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O Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) da Região Metropolitana de Goiânia (RMG) deve ser legislado nos próximos meses. Este amarra as metas e instrumentos para os 21 municípios da área, que cresce em extensão e população A proposta, apresentada como minuta de projeto de lei, parte de um diagnóstico técnico extenso e define: eixos, diretrizes, macrozonas e programas comuns para a região. Com isso, as decisões sobre transporte, saneamento, uso do solo, habitação, meio ambiente e desenvolvimento econômico deixam de ser unicamente municipais e passam a ser políticas regionais coordenadas. 

A minuta é obrigatória, uma governança interfederativa prevista no Estatuto da Metrópole. O documento cria condições institucionais e financeiras para a execução das Funções Públicas de Interesse Comum (FPICs) e orienta os Planos Diretores e planos setoriais locais para chegar a um macrozoneamento metropolitano comum. Na prática, significa que o PDUI passa a ser a referência de compatibilização entre os planos municipais no recorte metropolitano, em políticas integradas. 

A região reúne 21 cidades: Goiânia, Abadia de Goiás, Aparecida de Goiânia, Aragoiânia, Bela Vista de Goiás, Bonfinópolis, Brazabrantes, Caldazinha, Caturaí, Goianápolis, Goianira, Guapó, Hidrolândia, Inhumas, Nerópolis, Nova Veneza, Santa Bárbara de Goiás, Santo Antônio de Goiás, Senador Canedo, Teresópolis de Goiás e Trindade. Essa definição territorial é de onde parte o desenho das macrozonas e eixos estruturadores. 

O texto propõe a reorganização da governança metropolitana com papel para o Conselho de Desenvolvimento Metropolitano (Codemetro), além da criação e operacionalização do Fundo de Desenvolvimento Metropolitano (FDM). O plano também prevê a criação de um banco de dados alimentado por todos os entes da RMG, interligado ao Sistema Integrado de Bases Geoespaciais do Estado de Goiás (Geobases), para facilitar a gestão, transparência e controle dos indicadores. A composição do Codemetro está ancorada em lei complementar estadual de 4 de novembro de 2024, e a SGG aparece como órgão responsável pela condução executiva. 

O caminho até a minuta foi técnico. Segundo a coordenação acadêmica, foram elaborados, durante as etapas do projeto, 56 relatórios técnicos, somando mais de 1.500 páginas. As diretrizes e propostas entram agora na fase de debate público. 

Ao Jornal Opção, a professora doutora em Geografia Urbana pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e ex-vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU/GO), Maria Ester de Souza, disse que a “governança” é o maior desafio para a implantação do plano diretor metropolitano. 

”Governança é quando você precisa que haja uma espécie de alinhamento, uma união de todas as gestões, das 21 prefeituras, em torno de um projeto. Então, você não pode se deparar em algum momento com alguém solicitando um bloqueio, solicitando que aquilo não vá para frente. Eu acho que o maior desafio é todo mundo concordar, entender e colaborar nas ações de implementação do plano.” afirma Maria. Segundo ela, especialistas que construíram o plano visitaram todas as cidades envolvidas e ofereceram um curso de especialização para funcionários públicos das prefeituras, além da realização de audiências com alguma presença da população.

A coordenadora do estudo pela UFG, Celene Barreira, reforça o recorte metropolitano como o lugar das decisões que extrapolam um município só. ”A função pública, de interesse comum, que o plano envolve, é o ordenamento territorial. Já foi feito um macrozoneamento, que recomenda que se desenvolvam múltiplas centralidades nesses 21 municípios, para não ficar tudo concentrado na metrópole de Goiânia. Mas, que os municípios da região tenham também uma articulação econômica, para evitar essa excessiva centralidade”, afirmou Celene.

A pesquisadora aponta que Goiânia tem uma vantagem na questão da mobilidade quando comparada a outras RMGs do Brasil. “A gente tem sistema de transporte coletivo, já implantado, em funcionamento. Claro que ainda precisa ser aperfeiçoado, mas é um grande ganho que a gente tem. Esse plano pretende fortalecer esse sistema viário metropolitano que já interliga 18 municípios, mas provavelmente vai chegar aos 21”, explicou ela.

Desde sua fundação, em 1933, Goiânia já passou por cinco planos diretores. O plano diretor original da capital foi implementado em 1938, cinco anos após a criação da capital. Houve um plano em 2007 e, por fim, o plano diretor vigente, aprovado em 2022 e que entrou em vigor em 2023. Com a atualização, os diagnósticos foram repensados, segundo a pesquisadora. ”Muitas alterações, principalmente com o aumento do número de população na região metropolitana, notadamente nos municípios que a compõem, não exatamente Goiânia, né? É uma nova realidade”, resume Celene sobre como os dados do Censo e as dinâmicas recentes pautaram ajustes na minuta. 

