Pesquisa, território e antirracismo: a jornada de Luciene Dias até a Marcha das Mulheres Negras
17 novembro 2025 às 12h39

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Natural de Goiânia, Luciene Dias é filha de uma família extensa. Na juventude, teve contato com informações ligadas à Igreja Católica por meio da Pastoral da Juventude do Meio Popular. A partir daí, decidiu que iria estudar e ingressou na universidade. Iniciou o curso de Ciências Sociais e, posteriormente, graduou-se em Jornalismo.
Atuou como jornalista logo após obter o diploma. Foi assessora de comunicação e passou por diversas linguagens jornalísticas profissionalmente, até decidir continuar estudando. “Como jornalista, conheci um grupo de mulheres extrativistas do extremo norte do Tocantins, as quebradeiras de coco babaçu, e no processo de interlocução com essas mulheres decidi me afastar um pouco da comunicação e buscar uma formação mais aprofundada com o mestrado”, explica a professora da UFG, Luciene Dias.
Fez mestrado em Ciências do Ambiente pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), pesquisando as estratégias de vida dessas mulheres quebradeiras de coco babaçu em diálogo com perspectivas de sustentabilidade. “Na sequência, quis fazer um doutorado. Fui para a UnB, no Departamento de Antropologia, e concluí o doutorado em Brasília, já com duas crianças. Nesse doutorado, trabalhei com quilombolas — na época, falávamos ‘grupos remanescentes de quilombo’. Pesquisei um grupo quilombola também no Tocantins, chamado Barra de Aroeira”, contextualiza.
Segundo Luciene Dias, essa pesquisa foi “um divisor de águas”, pois foi quando se aproximou das discussões sobre quilombo e percebeu que essas comunidades são capazes de reorganizar profundamente a forma como as pessoas conduzem a vida. Ingressou na docência na UFG em 2009 e, desde então, vem pesquisando narrativas da diferença, refletindo sobre os atravessamentos de raça, etnia, gênero, sexualidade e pobreza.
Pindoba

O grupo de pesquisa realiza suas atividades na Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) | Foto: Reprodução
Pindoba pode se referir a diferentes espécies de palmeiras ou, mais comumente, à palmeira jovem de babaçu. O termo também pode designar o fruto ou a semente da palmeira, usada para a extração de óleo. Toda a vivência com as quebradeiras de coco babaçu, na região do Bico do Papagaio, no Tocantins, inspirou Luciene Dias a batizar com esse nome o grupo de pesquisa que coordena na UFG.
No ano passado e ao longo deste ano, já foram realizados trabalhos no Quilombo Mesquita, próximo ao Distrito Federal — mais precisamente, em Cidade Ocidental. “O Quilombo Mesquita teve os direitos sobre suas terras reconhecidos pelo poder público brasileiro, e esse trabalho foi realizado em equipe, um grupo interdisciplinar que reunia antropólogos e outros profissionais”, destaca Luciene Dias.
O grupo de pesquisa coordenado por Luciene Dias tem contribuído para discussões sobre o que os pesquisadores vêm chamando de antirracismo. “Temos orientado pesquisas de mestrado, doutorado e também de iniciação científica para refletir sobre raça, racismo e antirracismo”, explica.
Marcha das mulheres negras

Para a pesquisadora da UFG, o mês de novembro é especialmente importante. A principal mobilização tem sido em prol da “Marcha das Mulheres Negras”, que acontecerá em Brasília no dia 25 de novembro.
“Esperamos construir um novembro que não desgaste tanto a população negra, no sentido de apenas formar outras pessoas para o antirracismo, mas que signifique também um mês de cuidado, autocuidado, de cuidar umas das outras para tentar construir uma negritude mais sustentada — mais próxima do que chamamos de bem viver”, contextualiza sobre o tema da marcha de 2025.
Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra
A data marca a morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, situado na Serra da Barriga, hoje no estado de Alagoas. Quilombo é o nome dado às comunidades formadas majoritariamente por escravizados fugitivos. Palmares foi o maior quilombo brasileiro, chegando a ter simultaneamente 20 mil habitantes — mais do que a maioria das cidades brasileiras da época, quando o país tinha cerca de 300 mil habitantes. Capturado e preso, Zumbi foi morto e decapitado por tropas bandeirantes em 20 de novembro de 1695.

“O 20 de novembro é feriado nacional, e que bom que isso acontece, porque, infelizmente, o Brasil precisa admitir que ainda é um país extremamente racista. Mas não é uma data para se comemorar — e adotamos essa perspectiva desde o início. Nós, pessoas negras, temos essa compreensão desde sempre”, destaca Luciene Dias.
Ainda segundo a pesquisadora, a data é de luta, reflexão e mobilização, além de ser também uma ocasião para autocuidado. “O que a população em geral talvez precise compreender é que usar estrategicamente essa data para denunciar, mas também para promover atos antirracistas, é fundamental e essencial”, finaliza.
Nesta quarta-feira, Dia da Consciência Negra, a professora da UFG pede que a população negra, especialmente, não descanse — e que não se limite a rememorar a história de dor imposta pelo colonialismo. Ao contrário, que o 20 de novembro seja um dia de articulação e mobilização. Que, para além da denúncia, se proponha a construção de um mundo antirracista. Pois, segundo ela, só assim será possível construir uma sociedade mais tolerante.
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