A eleição geral na Alemanha acontece neste domingo, 23, e pode ser um marco na história política do país. Analistas sugerem que o partido de direita radical Alternativa para Alemanha (AfD) tem grandes chances de consolidar sua posição como a segunda maior força no Parlamento alemão. Pesquisas indicam que a sigla pode alcançar até 20% dos votos, dobrando sua representatividade na câmara legislativa.

Nos últimos anos, a AfD tem sido um dos partidos que mais cresce na Alemanha, especialmente entre os jovens. Isso se deve, em grande parte, à figura de Alice Weidel, que se tornou um nome cada vez mais popular. Sua presença nas redes sociais, especialmente no TikTok, atraiu muitos jovens eleitores, principalmente homens, que se identificam com sua visão conservadora e nacionalista. Embora Weidel não tenha grandes chances de assumir o cargo de chanceler nesta eleição, a AfD já começa a pensar em 2029, quando pretende conquistar a liderança do país.

A plataforma da AfD tem sido uma fonte constante de controvérsias. O partido propõe medidas radicais, como a saída da Alemanha da União Europeia, o restabelecimento do marco como moeda nacional, a retomada das relações com a Rússia e a adoção de uma política de “remigração”. Essa última proposta defende a deportação de cidadãos alemães e estrangeiros com base em sua etnia ou grau de assimilação à cultura alemã.

No entanto, o que torna a AfD ainda mais intrigante é a figura de Alice Weidel. Ao contrário do que muitos esperariam de uma líder de um partido conservador e anti-imigração, ela é lésbica e está casada com Sarah Bossard, uma mulher nascida no Sri Lanka, mas com cidadania suíça. Juntas, elas estão criando dois filhos. A situação levanta uma questão desconcertante: como uma líder de direita radical pode defender valores familiares tradicionais e, ao mesmo tempo, viver em um casamento lésbico com uma mulher de origem asiática?

Alice Weidel, por sua vez, tem se mostrado relutante em discutir sua vida pessoal. Para ela, o foco está na política. Ela vive grande parte do tempo na Suíça, uma medida que ela alega ser necessária devido às ameaças que sofre na Alemanha, onde sua figura polariza a sociedade. Seus críticos, no entanto, questionam como ela pode defender uma agenda de exclusão e deportação, enquanto sua própria vida pessoal parece contradizer esses valores.

Embora o partido tenha sido inicialmente mais moderado, a liderança de Weidel tem sido responsável por uma radicalização crescente da AfD. A proposta de “remigração”, por exemplo, ganhou força em sua gestão, com o partido defendendo a expulsão de cidadãos não assimilados e estrangeiros de etnia não alemã. Em um encontro recente, Weidel se declarou favorável à “repatriação em massa”, assumindo publicamente uma posição que antes tentava evitar.

Em seus discursos, Weidel também se distanciou de Adolf Hitler, tentando refazer a imagem da AfD em relação ao nazismo. Ela causou polêmica ao afirmar que Hitler foi, na verdade, um “socialista de esquerda”, desafiando a visão amplamente aceita de seu regime. Essa retórica, no entanto, fez com que a líder da AfD fosse ainda mais criticada, inclusive por membros de sua própria base, que consideram essa comparação inadequada.

Além da retórica interna, Weidel e a AfD têm buscado apoio internacional. O governo de Donald Trump nos Estados Unidos, por exemplo, se alinhou com a visão de Weidel e com a agenda do partido. Durante a campanha, o vice-presidente JD Vance se encontrou com a líder da AfD em Munique, onde ambos discutiram questões como imigração e o papel da Europa na crise migratória. Vance criticou a forma como a Europa tem lidado com os imigrantes, com pontos de vista que coincidem com as propostas da AfD.

Outro apoio estratégico para a AfD veio do bilionário Elon Musk, que recentemente apareceu em um comício da AfD em Halle e incentivou os alemães a votar na sigla. Além disso, Weidel participou de uma live no X, a nova rede social de Musk, onde discutiu temas como política energética, a burocracia alemã, e a política internacional, incluindo suas opiniões sobre Hitler. Esse apoio internacional tem ajudado a AfD a ganhar visibilidade e a aumentar seu apoio entre os eleitores.

