Um estudo da Oxfam Brasil, publicado nesta quinta-feira, 10, revelou que o 0,15% mais rico concentra R$ 1,1 trilhão em renda, enquanto os mais pobres pagam, proporcionalmente, três vezes mais impostos. A carga recai especialmente sobre o consumo, penalizando as classes de menor renda e afetando diretamente mulheres negras, que representam a base da pirâmide social.

Nos cálculos da organização, os 0,1% mais ricos no Brasil destinam 10% da renda a tributos. Já os 10% mais pobres comprometem 32% do que recebem. Uma das principais causas dessa diferença, para a Oxfam, está na estrutura do sistema brasileiro.

Ao concentrar R$ 1,1 trilhão em renda, a parcela 0,15% mais rica da população concentra 14,1% do total nacional. A radiografia desse grupo de super-ricos mostra que 81% são homens brancos, 19% mulheres e apenas 20% pessoas negras ou pardas. Em contraste, as mulheres negras lideram 65% dos lares mais pobres.

O economista Everaldo Leite, em entrevista ao Jornal Opção, explica que essa distorção gera efeitos profundos na economia nacional. “A tributação regressiva é um problema desde o princípio. Você taxa proporcionalmente mais o pobre do que o rico. Mesmo que o percentual fosse igual, o impacto seria maior sobre quem tem menos. Se você tributa 10% sobre mil reais, são 100 reais que pesam fortemente no orçamento de quem mal consegue pagar aluguel, alimentação e transporte”, diz.

Ele argumenta que o sistema atual compromete o potencial de crescimento econômico ao reduzir a capacidade de consumo das camadas mais vulneráveis. “Todo aumento na renda dos mais pobres se transforma em consumo. Já para os ricos, qualquer acréscimo tende a virar investimento ou poupança. Então, ao tributar pesadamente o consumo, o Estado enfraquece sua própria base de arrecadação futura, pois reduz a circulação de recursos que dinamizam a economia”, explica Leite.

Economista Everaldo Leite | Foto: Divulgação

Everaldo argumenta que uma mudança gradual do modelo tributário, reduzindo os impostos sobre o consumo e aumentando a carga sobre renda e patrimônio, traria ganhos significativos para o país. “Se o mais pobre paga menos imposto sobre o consumo, ele pode consumir mais. E consumo em massa estimula investimento, porque mais gente comprando exige mais produção. Isso gera empregos e aumenta a arrecadação, mesmo com uma alíquota menor”, explica.

Segundo Leite, o ideal seria aumentar a taxação sobre dividendos e rendimentos elevados. “Tem gente no Brasil que ganha R$ 300 mil, R$ 400 mil por mês. E não estou falando só de empresários, mas também de médicos, engenheiros, advogados. Essas pessoas poderiam pagar muito mais imposto de renda. É preciso incluir na conta não apenas o lucro empresarial, mas também salários altos e dividendos.”

Incentivos fiscais a grandes setores

O economista avalia, também, que o volume de incentivos fiscais direcionados aos setores mais ricos da economia reduzem a capacidade de investimento do Estado. “Esses benefícios fizeram sentido nas décadas de 1980 e 1990, quando eram necessários para atrair empresas. Mas hoje, muitas dessas empresas já estão consolidadas e continuam recebendo isenções enquanto deixam de contribuir com a receita pública.”

Ele defende que esses incentivos sejam encerrados gradualmente, respeitando os contratos vigentes. “Você não pode cortar tudo na canetada, mas precisa planejar o fim desses benefícios. A arrecadação precisa ser fortalecida para garantir serviços públicos. A nova legislação tributária que está sendo construída deve acabar com muitos desses privilégios.”

Esses incentivos, segundo ele, deveriam ser redirecionados para setores estratégicos e alinhados com a vocação econômica de cada estado. “Não adianta oferecer incentivos eternos para montadoras de carros em regiões onde o mercado consumidor é pequeno. Goiás, por exemplo, poderia focar em indústrias voltadas ao agronegócio e à produção de biocombustíveis, onde já tem estrutura e potencial. Precisamos de uma indústria sustentável e que não ameace sair toda vez que o governo fala em revisar incentivos.”

Mulheres negras são as mais penalizadas

Ao Jornal Opção, a socióloga Andreia Vettorassi afirmou que os impactos da desigualdade tributária afetam desproporcionalmente mulheres negras, em razão de marcadores históricos de exclusão social, econômica e racial. Segundo ela, a estrutura regressiva do sistema fiscal brasileiro limita severamente o acesso a bens e serviços essenciais por parte da população mais pobre — e, dentro dela, as mulheres negras figuram como maioria.

Para a socióloga, o racismo estrutural contribui para a manutenção de um modelo econômico que concentra renda e restringe oportunidades. Ela explica que, sem considerar marcadores como raça, gênero e classe, qualquer debate sobre justiça tributária se torna incompleto. “As mulheres negras, além de receberem os menores salários, enfrentam jornadas múltiplas de trabalho e têm menos acesso à educação e à qualificação. A carga tributária sobre o consumo afeta de forma direta sua capacidade de mobilidade social”, destaca.

Socióloga Andreia Vettorassi | Foto: Arquivo

Andreia explica que a tributação indireta, ao incidir sobre itens básicos como alimentos, transporte e energia, agrava ainda mais o ciclo de pobreza. Isso porque esses grupos, ao comprometerem quase toda sua renda com o essencial, não conseguem investir em educação, qualificação ou outros caminhos para ascensão. “É cruel e hipócrita cobrar mais dessas pessoas e depois responsabilizá-las por sua condição de vida com o discurso da meritocracia.”

Por fim, Vettorassi avalia que a superação das desigualdades exige mais do que ajustes econômicos. “É preciso que a reforma tributária reconheça o trabalho invisível, não remunerado, das mulheres, especialmente o doméstico, e proponha mecanismos para aliviar essa carga. Só assim poderemos construir um país minimamente justo”, completou.

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Leia o estudo completo abaixo.