Nesta quarta-feira, 15, em que se celebra o Dia do Professor, a sociedade brasileira volta seus olhos para os profissionais que, muito além de transmitir conteúdos, são arquitetos de futuros e pilares da formação cidadã. A data, instituída em referência à lei de 15 de outubro de 1827, que criou as primeiras escolas de ensino elementar no país, convida à reflexão sobre os rumos da educação.

Para além dos discursos oficiais, são nas salas de aula, nos corredores das escolas e nas universidades que a realidade educacional se revela. Em um mergulho na realidade goianiense, a reportagem do Jornal Opção ouviu educadores das redes municipal, estadual e federal. Dos primeiros anos de vida à pós-graduação, suas narrativas mostram um painel complexo, marcado por uma paixão pela docência, mas também por precariedades históricas, desafios sociais e uma busca por reconhecimento e condições dignas de trabalho.

O coração da educação pública vive nas unidades municipais, onde a missão de alfabetizar e acolher se confunde, muitas vezes, com a necessidade de suprir carências básicas das crianças. Com uma trajetória que começou ainda jovem, acompanhando a mãe em sala de aula, Maria Cristina Pires da Silva, Coordenadora Pedagógica na Escola Municipal em Tempo Integral Professora Lousinha, personifica a dedicação que sustenta a base do sistema.

“Eu comecei muito nova a ser professora. Minha mãe já trabalhava em uma escola, e eu ia na escola com a minha mãe e lá eu já dava aula, mesmo sem ter feito faculdade ainda. Eu dava aula ajudando as crianças nas dificuldades”, recorda.

Sua jornada, pavimentada com magistério no Instituto de Educação de Goiás (IFG) e pedagogia na Universidade Federal de Goiás (UFG), a levou por 12 anos como alfabetizadora em escola particular antes de ingressar, no ano 2000, na prefeitura. “Mas assim, sempre na sala de aula. Aí também na coordenação pedagógica, já fui diretora de um CMEI aqui na Rede Municipal de Educação de Goiânia e agora estou na coordenação pedagógica. Essa é um pouco da minha trajetória”, resume.

Professora Maria Cristina Pires da Silva | Foto: Arquivo Pessoal

Hoje, à frente de uma escola que atende 360 crianças entre 4 e 9 anos, distribuídas em 14 turmas, ela observa avanços. “Hoje a Prefeitura está tendo um cuidado de estar procurando as pessoas para colocar nas escolas. Não vou dizer que está perfeito, mas a gente tem percebido a preocupação desta gestão”, analisa, ponderando, no entanto, que a escassez de servidores ainda é uma realidade. “Algumas pessoas fazem inscrição e não querem assumir. Então, encontrar as pessoas também não é fácil.”

Para Maria Cristina, o cerne da dificuldade na educação em Goiânia transcende a esfera pedagógica. “A principal dificuldade é o social, sabe? As famílias, é o reconhecimento. Às vezes a gente precisa deixar de fazer o que é o nosso trabalho de educar para fazer realmente o trabalho que a família não faz, né? Que é ajudar, sabe? Que é inserir essa criança na sociedade, inserir essa criança no mundo letrado.”

Ela defende que é urgente “parar de ser tudo colocado no lado pedagógico”. “A gente que trabalha com criança em período integral percebe muito isso. É como se jogasse a criança lá dentro da escola e a gente tivesse que dar conta de tudo”. Um dos maiores gargalos, segundo ela, é a falta de suporte da saúde para atender crianças atípicas.

Apesar dos percalços, sua crença na escola pública é inabalável. “Eu sempre estudei escola pública, minha universidade foi pública, eu trabalho numa escola pública. Então eu sou muito defensora da escola pública. Eu acho que a escola pública tem muito a contribuir com a educação das crianças.” Ela vê progressos. “A educação em Goiânia vai bem. Está caminhando muito bem.” 

Para avançar mais, aponta duas frentes: “Primeiro de tudo é ter todos os profissionais dentro da escola. Quando a escola está com a lotação perfeita, eu acho que ela funciona muito bem. Segundo passo, eu acho que está faltando um pouquinho de autonomia da gente, sabe? As coisas, por mais que sejam boas, vem muita coisa assim: ‘cumpra-se’. Então, eu acho que um pouco de autonomia da gente enquanto profissional de educação também dentro da escola ajudaria muito.”

A paixão pela sala de aula também move a professora Erika Fernanda Lima Moreira, da Escola Municipal Georgeta Rivalino Duarte. Com 45 anos, 28 deles dedicados à docência, ela herdou a inspiração da mãe e das tias professoras. “Eu resisti um pouco na minha infância e na minha adolescência, porque ser professora é muito gratificante, mas ao mesmo tempo a gente passa por muitas lutas. Mas o dom falou mais alto e eu ingressei na profissão com 17 anos”, conta.

