Presidente do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Marcos Matos chamou de “presente de Natal antecipado” a ordem executiva assinada nesta quinta-feira, 20, pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A medida determinou a remoção das sobretaxas de 40% sobre parte dos produtos agrícolas importados do Brasil. O café era um dos itens cujo custo de manejo e importação havia aumentado de forma expressiva após o tarifaço imposto por Trump em meados deste ano, à época apresentado como retaliação em meio a uma disputa com o governo brasileiro.

Além do café, a decisão de Trump, que tem efeito retroativo ao dia 13 de novembro, também retirou as sobretaxas sobre tomate, banana, uva, castanhas, açaí e carne bovina. Os produtores que foram taxados nesse período serão reembolsados. Vale destacar que, em 14 de novembro, o governo norte-americano já havia anunciado a suspensão de parte das “tarifas recíprocas” de 10% aplicadas em abril aos parceiros comerciais dos Estados Unidos sobre diversos produtos agrícolas, o que indicava que a Casa Branca buscava saídas para aliviar pressões internas crescentes.

Assim como o presidente do Cecafé, associações e entidades do agronegócio celebraram a perspectiva de recuperar mercado e fechar o ano com maior fôlego. Ainda assim, o “presente de Natal” mencionado por Marcos Matos não se restringiu ao setor agrícola.

Durante a abertura do Salão Internacional do Automóvel, em São Paulo, já informado sobre a iniciativa de Trump, o presidente Lula da Silva comemorou o fim das taxas e, claro, puxou para si os louros da iniciativa de Trump. Segundo ele, quando o governo norte-americano decidiu aplicar a supertaxação, o setor entrou em crise, e destacou que decisões tomadas sob forte tensão tendem a conduzir a erros. 

O petista acrescentou que medidas como a suspensão das tarifas ocorrem à medida que o país reconstrói sua credibilidade internacional. “Quando o presidente dos EUA tomou a decisão de fazer a supertaxação, todo mundo entrou em crise, ficou nervoso. Eu não costumo tomar decisão quando estou com 39 graus de febre porque posso cometer erros […]. Essas coisas [fim das taxas] vão acontecer a medida que a gente consiga galgar o respeito das pessoas”, declarou.

“Ninguém respeita quem não se respeita. Em política e em economia não tem mágica, você tem que fazer aquilo que é possível fazer, na hora que você tem que fazer. Sem pegar ninguém de sobressalto”, declarou o presidente. 

Tanto Lula quanto integrantes do governo e seus apoiadores celebraram com euforia o recuo de Trump, e o atribuíram direta e exclusivamente ao início do diálogo entre os dois líderes e da capacidade de negociação do presidente brasileiro. Em parte, essa leitura, claro, se sustenta. Em um trecho da ordem executiva, Trump cita a conversa telefônica que teve com Lula em 6 de outubro, na qual concordaram “em iniciar negociações para abordar as preocupações identificadas no Decreto Executivo 14323. Essas negociações estão em andamento”.

No mês anterior, em setembro, Lula e Trump haviam se encontrado brevemente na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York. O encontro parece ter quebrado (pelo menos parte) da parede de gelo entre os dois líderes, parede essa que Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, fez questão de ajudar a erguer. 

Eduardo, que vive nos Estados Unidos, admitiu ter trabalhado ativamente para dificultar os diálogos entre Brasília e Washington e impedir que avançassem. Porém, Trump chegou a afirmar ter tido uma “química excelente” com Lula, o que ajudou a reabrir um canal político congelado havia meses.

Ainda assim, ao contrário do que bradam alguns apoiadores do governo, o recuo de Trump não se explica apenas pelo diálogo com Lula. Longe disso. A pressão inflacionária nos Estados Unidos teve peso decisivo nessa balança. De acordo com os dados mais recentes de inflação dos EUA, divulgados em outubro pelo Departamento de Estatísticas do Trabalho, o café subiu 18,9%, sendo a segunda maior alta do índice, atrás apenas do café instantâneo. Como os Estados Unidos estão entre os maiores consumidores de café do mundo, a escalada de preços afetou diretamente o cotidiano dos eleitores.

Uma pesquisa da Universidade Marquette também mostrou que mais de 75% dos norte-americanos perceberam aumentos nos preços dos supermercados nos últimos seis meses. A inflação elevada, alimentada em grande parte pelas tarifas criadas pelo próprio governo, direcionou para minar a aprovação de Trump. 

Segundo pesquisa da Reuters/Ipsos, sua aprovação caiu para 38%, o nível mais baixo desde seu retorno ao poder, em meio ao descontentamento com o custo de vida e às críticas relacionadas à condução do caso Jeffrey Epstein.

Independentemente das razões que fizeram Trump recuar, o ponto é que uma das cadeias produtivas mais estratégicas do Brasil, a agrícola, deve encerrar o ano respirando melhor graças ao abrandamento do tarifaço. Ainda assim, é preciso reconhecer que tal alívio não vem apenas de articulações diplomáticas, mas também de pressões internas que se tornaram impossíveis de ignorar em Washington. 

O presente chegou, mas sua origem é mais complexa do que sugerem as narrativas celebratórias.