No cronograma político, a coordenadora reforça que a minuta ainda está aberta à debate e contribuições. Segundo ela, o processo ainda deve demorar cerca de quatro meses.

  • Eixo 1 — Governança interfederativa

O PDUI prevê: fortalecimento e reativação do Codemetro; criação e operação do Fundo de Desenvolvimento Metropolitano; definição da representação da sociedade civil; e regras para monitoramento, avaliação e transparência dos programas e ações. O acompanhamento será feito por indicadores aprovados pelo executivo interfederativo e amparado por um banco de dados metropolitano, interligado ao Geobases, que será alimentado por todos os municípios. Este será a engrenagem administrativa e financeira que permitirá destravar projetos comuns entre os municípios e dar coerência regional ao conjunto dos planos municipais. 

A minuta ainda diagnostica entraves históricos, como lacunas na coordenação entre prefeituras e insuficiência de instrumentos de gestão compartilhada, ao apontar medidas para superá-los. Entre elas, o fortalecimento de uma plataforma institucional regional, a padronização de informações e a compatibilização do Estatuto da Cidade e do Estatuto da Metrópole na prática cotidiana dos órgãos e conselhos. Essa governança é o que permite, por exemplo, planejar a destinação de resíduos, a expansão urbana ou os investimentos. 

  • Eixo 2 — Ordenamento territorial

Aqui o PDUI apresenta seu ponto mais crucial: diretrizes e um macrozoneamento que orientam o adensamento onde já existe infraestrutura urbana. Com isso, coíbem a expansão desordenada de perímetros, valorizam centralidades locais e policentralidades e unificam a proteção ambiental às escolhas de uso do solo. O macrozoneamento “deve orientar o desenvolvimento metropolitano, pautado pelas diretrizes referentes aos eixos estruturadores deste PDUI”, além de se relacionar com os Planos Diretores Municipais e demais planos setoriais, segundo o documento. É o mapa que traduz as escolhas de cidade compacta e de equilíbrio urbano-rural. 

A leitura técnica dialoga com a visão urbanística de Maria Ester: “eu considero que é muito adequada a forma como o plano organiza essas macrozonas, porque a questão ambiental que envolve águas, zona rural e parques precisa estar bem delimitada. […] A proposta do adensamento tem que ser uma relação de fornecimento de infraestrutura capaz de suportar a quantidade de pessoas que está lá. […] precisamos estimular que as cidades cresçam nesses vazios e não ampliem seus perímetros para cima da zona rural”. 

  • Eixo 3 — Mobilidade e acessibilidade

O plano se apoia no sistema metropolitano já existente, busca consolidar a rede viária estruturante e a integração efetiva entre os municípios, e trata a mobilidade como serviço regional, não fragmentado. A diretriz é fortalecer o sistema que já interliga 18 municípios, mas que deve abranger os 21, aprimorando a malha e a intermodalidade para reduzir tempos de deslocamento e articular centralidades urbanas e polos de emprego. O objetivo é qualificar o que já funciona, ampliar a cobertura e integrar o planejamento de uso do solo com a oferta de transporte coletivo e mobilidade ativa. Assim, a política de mobilidade deixa de ser um ponto isolado e passa a ser um indutor de forma urbana. 

  • Eixo 4 — Desenvolvimento socioespacial e econômico

Com base no diagnóstico, a minuta elenca problemas recorrentes — déficit habitacional, precariedade em áreas de risco, ocupações irregulares — e atrela as respostas à escala metropolitana: apoiar os municípios no em políticas de habitação articuladas com o adensamento em vazios urbanos bem servidos de infraestrutura; alinhar programas de emprego e inclusão produtiva às centralidades propostas; e qualificar territórios vulneráveis com equipamentos e serviços. Ou seja, é a tentativa de romper o ciclo de várias pessoas que moram em áreas afastadas e gastam muito tempo e renda no transporte, e aproximar moradia, trabalho e serviços no raio das centralidades locais. 

Aqui, a política habitacional conversa diretamente com a ideia de policentralidade. “Se você leva para lá conjuntos habitacionais, infraestrutura de shopping, de centro comercial, de cultura, de serviço público, você cria uma centralidade”, aponta Maria Ester, ao ilustrar como novos empreendimentos devem ser puxados para áreas já servidas e não para longe da cidade consolidada. Ela defendeu que a cidade pode ser compacta, que não precisa ser “espalhada” ou ter o perímetro alongado: “essa era uma máxima das audiências que a gente ia. Havia mapas mostrando que todas as cidades do entorno, todas as cidades da região metropolitana, queriam expandir os seus perímetros. Para que expandir os seus perímetros? Tem gente para caber lá onde tem área, onde tem coisa”, disse.

