneiro de Abreu Vieira, irmão do proprietário;
  • Rosane de Fátima Oliveira, enfermeira do estabelecimento;
  • Andiara Silva da Costa, responsável pelo transporte das internas

A Justiça determinou a manutenção das prisões preventivas em audiência de custódia realizada em 15 de agosto, com base nos elementos investigativos — indícios de associação criminosa, sequestro e internações forçadas ilegais — garantindo que os suspeitos permaneçam detidos enquanto o inquérito avança.

O indiciamento evidencia que a internação não teve respaldo legal nem justificativa clínica — configurando, na avaliação da polícia, um método de coação para barrar a participação da vítima em uma audiência judicial relevante, o que reforça a gravidade da conduta e seu caráter premeditado.

Em nota o advogado Samuel Aquino, que atua na defesa de Eliane de Paula e Isabela de Paula afirmou que é equivocado e desconsidera uma série de indícios que corroboram a inocência delas. “Infelizmente, criou-se uma narrativa de culpabilidade perante a sociedade, que ignora os fatos objetivos e mancha a honra de uma família já machucada por uma série de episódios de violência”, informa a nota. A defesa ainda reforça que o indiciamento não implica em culpa e que apenas a Justiça é competente para julgar a questão. (Leia a nota na íntegra ao final da matéria)

A reportagem ainda não conseguiu contato com as defesas do demais indiciados. O espaço fica aberto para manifestação.

Relação conturbada e medida protetiva

A defesa de uma das indiciadas divulgou vídeos, áudios e documentos que apontam para uma relação já conturbada no âmbito familiar envolvendo denúncias na polícia e até uma medida protetiva pedida pela mãe contra a filha.

Além de Eliane e Isabela, foram presos na ação policial Leonardo Carneiro de Abreu Vieira, dono da clínica; o irmão dele, Christiano Carneiro de Abreu Vieira; a enfermeira Rosane de Fátima Oliveira; e Andiara Silva da Costa, que auxiliava no transporte dos pacientes até o Espaço Terapêutico Jandaia, que se apresentava como centro de recuperação de dependentes químicos, embora não possuísse autorização para funcionar.

Em nota divulgada pelo advogado Samuel Aquino, a defesa de Eliane e Isabela alegou que as duas não tinham conhecimento da situação irregular do espaço terapêutico e que Isabela “conversou com os responsáveis pelo local, sempre demonstrando preocupação com o bem-estar da irmã”.

“Dessa forma, Isabela foi convencida de que o tratamento era adequado e representava o melhor para toda a família. Assim, a família também foi vítima da clínica, pois acreditou na promessa feita de que essa era a intervenção correta e que M. I. S. [vítima] ficaria melhor”, argumentou.

Ainda segundo o advogado, a família teria decidido apelar para a internação forçada da jovem devido à sua “conduta violenta e desrespeitosa” em relação aos seus pais e irmã.

Em uma decisão datada de junho deste ano, ao qual a reportagem teve acesso, a Justiça acatou um pedido de Eliane e concedeu medida protetiva contra a filha. Conforme o RAI registrado na polícia, a mulher afirmou que a jovem se referia a ela com palavrões como “Vadia, puta e desgraçada” e teria ameaçado de morte devido à disputa por uma propriedade rural.

“O pedido encontra-se instruído com o relato da requerente, documentos, fotos, vídeos e relato da testemunha I. de P. S., no qual é descrita a prática da violência doméstica e familiar contra a mulher [Eliane]”, argumentou o juiz Demétrio Mendes Ornelas Júnior ao determinar que a jovem, que posteriormente foi sequestrada para a internação forçada, mantivesse uma distância mínima de 200 metros da mãe.

A decisão também a proibiu de manter contato com a mulher, “seja por telefone, por mensagens de celular, pela internet, ou qualquer outro meio de comunicação”.

A jovem, por sua vez, é autora de três ações na Justiça contra a irmã, Isabela, três contra a mãe, Eliane, e figura como polo passivo de duas ações, uma delas tendo o Ministério Público como autor.

Nota na íntegra

Embora já fosse previsível, o indiciamento de Eliane de Paula Souza e de Isabela de Paula Silva é equivocado e desconsidera uma série de indícios que corroboram a inocência delas. Infelizmente, criou-se uma narrativa de culpabilidade perante a sociedade, que ignora os fatos objetivos e mancha a honra de uma família já machucada por uma série de episódios de violência.

Salienta-se que o indiciamento não implica em culpa e que apenas a Justiça é competente para julgar a questão. Confio na imparcialidade do Poder Judiciário e na comprovação futura da inocência delas.

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