No entanto, a AfD também enfrenta sérias dificuldades dentro da política europeia. Em 2023, a sigla foi expulsa do grupo Identidade e Democracia, que reúne outros partidos de extrema-direita no Parlamento Europeu. A decisão foi motivada por declarações de um dos principais membros da AfD, Maximilian Krah, que disse que membros da SS nazista não eram necessariamente criminosos. Isso gerou um racha dentro da direita radical europeia, e figuras como Marine Le Pen, da Frente Nacional, se distanciaram da AfD.

Além disso, a AfD foi oficialmente classificada como uma organização “suspeita de extremismo” por um tribunal alemão em 2023. A decisão permitiu que os serviços de inteligência do país monitorassem suas atividades e comunicações. A acusação é de que uma parcela significativa do partido busca estabelecer uma sociedade segregada, onde os cidadãos etnicamente alemães teriam mais direitos do que os de origens estrangeiras. A AfD rejeita essas acusações, alegando que a decisão é baseada em provas insuficientes.

Apesar dos escândalos e da crescente radicalização, a AfD tem conseguido se consolidar como uma força política significativa. Nas últimas eleições, o partido conquistou 15 cadeiras no Parlamento Europeu e se tornou o segundo mais votado da Alemanha, atrás apenas da coalizão conservadora CDU/CSU. Isso reflete a crescente insatisfação com os partidos tradicionais e o desejo de muitos eleitores de buscar alternativas mais radicais.

A AfD também tem ganhado apoio nas regiões do leste da Alemanha, onde muitos jovens se identificam com a retórica nacionalista e anti-imigração do partido. A ascensão da AfD é um reflexo das divisões internas da Alemanha, especialmente em relação à imigração e à identidade nacional. As propostas de Weidel têm encontrado ressonância em um eleitorado que sente que as elites políticas não têm feito o suficiente para proteger os interesses da população alemã.

A radicalização da AfD também foi impulsionada pela crise dos refugiados, que começou em 2015, quando Angela Merkel permitiu a entrada de cerca de 1,3 milhão de migrantes no país. A partir daí, a imigração tornou-se um dos principais pilares da campanha da AfD. O partido passou a adotar uma retórica cada vez mais agressiva contra os refugiados e contra as políticas de integração promovidas pelo governo.

Embora a AfD tenha sido fundada em 2013 como um partido eurocético e mais moderado, sua agenda foi se tornando cada vez mais extremista. O primeiro grande sucesso do partido ocorreu em 2015, quando questionou a decisão de Merkel de permitir a entrada de migrantes. A partir desse momento, a imigração passou a ser o principal tema da AfD, que buscou estabelecer uma aliança com o movimento Pegida, conhecido por suas marchas anti-imigração.

Além disso, a AfD sofreu uma série de divisões internas. Vários de seus fundadores, como Bernd Lucke, saíram do partido por considerarem que ele estava se afastando de suas raízes mais moderadas. Lucke, o primeiro líder da AfD, criticou publicamente o partido por se tornar “islamofóbico” e “xenófobo”, o que gerou um cisma dentro da legenda.

Apesar desses desafios internos, a AfD continua a crescer e a se consolidar como uma força política relevante. A eleição de 2025 será um grande teste para a sigla, que enfrenta um cenário de polarização crescente dentro da sociedade alemã. A ascensão de Alice Weidel à liderança da AfD e a radicalização do partido são reflexos de um clima político tenso, marcado pela busca de alternativas mais extremas diante de um sistema político tradicional que muitos consideram ineficaz.

Com a eleição deste domingo, a Alemanha se vê diante de um dilema: como lidar com o crescimento de uma força política cada vez mais radical e polêmica. A questão não é apenas quem será o próximo chanceler, mas também como a sociedade alemã lidará com a ascensão de um partido que propõe uma visão de mundo que muitos consideram perigosa e divisiva.

O futuro da AfD está agora mais claro do que nunca: com uma base de apoio cada vez maior, a radicalização da sigla e o apoio de figuras internacionais poderosas, como Donald Trump e Elon Musk, a AfD está pronta para desempenhar um papel central na política alemã nos próximos anos. Resta saber se a sociedade alemã estará disposta a aceitar ou a resistir a essa nova era de extremismo político.

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