A gratificação, diz, é imensurável. “É muito gratificante encontrar um aluno na rua, um ex-aluno que hoje em dia já é um homem formado, uma mulher formada, que conquistou coisas na vida, que vira pra você e fala: ‘Professora, eu nunca te esqueci, professora, eu aprendi determinado conteúdo com você’. Então isso não tem preço.”

Professora Erika Fernanda Lima Moreira | Foto: Arquivo pessoal

Atualmente lecionando no 5º ano do ensino fundamental, Erika avalia positivamente a evolução do ensino municipal. “Nós temos evoluído muito. A gente percebe que a cada ano as coisas têm se modificado e tem procurado melhorar a questão do aprendizado mesmo. A gente quer que o estudante saia alfabetizado no tempo certo, lendo, interpretando, produzindo textos. Isso a gente está fazendo. Foram duros os trabalhos, foi duro, mas os frutos estão sendo colhidos.”

Ela ressalta, porém, que a função do professor vai muito além da transmissão de conhecimento. “Para ser professor você tem que ter um olhar mais amplo. Eu costumo falar que eu não sou apenas uma transmissora de conteúdos. A gente assume o papel mesmo de mãe, de médico, de psicólogo, porque a gente enfrenta todo tipo de situações.”

Um de seus principais anseios é por mais preparo para lidar com a educação especial. “O que me preocupa um pouco é a questão dos alunos especiais. Nós que estamos em sala de aula ali, que a gente tem que lidar com essas crianças com necessidades especiais, acho que a gente tem que passar por um preparo, uma formação mais específica, para aprender a lidar com elas. Porque um professor que chega ali com pouca bagagem, ele vai ter dificuldade de avançar com esse estudante.”

Ela detalha a complexidade do trabalho: “Cada um com a sua especificidade. Se eu tiver mais de um aluno especial na sala, eu vou ter que pensar em cada um de forma única para planejar e oferecer as atividades para ele.” A desvalorização social da categoria é uma dor, mas não apaga o brilho da realização. “A gente passa também por momentos de desvalorização da sociedade. Mas o que faz a gente continuar é essa gratificação que a gente sente quando recebe uma mensagem [de agradecimento], por exemplo.”

Na outra ponta do espectro educacional, o ensino superior, especialmente o público, apresenta desafios e conquistas de outra magnitude. Luciana de Oliveira Dias, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Secretária de Inclusão da instituição e Presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), traz a perspectiva de quem concilia docência, pesquisa e gestão. Com uma carreira de mais de três décadas, que começou no ensino infantil, ela vê a docência como uma vocação.

“É uma vocação que eu busco executar da melhor forma possível”, afirma, fazendo questão de lembrar que, “para além de ser uma vocação, é um exercício laboral, é um trabalho e ele deve ser reconhecido como trabalho e ter garantido todos os direitos referentes a esse trabalho executado.”

Professora Luciana de Oliveira Dias | Foto: Arquivo pessoal

Sua escolha pelo ensino superior se deu pela possibilidade de conciliar ensino e pesquisa. “No Brasil, é muito difícil desenvolver pesquisas científicas fora das universidades. São poucos os institutos de ciência, são poucos os lugares onde você pode desenvolver ciência conciliada com a docência.” Ela também é franca ao apontar um fator: a remuneração. 

“O salário do professor de ensino superior é muito mais justo do que a remuneração de um professor da educação básica. E isso também pesa nas nossas escolhas. Infelizmente, o professor da educação básica hoje, não somente no estado de Goiás, mas no Brasil como um todo, é muito mal reconhecido em termos de remuneração. O pessoal ganha mal.”

Sobre a UFG, sua avaliação é de excelência. “A UFG é referência em termos de qualidade. A gente acabou de passar, por exemplo, por processos de avaliação dos cursos superiores da universidade. São mais de 100 cursos oferecidos pela UFG… e esses cursos são avaliados pelo MEC com nota máxima majoritariamente.” Ela destaca a infraestrutura, os laboratórios e cursos de ponta, como o de Inteligência Artificial e o de Educação Intercultural Indígena. “Isso coloca a Universidade Federal de Goiás num lugar de destaque e de ponta com reconhecimento nacional e internacional.”

A inclusão é um dos pilares desse avanço, na visão de Luciana. “O fato da Universidade Federal de Goiás adotar ações afirmativas com recorte racial, inclusive, mas não somente, desde o ano de 2008, tornou o espaço da universidade muito inclusivo e muito representativo.” Ela cita dados: “Mais de 70% dos estudantes da Universidade Federal de Goiás são de baixa renda. Você tem uma população negra, indígena, quilombola. Você tem uma maior presença de mulheres, inclusive nos cursos mais elitizados, como engenharias, o curso de direito.”

E conclui, ligando esse cenário ao papel do docente: “Somos nós, docentes, em sala de aula, que conseguimos ensinar para o estudante que excelência científica é importante, mas sem justiça social ela é parcial.”

