COMPARTILHAR

Ludmila Almeida e Stefane Amaro*

Nos últimos 30 anos, Goiânia foi palco de mudanças climáticas significativas – e nada positivas. Entre 1991 e 2020, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a temperatura média anual da capital subiu 1,2 ºC e houve queda na umidade relativa do ar.

Dentre as consequências, o que se observa na capital goiana são alertas constantes dos perigos que a baixa umidade do ar traz à população. Em 2022, Goiânia registrou um evento de umidade em 8%, sendo comparada até mesmo à umidade do deserto do Saara. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o sinal de alerta vem quando os índices de umidade do ar atingem 12%, sendo que, abaixo de 30%, sinais de desconforto começam a aparecer.

Ainda conforme a OMS (2021), Goiânia está entre as cinco cidades com pior qualidade do ar no Brasil devido a maior concentração de gases produzidos pelas queimadas como monóxido de carbono, o metano, monóxido de nitrogênio, o dióxido de nitrogênio e o cloreto de metil. Elementos que também estão ligados às mudanças climáticas aceleradas como resultado da ação humana.

Segundo a climatologista Gislaine Luiz, a piora do quadro de temperatura e umidade do ar na capital ocorre há 60 anos. “Foi comprovado que as temperaturas estão se elevando, tanto a temperatura máxima mas também a temperatura mínima, e por outro lado, a umidade relativa apresentando significativo decréscimo”, afirma. A pesquisadora ainda acrescenta que a mudança é resultante especialmente do desmatamento e a substituição de áreas naturais por superfícies impermeabilizadas, como concreto e edificações.

“Na saúde observamos aumento da incidência e do agravo de doenças do aparelho respiratório e também cerebrovascular (este último resultado das temperaturas elevadas). Problemas de pele também são mais frequentes nesse período. Cabe lembrar que as crianças e os idosos são os mais afetados,” ressalta a professora Dra. Juliana Ramalho.

Mudanças climáticas e mudanças na saúde

No ano passado, a relação entre a baixa umidade da capital e o número de internações por doenças do aparelho respiratório ficou evidente. Goiânia registrou suas piores médias de umidade relativa do ar entre julho e setembro, chegando a 37,3% em agosto, e seu maior número de internações no mesmo período – o maior, em julho, com uma umidade média de 43,2%, abaixo do intervalo considerado ideal pela OMS (entre 50% e 80%).

“Comecei a observar que era só o clima mudar que meu estado também mudava, foi começando a ficar com o nariz congestionado, espirros e a coceira viraram rotina. Geralmente, eu ficava assim no período de março a junho, depois de mais algum tempo, o clima foi ficando diferente, períodos que seriam mais frescos passaram a ser mais quentes e seco, e juntamente com a mudança de clima também veio a mudança de estado respiratório, assim descobri que estava com sinusite”, conta Jéssika Rocha, 34 anos, moradora no Residencial Buena Vista 1, periferia de Goiânia, que ainda sofre com a rinite.

Jéssika, que trabalha como Babá, ressalta que nesses 19 anos que reside em Goiânia, com o tempo e mudanças do clima, as medicações já não têm tanto efeito, o que aumenta a frequência ao médico, indo em torno de 3 vezes ao ano na emergência devido às crises alérgicas.

“O clima tem mudado bastante, e isso tem agravado a minha situação, o vento, a poeira, as chuvas, o tempo seco tudo isso contribui, as crises são mais constantes. Com tanta mudança, meu organismo também tem mudado, e na maioria das vezes quase não tenho forças para suportar tanta mudança”, pontua a moradora.

Além disso, as condições sociais também interferem em como as mudanças climáticas serão percebidas na saúde e no cotidiano. A depender de qual região se vive em Goiânia, o nível de vulnerabilidade social e acesso a recursos básicos de infraestrutura diferenciam quem sentirá ou não os efeitos de baixa umidade, temperatura alta e baixa ou aumento de chuvas.

