Imagine um o solo do fundo de um rio. Terra, areia e brita. Agora pense que deste solo se retira um dos ingredientes mais valiosos para o mundo moderno — capaz de fazer turbinas eólicas girarem, motores de carros elétricos acelerarem e satélites orbitarem com mais precisão. Esse minério existe, tem nome e é encontrado em Goiás: são as chamadas terras raras pesadas.

Primeira etapa da produção envolve a lavagem e filtragem da matéria-prima | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Goiás se prepara para explorar terras raras pesadas com tecnologia de baixo impacto ambiental
A cidade de Nova Roma, no nordeste de Goiás, será o ponto de partida para um projeto pioneiro no Brasil: a exploração de terras raras pesadas, como disprósio e térbio, conduzida pela mineradora Aclara Resources.

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Com laboratório recém-inaugurado em Aparecida de Goiânia, a empresa aposta em um modelo de extração inovador, com foco na alta pureza do material, reaproveitamento integral da água e baixo impacto ambiental.

O empreendimento, que deve receber investimento estimado em US$ 600 milhões (cerca de R$ 3 bilhões), será operado em regime contínuo, processando 20 mil toneladas de argila por dia — 10 mil vezes mais que a capacidade atual da planta-piloto.

O ouro do século XXI

As terras raras são um grupo de 17 elementos químicos com superpoderes industriais. O disprósio, por exemplo, ajuda a criar ímãs que não perdem força em altas temperaturas — algo essencial para motores elétricos de alta performance. O térbio entra na composição de telas e lasers, mas também reforça turbinas eólicas para resistir a ventos extremos.

No mundo, a China é dona de mais de 60% da produção e praticamente monopoliza o processamento. Esse domínio não aconteceu por acaso: Pequim investiu duas décadas em pesquisa, tecnologia e educação para transformar esses minerais em vantagem econômica e política. Hoje, usa esse controle como ferramenta estratégica nas relações internacionais.

Murilo Nagato mostra o material final após produção | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Tecnologia diferenciada

Em Aparecida de Goiânia, a Aclara montou um laboratório que parece mais uma linha de montagem em miniatura. Lá, chegam caminhões carregando sacos de argila vindos de Nova Roma. Cada lote é identificado: de qual trincheira veio, qual a textura, quais as impurezas.

Terra rara em produção | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

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O método utilizado pela Aclara foge do padrão da mineração tradicional. Em vez de explosões, britagem ou barragens de rejeitos, a empresa trabalha apenas com lavagem da argila por meio de troca iônica, utilizando sulfato amônico, um fertilizante, para liberar as partículas de terras raras que estão na superfície. A argila, com granulometria preservada, é devolvida ao solo e as áreas mineradas passam por revegetação.

Processamento das Terras Raras é feito através da lavagem do material | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Segundo Murilo Nagato, Country Manager da Aclara, essa técnica garante pureza acima de 95% para os elementos extraídos, superando o índice de 60% a 70% comumente encontrado no mercado, especialmente no produto chinês. Essa qualidade, afirma, eleva o valor agregado no Brasil e reduz penalidades comerciais por impurezas.

Murilo explica funcionamento da planta em Aparecida de Goiânia | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Compromisso ambiental e uso eficiente da água

Um dos destaques do projeto da Aclara é a planta de tratamento de água, que representa 15% do investimento total. Toda a água usada na lavagem do material é purificada e reutilizada no processo. Na operação industrial, o consumo previsto será de 150 litros por segundo, obtidos do rio Paranã, sem risco de impacto significativo, segundo a empresa.

Tecnologia permite reaproveitar praticamente toda a água utilizada no processamento | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

A tecnologia aplicada, testada anteriormente no Chile, também prevê filtragens de alta precisão, incluindo nanoescala, para garantir a remoção de impurezas antes do reuso.

Matéria-prima estratégica

As terras raras pesadas são essenciais para a fabricação de ímãs de alto desempenho, usados em carros elétricos, drones, turbinas eólicas e equipamentos de alta tecnologia. Atualmente, a China domina a produção e o processamento global desses elementos. No Brasil, apenas a Serra Verde, também em Goiás, está em operação nesse segmento — mas grande parte de sua produção ainda é exportada para o mercado chinês.]

Última etapa do processo consiste em testes de laboratório | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

“Queremos criar uma alternativa ao atual cenário global e construir uma cadeia de valor nacional, separando óxidos e fornecendo produtos de alta pureza diretamente para a indústria”, explica Nagato.

Apoio e planejamento estratégico

Para o secretário de Indústria, Comércio e Serviços de Goiás, Joel Sant’Anna Braga Filho, o estado vive um momento de consolidação como polo mineral. Segundo ele, apenas 35% do solo goiano foi estudado até agora, mas já foram identificadas reservas significativas de níquel, bauxita, nióbio e terras raras — incluindo a maior mina fora da China, localizada em Nova Roma. A entrevista completa com o secretário vai ao ar na próxima semana e poderá ser vista na íntegra.

Joel Sant´Anna em entrevista à jornalista Giovana Campos | Foto: Reprodução

Joel lembra que a China transformou as terras raras em um pilar de sua economia, substituindo o petróleo como base para a geração de energia e produção tecnológica. “Com esse insumo, eles desenvolveram turbinas eólicas, semicondutores e motores de alta performance. Goiás tem condições de seguir esse caminho e ser referência mundial”, afirma.

O estado, diz o secretário, elaborou um plano para os próximos 30 anos da mineração, com estudos aprofundados e estímulo à verticalização da produção, agregando valor antes da exportação. Atualmente, cerca de 60% das exportações goianas têm como destino a Ásia, especialmente a China, mas o objetivo é diversificar mercados.

O que são terras raras e por que elas são estratégicas

Material rochoso | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Apesar do nome, as terras raras não são tão escassas na crosta terrestre, mas sua concentração raramente é alta o suficiente para viabilizar a extração econômica. O termo se refere a um grupo de 17 elementos químicos, entre eles o neodímio, o praseodímio, o térbio e o disprósio.

Esses elementos possuem propriedades magnéticas, luminescentes e catalíticas únicas, o que os torna essenciais para tecnologias de ponta. Estão presentes em turbinas eólicas, carros elétricos, smartphones, drones, equipamentos militares e até em satélites.

Terras raras pré-processamento | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

No grupo, há as chamadas terras raras leves, como o neodímio, mais abundantes, e as terras raras pesadas, como o disprósio e o térbio, mais escassas e valiosas. As pesadas são fundamentais para ímãs permanentes de alto desempenho, resistentes a altas temperaturas — requisito para motores elétricos e geradores mais eficientes.

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