O Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou uma resolução que restringe a oferta de pós-graduação lato sensu para impedir que faculdades emitam diplomas para cursinhos on-line, prática conhecida como “barriga de aluguel”.

A medida busca conter a expansão de especializações de baixa qualidade, muitas vendidas por valores muito baixos e sem participação acadêmica das instituições credenciadas pelo MEC. Entre as novas exigências, ao menos 50% dos professores dos cursos precisam ter vínculo com a instituição, e 30% do corpo docente deve ser composto por mestres ou doutores.

A pós-graduação só poderá ser oferecida em áreas nas quais a instituição tenha graduação, regra que o MEC estuda ampliar para universidades e centros universitários. A resolução só entrará em vigor após homologação do MEC, que ainda analisa ajustes sobre presencialidade e oferta on-line. Se homologada, as instituições terão seis meses para se adequar.

O presidente do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior de Goiás (Semesg), Paulo Lima, afirmou que as novas regras, aprovadas pelo CNE, mas ainda não homologadas pelo MEC, podem gerar impactos significativos.

Em entrevista ao Jornal Opção, ele ressalta que qualquer mudança só passa a valer após decisão do ministro. “Primeiro, é preciso destacar que é um parecer do CNE, mas ele não está homologado. Então, ele ainda não está válido”, afirma. “A gente precisa aguardar para ver se o ministro vai homologar nas condições propostas.”

Segundo Paulo Lima, caso o MEC confirme o parecer como está, o modelo tradicional de parcerias, em que faculdades credenciadas oferecem a certificação e instituições não credenciadas cuidam da parte operacional, deixará de existir.

“Se acontecer essa homologação, as faculdades não vão mais poder fazer parceria com instituições que não são credenciadas no MEC. Hoje isso é possível, mas pela proposta, não será mais”, explica. Ele lembra que tais arranjos são conhecidos informalmente como “barriga de aluguel” ou “chancela”, mas legalmente configuram parcerias previstas em nota técnica do Ministério.

O dirigente esclarece que nessas parcerias a entidade credenciada cuida do projeto pedagógico, enquanto o parceiro oferece estrutura e logística, como hospedagem, instalações ou suporte administrativo. “Isso hoje funciona nesse modelo. Se acontecer a homologação, deixa de existir.”

Questionado sobre a atuação do sindicato enquanto não há homologação, Paulo Lima afirma que a orientação é clara: seguir a legislação atual. “A gente orienta nossos filiados e as instituições credenciadas ao MEC a cumprir o que a legislação manda hoje”, diz.

Ele admite que há cursos irregulares no Estado e que, quando identificados, são denunciados aos órgãos competentes. “Já comunicamos o Ministério da Educação, o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual em diversas situações.”

O presidente reforça a diferença entre cursos livres, como culinária, idiomas ou corte e costura, e cursos regulados, como graduação, pós-graduação e ensino médio. “Quando há regulação, ela precisa ser obedecida.”

Falta de transição preocupa

Para Paulo Lima, o ponto mais sensível do parecer é a ausência de um período de transição para cursos já em andamento caso as novas regras entrem em vigor imediatamente.

“O que me chamou atenção é que eles não colocaram um período de transição. Isso é delicado. Imagina: você tem uma instituição oferecendo um curso nesse modelo. Amanhã o ministro homologa. Como fica quem está estudando? Perde?”, questiona.

O documento do CNE prevê um prazo de seis meses para adaptação, mas o presidente afirma que esse período se refere apenas ao início das novas práticas, e não ao tratamento dos alunos já matriculados.

“Adaptação não é transição. Adaptação é para começar o novo modelo. A transição é para quem já está no sistema.” Para ele, o tempo mínimo deveria acompanhar a duração média das pós-graduações.

“Pós-graduação dura de um ano a um ano e meio. Então, uma transição razoável teria pelo menos 18 meses, para que todo mundo termine o que começou.”

Entre as exigências previstas no parecer, está a obrigatoriedade de que 50% do corpo docente tenha vínculo contratual com a instituição, além de manter o percentual já vigente de 30% de professores mestres ou doutores.