“Quanto melhor for a condição socioeconômica de uma pessoa, mais ela terá condições de buscar alternativas para mitigar problemas relacionados ao clima. Pessoas em situação de pobreza vivem em condições de maior risco, estão mais vulneráveis, tanto a extremos de seca quanto de chuvas. Em geral, essas pessoas vivem em áreas de risco, sem saneamento, sem água de qualidade, sem acesso a determinados equipamentos urbanos e muito menos a aparatos que amenizem os efeitos do clima, além de terem acesso extremamente limitado aos serviços de saúde. Resumindo, o clima e as mudanças climáticas afetam muito mais as pessoas mais pobres”, diz a professora de climatologia no Instituto de Estudos Socioambientais (IESA), da Universidade Federal de Goiás, Dra. Juliana Ramalho.

A concentração verde na capital mais arborizada do país

No entanto, uma contradição é apontada quando estamos tratando do contexto da cidade de Goiânia, conhecida nacionalmente como a “capital mais arborizada do país” e a “capital verde”. Diante de condições climáticas que, ao longo dos anos, vem se modificando, maior arborização deveria minimizar as mudanças climáticas na cidade, mas a professora do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), ressalta que apenas esse fator não é suficiente como ações necessárias para mitigar os problemas climáticos.

Conforme afirma a climatologista, Gislaine Luiz, é importante a arborização para amenizar a temperatura e melhorar a umidade do ar, mas é insuficiente quando se pensa em toda a cidade, pois os efeitos são apenas locais, em torno de 100 metros. A pesquisadora ainda cita, por exemplo, duas regiões de Goiânia, a Aldeia do Vale e Campinas. A primeira apresenta melhores condições de temperatura e umidade do ar, já a segunda é uma das áreas mais quentes da cidade. “Nossas pesquisas indicam que entre uma área altamente impermeabilizada e uma área com vegetação natural, há diferença de até 8°C de temperatura e 16% de umidade relativa do ar”, pontua.

Condições de temperatura e umidade do ar são aspectos que contribuem na melhor qualidade de vida e de saúde, porém são condições que dependem de acessos socioeconômicos. Importante informar que Aldeia do Vale é um condomínio fechado, localizado no extremo leste da cidade, distante da concentração urbana e é considerado o mais luxuoso de Goiânia, local onde moram pessoas famosas nacionalmente. Já Campinas, é localizado próximo ao centro da cidade, com alta concentração de lojas e circulação de trabalhadoras e trabalhadores.

Políticas públicas

Tal situação reforça, mais uma vez, a relação entre as mudanças climáticas e como o poder público fornece atenção a isso considerando o contexto de crescimento da população, aspectos que somente o ato de plantar árvores pela cidade não consegue resolver. Atualmente, Goiânia conta com cerca de 1,5 milhão de habitantes, um aumento de 55% na última década.

Um plano de ações que vá além da mitigação do problema, envolve olhar fatores socioeconômicos, as diferentes regiões da cidade e a circulação de trabalhadoras e trabalhadores. As ações de promoção da saúde necessitam estar associadas a uma educação ambiental regular da população e fiscalização de quem viola os direitos ambientais em Goiânia e ao seu redor.

“Temos que pensar no planejamento urbano e ambiental. Pensar num modelo de expansão urbana diferente do atual, preservando áreas de nascentes, de matas ciliares, de veredas, buscado maior e mais adequada arborização das vias urbanas (e não restringir isso apenas aos parques), pensar na altura dos edifícios e na distância entre eles, políticas de transportes coletivos, pensar em estratégias para que haja redução dos deslocamentos de pessoas (o teletrabalho, pensando de forma responsável e sem desrespeitar os direitos e a saúde dos trabalhadores, é uma boa alternativa), implementação de telhados verdes, hortas urbanas, praças. Há muito o que pode ser feito”, finaliza a professora de climatologia no IESA, da Universidade Federal de Goiás, Dra. Juliana Ramalho.

*Este conteúdo foi produzido com apoio do programa Jornalismo e Território, da Énois Laboratório de Jornalismo. Para saber mais, acesse www.enoisconteudo.com.br ou @enoisconteudo nas redes sociais.