Para o futuro, Luciana defende que a chave é o investimento. “Acabamos de sair de um período muito difícil… um período de negacionismo da ciência resultou num investimento insuficiente na educação.” Ela se refere aos anos anteriores a 2023. “Nós estamos nos recuperando. Eu acho que para que a gente se recupere totalmente, a gente precisa aumentar o investimento que o poder público faz na ciência, na educação de maneira geral.” Ela mesma tem conduzido pesquisas em parceria com ministérios, inspirando políticas públicas. “Esse tipo de estímulo que a gente começou a receber nesses últimos três anos, ele precisa ser incrementado.”

Já Tadeu Alencar Arrais, professor titular de Geografia da UFG e coordenador do Observatório do Estado Social Brasileiro, oferece uma reflexão crua sobre as escolhas profissionais na educação. “Eu não escolhi ser professor. E aí começa a nossa história. Muitas pessoas nesse país, e são muitas, uma parte significativa dos professores do ensino básico, ou aqueles que hoje estão na própria universidade, uma parte deles não escolheu a profissão docente”, declara.

Ele explica que, para as classes menos abastadas, a escolha do curso é um filtro ditado pela necessidade. “Não poderia ser um curso integral porque eu trabalhava e tinha que ajudar a família. Não podia ser um curso à tarde porque também teria que trabalhar e ajudar a família. Isso, portanto, não é uma escolha. É aquilo que você é levado a exercitar.” E arremata: “Ninguém tem o dom, ninguém nasce com o dom pra ganhar pouco, trabalhar muito e adoecer, que é o caso específico dos professores do ensino básico.”

Professor Tadeu Alencar Arrais | Foto: Arquivo pessoal

Da sua posição privilegiada como professor titular de uma federal, Arrais dirige seu olhar para o maior desafio da educação superior em Goiás: as condições de vida do aluno. “Questões que são externas à própria universidade… O que é o entorno? É possível imaginar quem é esse aluno, por exemplo, trabalha em um curso noturno, são alunos trabalhadores… mora em Aparecida, trabalha num hipermercado, vai para a universidade à noite. Quem é esse aluno é o grande desafio.”

Ele questiona: “Como é que é chegar em uma universidade cansado, sem alimentação ou com alimentação precária, estudar e voltar para casa de transporte? Esse é o desafio. E esse é um desafio que envolve muita frustração nossa. Porque ele é um desafio gigantesco.” E finaliza: “As condições de precarização do trabalho são incomparáveis em relação aos professores do ensino básico.”

No Centro Estadual de Educação de Jovens e Adultos (CEEJA), a professora Inez Maria Milhome Viana encontra sua maior realização profissional. Com mais de 30 anos de magistério, sua opção pela docência veio da convivência com tias professoras. “Eu gosto do que eu faço, eu decidi realmente escolher esta profissão”, diz. Na EJA, ela encontra um universo singular. “A gente lida com os desafios que são diversos, você lida com sujeitos com diversidade das idades e diversidades de histórias, porque cada um traz a sua bagagem. Eles aprendem conosco… e nós aprendemos com eles que trazem uma experiência de vida significativa.”

Ela descreve dois perfis principais de alunos: aqueles que buscam a conclusão dos estudos por exigência do trabalho e os que anseiam por acolhimento e socialização. “Se nós não conseguirmos manter um vínculo com esse estudante, a facilidade de ele ir embora é muito tranquila, porque ele já teve um processo de vida muito difícil. Então ele não vai para o espaço da escola para encontrar dificuldades, pelo contrário, ele vai para o espaço da escola para ter toda essa questão da socialização.”

Professora Inez Maria Milhome Viana | Foto: Arquivo pessoal

Como professora de Ciências Humanas, ela vai além dos conteúdos de geografia, sociologia, história e filosofia. “Nós trazemos para discussões… questões ambientais, falando da questão dos direitos, da questão da desigualdade social, da questão das diferenças, da questão da empatia, da questão do respeito.”

O trabalho em equipe é fundamental. “Nós, com esse grupo, por mais que tenhamos dificuldades, tentamos encontrar formas e meios de continuar recebendo e recebendo com uma acolhida significativa para que ele se sinta importante, valorizado.” A cobrança, explica, é dosada. “Não existe cobrança exagerada para que ele não vá embora. Essa é a nossa preocupação. Ele tem um direito da educação, só que a gente tem que ter direito e mantê-lo o acesso desse estudante a esse espaço. Isso é política.”

Para Inez, ensinar é um “gesto de esperança”. Refletindo sobre a qualidade do ensino no Brasil, ela é enfática: “Um país que precisa ter qualidade como valorização da educação, ele precisa ter transformações. Não basta cobrança de avaliação. Como é que você tem um retorno se você não oferecer o seu conhecimento?”.

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