“Os 30% já existiam. A novidade é essa exigência dos 50% contratados. Essas regras tentam moralizar o sistema”, avalia. Ele aponta que muitas pessoas fazem pós-graduação sem saber se o curso é válido. “É muito comum alguém descobrir depois que aquilo não vale nada.”

Segundo Paulo, a exigência de vínculo formal pode elevar custos e impactar o preço final: “Com certeza vai haver aumento de custo, porque diminui um pouco a oferta. E se diminui a oferta e aumenta o custo, o preço sobe.”

O parecer também prevê que faculdades só possam ofertar pós-graduação em áreas em que já tenham cursos de graduação. Universidades poderiam ofertar em qualquer área. “Isso está na proposta. Uma faculdade de gestão, por exemplo, não vai poder oferecer pós em saúde. Com isso, diminui a oferta.”

Apesar das críticas, Paulo Lima acredita que o ministro da Educação fará mudanças antes da homologação. “Pela experiência que tenho, são mais de 30 anos na área, eu não acredito que ele homologue desse jeito. O ministro pode acatar tudo, parte ou nada da proposta.”

Paulo Lima | Foto: Arquivo pessoal

Direito do consumidor

O advogado Darô Fernandes, ouvido pela reportagem, explica que a prática pode vir a ser caracterizada como abusiva ou enganosa. Segundo ele, até o momento, a legislação não enquadra automaticamente tais ofertas como infração ao Código de Defesa do Consumidor (CDC).

No entanto, o cenário pode mudar. “Hoje em dia, não. Agora, com essa nova regra, dependendo da situação, pode ser considerada. Porque é o seguinte: o consumidor pode sim ser prejudicado em vários casos”, afirmou. O advogado destaca que muitos alunos adquirem cursos anunciados como pós-graduação, mas que, na prática, são apenas cursos livres com conteúdo terceirizado.

“Alunos que compraram pós online barata, nessas plataformas que apenas terceirizam o conteúdo, podem ter o diploma desvalorizado ou não reconhecido. Há um risco de invalidade ou perda da credibilidade desses diplomas, especialmente para cursos de carreira, com pontuação”, explica.

Questionado sobre a possibilidade de compensação caso o MEC homologue as novas exigências e determinados cursos deixem de atender aos requisitos para serem considerados pós-graduação, Fernandes é categórico ao afirmar que o consumidor não pode ser prejudicado.

“O aluno continua protegido pelo Código de Defesa do Consumidor. Ele não pode ser prejudicado por uma mudança que ocorreu depois da contratação. Em resumo, é um direito adquirido”, pontua. O especialista ressalta que, se a instituição não puder emitir o diploma prometido, configura-se quebra contratual.

“Se a regra afetar o diploma dele, ele pode exigir o cumprimento forçado do contrato, exigir a entrega do diploma prometido ou pedir reembolso integral. Além disso, pode pleitear indenização por perdas e danos morais, se houver prejuízos profissionais, como em concursos públicos ou certificações”, afirma.

Para ele, a responsabilidade é clara: “A obrigação é da instituição, não do aluno. Ela tem que garantir o título de forma protegida. Porque senão vira propaganda enganosa”. Fernandes afirma que a responsabilidade civil pode recair sobre todos os envolvidos na cadeia de consumo.

“A responsabilidade pode ser chamada para ambos. E o aluno pode escolher a quem acionar, porque isso é uma relação de consumo”, explica. Para Fernandes, cabe às instituições garantir informação adequada.

“Elas devem assegurar transparência, dever de informação e esclarecer quais situações podem ocorrer, além de apresentar métodos de como resolver o problema”, afirma. No cenário atual, em que a internet é inundada por pós-graduações baratas e pouco transparentes, Fernandes orienta que o consumidor busque sinais claros de confiabilidade antes de fechar contrato.

“A primeira coisa é observar a idoneidade da empresa”, destaca. O advogado recomenda verificar qual instituição de ensino está por trás da certificação, se ela é credenciada pelo MEC e se tem condições reais de entregar o diploma prometido.

“O consumidor deve procurar informações sobre a instituição no MEC, checar a reputação em plataformas de reclamações, como o consumidor.gov, entre outras medidas”, completa.

Darô Fernandes. Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

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