Os desafios Trumpistas impostos ao Brasil

15 julho 2025 às 13h28

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Everaldo Leite
A imprevisibilidade é um fato da natureza. Terremotos, erupções de vulcões, queda de meteoritos e pandemias são situações difíceis de prever. Na economia, pelo contrário, a previsibilidade é buscada a todo momento, contando com inúmeros modelos de cálculos que tentam descortinar o futuro ou gerar cenários possíveis. A redução de incertezas futuras diminui as surpresas quanto aos preços vindouros, determinando investimentos, alocações de recursos, financiamentos, crédito, consumo, exportações, importações etc. A tomada de decisões dos agentes depende diretamente da previsibilidade. Quando o governo de Donald Trump majora as tarifas de comércio para o Brasil, cria uma desestruturação das cadeias produtivas, aos moldes de um terremoto, que afeta tanto nosso país quanto os próprios EUA, gerando incertezas de curto e longo prazos. Ora, por que um governo faria isso?
O que ocorre é que Donald Trump foi eleito por aqueles que acreditavam que ele “faria a américa grande outra vez”, o que significaria, no inconsciente coletivo, elaborar políticas de reindustrialização e de novo enriquecimento do povo americano. Entretanto, a experiência prática tem revelado a impossibilidade de reverter o processo que se dá desde o advento da globalização e da nova divisão do trabalho mundial. A indústria, não por acaso, se concentrou na Ásia, especialmente na China, e os quadros técnicos que atuam com pesquisa científica, desenvolvimento e inovação de produtos e serviços se acumulam progressivamente nessa parte do planeta. Os EUA migraram da hegemonia da indústria de transformação para o serviço digital, para o produto financeiro, para a modernização do campo e para a tecnologia bélica. Um processo que resultou em empregos cada vez menos qualificados na base da pirâmide social, em desemprego voluntário e num crescimento significativo das desigualdades de renda e de riqueza.
As ações de Trump, entretanto, ao fim e ao cabo, enfraquecem ainda mais o potencial americano de superar seus problemas internos. Seu método errático é o de buscar a identificação de alvos, aleatoriamente, que possa atacar vorazmente, como os imigrantes latino-americanos e os países com quem os EUA comercializam, e, desta forma, o que consegue é somente desestabilizar atividades econômicas internas e externas, sem nenhum retorno positivo. É provável que tais posicionamentos, se persistirem pelos quatro anos de mandato, causarão aumentos inflacionários contra os americanos e subsequente subida da taxa de juros pelo FED, com impactos negativos nos investimentos, no emprego, no comércio interno e no mercado de capitais. Do lado da economia internacional, tais possibilidades podem determinar um certo isolamento dos EUA, e a redistribuição crescente do comércio entre os demais países.
Há poucos dias o Brasil foi o novo alvo do governo Trump, que impôs uma tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras para os EUA. Em carta ao governo brasileiro, expôs razões políticas e razões econômicas, ambas falsas, para nos sobretaxar acima de todos os outros países com quem fazem comércio. As razões políticas são especialmente ideológicas e miram a soberania jurídica do nosso país, de forma ofensiva. As razões econômicas são fantasiosas, pois elas se baseiam em números completamente irreais da balança comercial entre os dois países. Os EUA, há 17 anos, são superavitários na relação com o Brasil, quer dizer, importamos mais deles do que eles de nós. De fato, essa tarifa colossal teve como objetivo real ferir uma das nações líderes do bloco dos BRICS, utilizando-se do puro autoritarismo. Ademais, tal decisão do governo americano foi tão absurda que o prêmio Nobel de economia, Paul Krugman, asseverou que isso já é o necessário para se pedir o impeachment de Donald Trump.
Não obstante, se a diplomacia brasileira não conseguir fechar um acordo mais razoável até o final do mês de julho, o nosso país sairá perdendo comercialmente a partir de 1o de agosto, a ponto de atingir, mesmo que levemente, o resultado do PIB de 2025. A primeira preocupação, portanto, é sobre o tamanho dessa perda, já que deverá abranger alguns segmentos específicos, de uns poucos estados da federação, causando transtornos nos rendimentos das empresas exportadoras e algum desemprego substancial. Um estudo da UFMG chegou ao possível corte de 110 mil empregos (diminuição de 0,21%) e uma queda de 0,16% no PIB no país, isto é, um encolhimento de 19,2 bilhões de reais. Os estados mais afetados, segundo a Universidade, seriam São Paulo (-4,4 bilhões de reais), Rio Grande do Sul (-1,9 bilhão), Santa Catarina (-1,74 bilhão) e Minas Gerais (-1,66 bilhão).
A Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil) divulgou que nos primeiros cinco meses deste ano as exportações brasileiras para os EUA atingiram 16,7 bilhões de dólares, representando no mesmo período 5% de aumento em relação a 2024. Também importamos mais dos EUA nesse período, somando 7,7 bilhões de dólares, ou 9,9% em relação a 2024. Entre janeiro e maio de 2025, 79% das exportações brasileiras para os EUA foram compostas por bens industriais, como aeronaves, combustíveis, alimentos processados, químicos e máquinas, sendo que os produtos que tiveram maior aumento nas exportações foram carne bovina (alta de 196%), sucos de frutas (96,2%), café (42,1%) e aeronaves (27%), de acordo com a Amcham. Em relação somente ao agronegócio, os principais produtos brasileiros, os que mais venderam em 2024, foram: o café (2 bilhões de dólares), carnes (1,4 bilhão), sucos (1,2 bilhão) e complexo sucroalcooleiro (792 milhões).
Assim, esses são os segmentos econômicos brasileiros que mais poderão sair perdendo com a nova tarifa dos EUA. No caso da Embraer, o banco BTGPactual emitiu um relatório que aponta para um impacto significativo, visto que 60% de suas vendas são para o mercado americano. Segundo o relatório, o aumento de 10% nas tarifas impactaria cerca de 78 milhões de dólares (432 milhões de reais) nos custos da Embraer. O banco JPMorgan alertou, por sua vez, que as ações da Embraer deverão cair 30%, em função das tarifas americanas. A Embraer, contudo, em meio à crise pré-tarifária, vem demonstrando grande poder de negociação fora dos EUA, tendo acabado de vender 45 jatos modelo E195-E2 para a companhia aérea dinamarquesa Scandinavian Airlines (SAS), em um contrato avaliado em 21,8 bilhões de reais. A empresa está no topo da competição nessa modalidade de aviões, então não seria surpresa que novas oportunidades reduzissem bastante esses impactos estimados pelos bancos.
Do lado das importações brasileiras, os cinco produtos que mais comprados dos EUA no primeiro semestre de 2025 foram os motores e máquinas não elétricos e suas partes, exceto motores de pistão e geradores (3,577 bilhões de dólares), óleos combustíveis de petróleo ou de minerais betuminosos, exceto óleos brutos (2,233 bilhões), aeronaves e outros equipamentos, incluindo suas partes (1,120 bilhão), óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos crus (1,098 bilhão) e polímeros de etileno em formas primárias (720,63 milhões de dólares). Em 2025, as importações de produtos dos EUA aumentaram 11% em relação a 2024, de acordo com os dados do Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior do Brasil. Mesmo assim, o déficit comercial do Brasil com os Estados Unidos cresceu de 280 milhões de dólares, no primeiro semestre do ano passado, para 1,7 bilhões de dólares neste ano. Para Trump, efetivamente, não haveria o que reclamar.
Da parte do governo brasileiro, a elaboração de medidas de reciprocidade deve primeiramente passar pelas tratativas diplomáticas, focadas no histórico positivo dos EUA na balança comercial e nas alíquotas brasileiras de importação, que são efetivamente mais baixas na relação comercial com os americanos. Caso não haja retrocesso da tarifa do Trump, caberá ao governo pontuar aqui e ali algum tipo de aprimoramento das relações comerciais, melhorando o ambiente de negócios para os EUA junto ao Brasil. Não será útil ao nosso país repetir a decisão americana e tarifar suas mercadorias no mesmo patamar, pois não temos as mesmas condições de retaliação chinesa, ou seja, não poderemos escalar nossa tarifa e colocar em risco a parte de nossa indústria que depende de insumos americanos. Lembremos que também estamos lutando contra a desindustrialização. No longo prazo, as boas relações com os países do BRICS, União Europeia, do Mercosul e outros precisam resultar em novas relações comerciais para o Brasil, diversificando ainda mais os negócios internacionais com outras nações. Essa será uma tendência mundial, gerando oportunidades para a indústria e o agronegócio brasileiro, além de motivar a integração de novos parceiros nas cadeias produtivas onde atuamos.
Everaldo Leite é Economista