Foto: Reprodução

”Vamos estimular a cidade a acontecer onde já existe a infraestrutura e não abrir novos loteamentos, novos loteamentos, novos loteamentos. Isso desenha a cidade sustentável, a cidade compacta, a cidade com mobilidade ativa. Ou seja, as pessoas poderem fazer as suas atividades caminhando ou indo de bicicleta. Essa é uma diretriz central do plano”, disse Maria Ester. 

“Não é limitar a expansão urbana ou crescimento urbano, mas sim criar os mecanismos para que essa eh esse esse esse crescimento ocorra de uma forma ordenada. Isso é o objetivo de todo o plano diretor”, disse a coordenadora do estudo, Celene.  

  • Eixo 5 — Meio ambiente e áreas de riscos

O PDUI define a proteção de bacias de captação de água para abastecimento, unidades de conservação e parques lineares como elementos estruturadores, condicionando a ocupação e as obras a critérios ambientais e de redução de riscos. A minuta determina a necessidade de reduzir riscos geológicos e de inundação, além de prevenir novas situações de risco por ocupação de áreas vulneráveis. Saneamento ambiental, manejo de resíduos sólidos e proteção de mananciais são tratados como funções comuns que exigem soluções integradas, sob pena de um município impactar o outro. 

Foto: Reprodução

A coordenadora do plano é explícita sobre a abordagem regional para resíduos: não se trata de resolver “o lixo de Goiânia”, mas o do sistema metropolitano, com articulação entre prefeituras e operadores. A diretriz inscrita na minuta é organizar programas metropolitanos que somem estratégias e projetos multissetoriais — do saneamento à logística — ancorados na governança interfederativa e no financiamento adequado via FDM. 

Macrozoneamento: as três grandes áreas que orientam o território

O macrozoneamento da RMG dá a régua territorial para a aplicação das diretrizes e eixos. A Macrozona Urbana Consolidada é formada por todas as áreas urbanizadas de todos os municípios da RMG; é onde o plano propõe concentrar adensamento, completar infraestrutura, qualificar serviços e consolidar centralidades. A Macrozona de Águas e Parques reúne todas as categorias de unidades de conservação, bacias de captação de água para abastecimento e parques lineares — existentes e futuros —, estabelecendo limites claros para usos e obras. Já a Macrozona Rural cobre as áreas não urbanas, preservando vocações produtivas e a proteção ambiental, evitando a expansão urbana sobre áreas sensíveis. 

Essas três macrozonas, somadas às diretrizes de cada eixo, balizam a revisão dos planos diretores municipais, conectando o desenho urbano a metas de mobilidade, meio ambiente, habitação e saneamento. Também objetiva transformar “cidade compacta” e “policentralidades” em regra, evitando que a expansão de perímetros consuma solo rural e áreas estratégicas de recarga hídrica. 

A urbanista Maria Ester amarra o raciocínio entre macrozona ambiental e forma urbana: “O planejamento tem a função de integrar e organizar. […] O planejamento metropolitano tem o papel de criar uma relação entre o que é urbano e o que é rural, e isso geralmente acontece com estradas vicinais, com preservação de matas, mantendo rios sem canalização. Então, o fato de você ter uma macrozona apontando onde serão águas e parques, parques lineares, está dizendo que ali não terá cidade da mesma forma como a gente tem nos centros das cidades da região metropolitana”.

O que muda com a instalação do PDUI?

Se transformado em lei complementar, o PDUI passa a obrigar a compatibilização dos Planos Diretores municipais com o macrozoneamento e as diretrizes metropolitanas; cria o ambiente para executar programas regionais; viabiliza o uso do FDM; e dá transparência e previsibilidade ao acompanhamento por indicadores públicos. No campo da forma urbana, a mudança prática é atrair moradia e serviços para vazios urbanos, consolidar centralidades e conectar essas peças por transporte coletivo e mobilidade. Em paralelo, impor limites claros à ocupação em áreas de mananciais, parques e zonas ambientalmente vulneráveis, articulando proteção hídrica com uso do solo e saneamento. 

Próximos passos

Segundo a coordenação, a tramitação pública exigirá ainda cerca de quatro meses de debate até a consolidação da versão final. A audiência pública deverá referendar o texto ou sugerir alterações, e a instância executiva interfederativa validará indicadores e o plano de ação. Até lá, a recomendação técnica é manter o engajamento de prefeituras e sociedade e tratar o PDUI como referência desde já nas discussões de revisão de Planos Diretores e nos projetos estratégicos que dependem de coordenação regional. 

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