O que há em comum entre as mortes da palestina Heba Abu e da judia Anne Frank?

09 novembro 2023 às 17h16

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Antes de estourar a Segunda Guerra Mundial por toda a Europa, liderada pela Alemanha, as grandes nações do mundo faziam vistas grossas às hostilidades e atrocidades dos nazistas contra, principalmente, os judeus. Do período anterior, poucos registros foram tão fiéis acerca do que ocorreu na Europa quanto o Diário de Anne Frank, escrito por uma adolescente judia confinado por dois anos (1942 a 1944) por causa da perseguição nazista. Ela foi encontrada, e junto com a irmã, foi levada para o campo de concentração de Bergen-Belsen; os pais foram enviados para Auschwitz. Como a palestina Heba Abu, presa na Faixa de Gaza, não teve como fugir do conflito.
Além dessa comparação do confinamento, assim como Anne Frank, Heba Abu revelou para o mundo, pelas redes sociais, as suas aflições sobre o conflito entre Israel e o Hamas. “A noite da cidade é escura, exceto pelo brilho dos mísseis, silenciosa, exceto pelo som dos bombardeios, assustadora, exceto pela garantia das súplicas, negra, exceto pela luz dos mártires”, escreveu pela última vez, em 8 de outubro, em seu pefil no X (antigo Twitter). Dias depois, a sua casa foi atingida por um míssil, provavelmente, disparado por Israel.
Assim também, foi por meio dos relatos de Anne Frank que todo o mundo soube da situação de um povo que precisou se esconder para não morrer. No caso dela e de muitos, isso foi em vão. “Preciso tornar-me boa através de meu próprio esforço, sem exemplos e sem bons conselhos. Então, mais tarde, deverei ser bem mais forte. Quem além de mim lerá estas frases? A não ser comigo, com quem posso contar? Um sem-número de amigos foram para um triste fim. Ninguém é poupado, cada um e todos se juntam na marcha da morte,” escreveu em 20 de outubro de 1942.
Além da guerra, Anne Frank narrou a sua percepção sobre a vida, o amor e a esperança de que aquela terrível situação chegaria ao fim. “Escuto o trovão se aproximando, cada vez mais, o que nos destruirá também; posso sentir o sofrimento de milhões e ainda assim, penso que tudo irá se corrigir, que está crueldade também terminará. Enquanto isso, preciso adiar meus ideais para quando chegarem os tempos em que talvez eu seja capaz de alcançá-los”, trecho do diário datado de 15 de julho de 1944.
Em 7 de outubro deste ano, Heba Abu constatou: “Pela primeira vez, nós e os judeus estamos na mesma posição, ou seja, não entendemos e não sabemos o que exatamente acontecerá”.
Cada uma no seu espaço tempo, Anne Frank, imortalizada no século passado pelo registro literário que fez; e Heba Abu, pelo reconhecimento como renomada escritora e romancista – autora do livro “Oxygen is Not for the Dead” (2017) – “Oxigênio não é para os mortos”, em tradução livre; deram vozes, rostos, poesias, pensamentos, reflexões sobre a vida e o amor aos números de vítimas, que apenas são registrados pelos jornais sobre guerras. Elas nos fazem lembrar que em qualquer conflito armado, que a maioria das vítimas, são aqueles que não tiveram a quem recorrer.
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