Um dos maiores estudos genéticos já realizados no Brasil revelou um retrato surpreendente sobre a ancestralidade dos brasileiros — e, em particular, dos goianos. Ao analisar o DNA de mais de 2.700 pessoas de todo o país, cientistas liderados pela USP identificaram que Goiás tem um perfil genético majoritariamente europeu, com baixa presença de ancestralidade africana e quase nenhum traço indígena. O dado chama atenção e ajuda a contar, através do genoma, uma história silenciada de extermínios e desigualdades.

Gráfico revela a diversidade genômica em Goiás | Foto: Reprodução

“Em Goiás não tem muito genoma africano. Goiás é predominantemente de ancestralidade europeia”, explica Lorraynne Guimarães, bióloga com doutorado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), que analisou os dados do estudo com recorte regional.

A ausência de genomas indígenas no DNA de muitos goianos contemporâneos é, segundo ela, reflexo direto do apagamento físico e cultural dos povos originários, especialmente no Centro-Oeste brasileiro, onde as capitanias e as frentes de colonização provocaram a dizimação de dezenas de etnias.

DNA paterno e materno

Um dos pontos mais significativos do estudo é a diferença entre a ancestralidade materna e paterna da população. O DNA mitocondrial — herdado exclusivamente da mãe — apresenta predominantemente origens africanas e indígenas. Já o cromossomo Y, transmitido de pai para filho, é majoritariamente europeu. Para os pesquisadores, isso reflete a brutal realidade da colonização: o predomínio de relações sexuais assimétricas, muitas vezes forçadas, entre homens europeus e mulheres indígenas ou africanas.

“Havia muitas camadas de violência. Mulheres eram dadas de presente, havia escravas reprodutoras, casamentos forçados; e claro, havia violência sexual também”, diz a geneticista Tábita Hünemeier, professora do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do IB-USP e pesquisadora do Instituto de Biologia Evolutiva (CSIC/UPF) da Espanha, que também é uma das coordenadoras da pesquisa. 

Mais do que uma radiografia histórica da formação do povo brasileiro, o estudo tem implicações diretas na saúde pública. Lorraynne aponta que o conhecimento detalhado do genoma nacional pode ajudar a prever a prevalência de determinadas doenças e desenvolver tratamentos personalizados. “Pessoas negras, por exemplo, têm maior predisposição genética à hipertensão arterial e à anemia falciforme. Isso precisa ser levado em conta na formulação de políticas de saúde e na prescrição de medicamentos”, observa.

Estima-se que mais de 5 milhões de africanos foram trazidos como escravos para o Brasil até a abolição da escravatura, em 1888 — número igual ao de europeus que teriam migrado para o País ao longo dos últimos cinco séculos, segundo dados citados no estudo. Nos Estados Unidos, comparativamente, o número de africanos escravizados foi da ordem de 400 mil.

Quando Pedro Álvares Cabral “descobriu” o Brasil para os europeus, em 1500, estima-se que já havia mais de 10 milhões de indígenas vivendo em território nacional, falando mais de 1.000 línguas, com uma diversidade étnica imensa. Mais de 80% dessa população nativa foi dizimada por conflitos e doenças, mas parte da identidade genética dessas populações extintas permanece incorporada ao genoma da população brasileira, segundo os pesquisadores.

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