A rotina de um paciente renal crônico não é fácil. Normalmente, por três vezes na semana ele precisa se deslocar até uma clínica para fazer o tratamento de hemodiálise. Com a falência dos rins, o paciente se vê “preso” a máquina que passa a funcionar como o órgão na filtragem do sangue. Agora imagine toda essa conjuntura de fatores, morando em outra cidade e ainda sofrer consequências devido a falta de enfermeiros e de medicamentos.

O Jornal Opção recebeu a denúncia de uma paciente renal crônica, que faz o tratamento na clínica de hemodiálise Davita, localizada no Jardim América, em Goiânia. Por questões de segurança, ela não quis se identificar. “Estamos sofrendo muito por falta de funcionários, por falta de pagamentos e má administração. Os funcionários estão saindo, outros faltando e não estão sendo substituídos. Algo grave que tem ocorrido é a falta de heparina durante as sessões, com isso o nosso sangue coagula na máquina. Isso nos causa sérios danos, principalmente, anemia”.

Sessão de diálise | Foto: Reprodução

A heparina é um anticoagulante fundamental, que evita a formação de coágulos nos tubos e no filtro (dialisador), por onde o sangue do paciente circula para ser limpo. Segundo especialistas, a falta de heparina gera perda do sangue que está dentro da máquina que não pode ser devolvido ao paciente. Como ainda a interrupção da sessão de diálise, o que torna ineficaz o tratamento.

Após a denúncia que recebemos na redação, o Jornal Opção foi até a clínica nesta terça-feira, 21, para verificar de perto o que está acontecendo no local. Visualmente, é perceptível que a Davita está em obras. O 2º andar, ainda não voltou a funcionar e somente há uma ala para atender 203 pacientes. Muitos deles são de cidades do entorno de Goiânia.

Assim, como a dona Vanilde, paciente da unidade há oito anos e moradora da cidade de Itaguari. Todas as terças, quintas e sábados ela vem para Goiânia com a van da prefeitura local para fazer o tratamento na Davita. “No começo ela era mais forte, vinha sozinha. Agora eu acompanho ela sempre porque tá muito fraca”, diz o esposo emocionado.

“É custoso para ela e para a gente também. Porque é só eu e ela [mesmo tendo 7 filhos os dois]. Somos casados há 61 anos. E, a diabetes é uma doença que não para de avançar. Ela vai enfraquecendo a pessoa cada dia mais. Por isso, minha filha tem que cuidar”, explica o aposentado de 86 anos.

Sobre a denúncia de uma paciente da clínica; o senhor disse que o atendimento está difícil porque a rotatividade de funcionários está cada vez maior. “Dizem que ganham mal e saem para empregos melhores. E entram outros que não entendem bem. Minha esposa reclama às vezes que as novatas tem dificuldade até para pegar a veia”, explica.

Conversamos com outra acompanhante, a filha da paciente Marina Gulete, de 81 anos, moradora de Inhumas. Enquanto, a mãe estava na diálise a filha nos contou sobre o diagnóstico de falência dos rins dela, seis anos atrás. Foi um susto muito grande, pois ela não tinha nem pressão alta, não era diabética. “Tudo começou por causa de uma infecção urinária, daí precisou entrar com uma medicação e não melhorava. Na época, ela ficou 25 dias hospitalizada tentando descobrir o motivo da falência dos rins”.

Sobre o atendimento no local, a filha de Marina não quis entrar em detalhes. Explicou que de maneira geral a saúde está ruim em Goiânia. Prefere seguir o fluxo natural que o tratamento exige: resiliência para encarar as viagens de ida e volta para Inhumas e também se manter em harmonia com a mãe. “Antigamente ficava mais no pé para ela manter a dieta e não chegar pesada para fazer a diálise. Hoje prefiro nem mais falar que ela está bebendo muita água, por exemplo”, finaliza.

Voltando ao esposo de dona Vanilde, ele nos contou que sempre quando falece alguém na clínica, ela fica muito emocionada. “Porque aqui é como se fosse todo mundo da mesma família. São companheiros. Tem uma questão também, todos os pacientes que estão aqui vão morrer. Todo mundo morre, por consequências da própria doença”, diz emocionado.

O único otimismo que move o ex-carpinteiro nessa logística de estar em Goiânia três vezes na semana é saber que a diálise é o único caminho. “Ela não sara, fica melhor! E, assim seguimos juntos até quando Deus mandar”.

A reportagem procurou o gestor da clínica Davita, porém ele se recusou e passou o contato da assessoria de imprensa. De acordo com a nota, a empresa informa que respeita todas as regras do piso salarial conforme os repasses do Governo e que não houve desligamentos recentemente. Disse ainda que está em andamento um processo seletivo para reposição de vagas, além da contratação imediata de cinco profissionais neste mês de outubro.

Sobre a heparina, a empresa esclarece que o procedimento é realizado conforme prescrição médica, sem registros recentes de coagulação de materiais ou eventos adversos. A DaVita reforça o seu compromisso com a segurança e a qualidade no cuidado aos pacientes e destaca que o episódio foi pontual e atípico.

Leia também: Goiânia avalia quarto turno de hemodiálise enquanto fila por vagas cresce