Pesquisa revela que 58% deixariam o crime se tivessem renda
18 novembro 2025 às 17h23

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Um levantamento nacional do Instituto Data Favela, divulgado nesta segunda-feira, 17, traçou o perfil mais amplo já produzido no Brasil sobre pessoas envolvidas no tráfico de drogas. O estudo ouviu 3.954 entrevistados em atividade no crime, distribuídos por favelas de 23 estados, e revelou uma realidade marcada por pobreza, falta de oportunidades e impactos profundos na juventude.
De acordo com o instituto, 58% dos entrevistados afirmaram que deixariam o crime imediatamente se tivessem uma fonte estável de renda ou oportunidade real de trabalho. Outros 31% disseram que não sairiam, mesmo diante de opções mais seguras.
A pesquisa, denominada Raio-X da Vida Real, mostra que a entrada no crime está diretamente associada à vulnerabilidade econômica: 49% entraram por necessidade financeira. Violência doméstica, abandono e fome também aparecem com frequência como fatores determinantes.
O levantamento mostra que metade das pessoas no tráfico tem entre 13 e 26 anos, evidenciando o impacto direto da ausência de políticas públicas sobre a juventude pobre. Quase 80% dos entrevistados são negros e 80% cresceram na mesma favela onde atuam hoje.
Mesmo expostos a risco extremo, 63% recebem até dois salários mínimos, e 18% afirmam que o dinheiro nunca é suficiente. Muitos acumulam outras atividades para complementar a renda: 42% fazem bicos, 24% tentam pequenos empreendimentos e 16% trabalham com carteira assinada paralelamente ao crime.
A saúde mental também aparece deteriorada: 39% têm sintomas de insônia, 33% relatam ansiedade e 19% depressão.
O fundador do Voz das Comunidades, Renê Silva, avaliou a pesquisa como um retrato profundo da realidade ignorada pelos centros de decisão no país. Para ele, os dados mostram que o crime não é escolha, mas consequência de um ciclo estrutural de exclusão. “58% sairiam do crime agora se tivessem uma oportunidade real. Metade dos que estão no crime são jovens de 13 a 26 anos. A maioria é jovem, negra e cresceu na favela. Mesmo no crime, 63% ganham até dois salários mínimos”, afirmou.
Silva diz que muitos entrevistados apontam a educação como caminho não vivido. “41% disseram que teriam estudado, teriam aproveitado mais a escola. E o curso mais desejado é Direito. Eles querem entender a lei para mudar de vida. Mas a saúde mental está destruída. Tem gente dormindo duas, três horas por noite”, disse.
Para ele, os números levantam uma questão dolorosa: quantos profissionais qualificados o Brasil perdeu para o tráfico por falta de oportunidades reais?
O estudo também revela vínculos familiares fortes: 51% citam mães, avós, tias ou companheiras como principais referências emocionais. E, apesar de integrarem o crime, 84% afirmam que não deixariam um filho entrar para o tráfico.
A pesquisa escancara uma equação conhecida, mas pouco enfrentada: pobreza, ausência de Estado e falta de perspectivas continuam empurrando jovens para facções. Em muitos estados, como Ceará, Distrito Federal e Minas Gerais, o desejo de deixar o crime aparece ainda mais distorcido, reflexo das condições de violência, isolamento ou controle territorial.
As conclusões de pesquisadores apontam que o crime organizado continua sendo, para muitos, a única alternativa econômica disponível. O estudo indica que políticas de educação, emprego, capacitação e empreendedorismo são caminhos essenciais para romper esse ciclo.
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