Organizações ambientais, representantes da sociedade civil, pesquisadores e povos tradicionais intensificaram, nesta sexta-feira, 18, os apelos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que ele vete integralmente o Projeto de Lei 2159/21, conhecido como “PL da Devastação”. A proposta, que muda as regras do licenciamento ambiental no país, foi aprovada durante a madrugada de quinta-feira, 17, pela Câmara dos Deputados, após passar pelo Senado.

A reação foi imediata. Desde as primeiras horas do dia, manifestações públicas surgiram por todo o país, acompanhadas de mobilizações nas redes sociais. Artistas como a cantora Anitta e os atores Débora Bloch, Marcos Palmeira e Dira Paes se posicionaram contra o projeto e pediram o veto total ao texto.

Além das celebridades, diversas entidades científicas, ONGs, movimentos populares e lideranças indígenas apontam que o projeto não pode ser corrigido por vetos parciais, já que o texto final passou por dezenas de emendas e alterações. O PL 2159/21 foi aprovado na Câmara por 267 votos a 116, num momento em que, segundo ambientalistas, o país deveria estar aprofundando sua política ambiental, e não desmontando seus instrumentos de fiscalização. Caso o presidente Lula vete o projeto, o veto ainda poderá ser derrubado pelo Congresso.

Entre os pontos mais criticados, está a criação da chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que autoriza empreendimentos a se autodeclararem isentos de impactos, dispensando a apresentação de estudos ambientais. “Os governos perdem a capacidade de controlar mais de 80% dos empreendimentos que são propostos por meio do licenciamento ambiental. Quer dizer, a gente não vai mais saber se aquilo que está sendo proposto vai causar um impacto coletivo, qual o tamanho desse impacto, qual é o risco que as populações que estão próximas ali daquele empreendimento podem correr”, afirma Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

A crítica central ao projeto é que ele fragiliza o processo de licenciamento ambiental ao permitir que diversos empreendimentos, incluindo rodovias, linhas de transmissão e pequenas centrais hidrelétricas, sejam aprovados sem estudos prévios. Além disso, estados e municípios poderão definir sozinhos quais atividades devem ou não passar por licenciamento, sem qualquer coordenação nacional.

Segundo Astrini, trata-se do maior retrocesso ambiental desde a ditadura militar. “Situações como, por exemplo, pequenas centrais hidrelétricas que barram um rio ou até mesmo, barragens de rejeitos, como é o caso de Brumadinho, passam a ter um licenciamento sem avaliação de risco. Ele passa a ser feito automaticamente. Isso é um vale-tudo, isso é você acabar com as bases do licenciamento ambiental.”

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) também se posicionou de forma contrária à proposta. Em manifesto divulgado nesta semana, os cientistas alertam para o risco de colapso ambiental. “Este PL representa o mais grave retrocesso ao sistema de proteção ambiental do país. Ele fragiliza as regras e mecanismos de análise, controle e fiscalização. E, ainda, ignora solenemente o estado de emergência climática em que a humanidade se encontra e o fato de que quatro biomas brasileiros (floresta Amazônica, Cerrado, Pantanal e Caatinga) estão muito próximos dos chamados de “pontos de não retorno””, destaca o documento.

O Observatório do Clima, que reúne 68 organizações da sociedade civil brasileiras, já anunciou que pretende recorrer ao Judiciário caso o projeto seja sancionado. “A sociedade civil vai continuar muito mobilizada, talvez até mais ainda agora, porque é a chance de reversão de todos esses absurdos se encontra na mesa do presidente da República”, diz Astrini.

Lideranças indígenas também se posicionaram contra o PL. Uma marcha de mulheres indígenas está sendo organizada com destino a Brasília, com o objetivo de pressionar o governo federal a vetar a proposta. Para elas, o projeto ataca diretamente os direitos constitucionais dos povos originários.

“Uma proposta que transforma a vida em mercadoria, e os territórios, em zona de sacrifício. É o marco legal da destruição. Legaliza o agronegócio em terras indígenas. Libera garimpos e mineração predatória. Facilita obras como rodovias e hidrelétricas sem consultar os povos afetados. Destroça os direitos constitucionais dos povos originários e tradicionais”, afirma Vanda Witoto, diretora do Instituto Witoto, organização liderada por mulheres indígenas na periferia de Manaus.

A repercussão negativa não se limitou ao Brasil. A organização Proteção Animal Mundial, que atua em 47 países, divulgou nota afirmando que o projeto “representa um dos maiores retrocessos ambientais da história do Brasil”. A entidade criticou os pontos que reduzem a participação pública e os estudos de impacto.

“O novo texto, além de incluir a mineração, mantém a espinha dorsal de fragilização do processo de licenciamento, abandona os princípios de prevenção e participação pública que deveriam orientar qualquer decisão ambiental. Ao permitir, por exemplo, que atividades sejam autorizadas com base em autodeclarações ou dispensadas de estudos de impacto, o Estado se afasta de sua responsabilidade constitucional de garantir um meio ambiente equilibrado e seguro para as presentes e futuras gerações.”

Agora, todas as atenções se voltam ao presidente Lula, que tem até 15 dias úteis para decidir se sanciona ou veta o projeto. O prazo começou a contar a partir do recebimento do texto pela Presidência.

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