Moradores e comerciantes pedem reintegração de posse de praça ocupada no Centro de Goiânia

11 outubro 2025 às 08h00

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Moradores e comerciantes das imediações da Praça Dr. Carlos Freitas, no Setor Central de Goiânia, na Alameda Botafogo, pedem a reintegração de posse do espaço público e a garantia do direito de ir e vir, assegurado pela Constituição Federal de 1988. O local, situado em frente ao Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), está ocupado por pessoas em situação de rua há mais de cinco anos, com barracas instaladas até mesmo sobre as calçadas.

Os moradores pedem que a Prefeitura de Goiânia intervenha com urgência e ofereça um local adequado para os ocupantes da praça. “Queremos que a prefeitura mude o Centro Pop de local e ofereça dignidade para essas pessoas, que são seres humanos”, disseram moradores ouvidos pela reportagem.
Segundo a população local, a praça, antes utilizada para lazer, convivência e atividades culturais, tornou-se imprópria para o uso da comunidade. “Antes, a gente passeava com os netos, andava de bicicleta e participava de aulas de dança. Agora é impossível fazer essas coisas”, relatou uma moradora aposentada. Ao lado dela, uma amiga completou: “Nós, os velhinhos, estamos trancados nos apartamentos. Isso é um absurdo.”

Os relatos de insegurança se repetem. “É impossível passar por aqui à noite. Eu mesma já presenciei brigas feias, e uma amiga minha, já idosa, foi assaltada. O homem colocou uma faca nas costas dela e levou o que ela tinha”, contou uma moradora que preferiu não se identificar por medo de retaliações.
Edna Fabiana, moradora de uma rua próxima à praça, diz que evita passar pelo local fora do horário comercial. “Aqui dá medo de passar até de dia, quanto mais à noite. Queremos nossa praça de volta, por favor”, apela.
Centro Pop não oferece abrigo, mas serviços básicos
O Centro Pop é um equipamento público mantido pela Prefeitura de Goiânia que oferece serviços de assistência social à população em situação de rua, mas não funciona como abrigo. No local, as pessoas têm acesso a alimentação, banho, lavanderia, atendimento psicológico e social, regularização de documentos e encaminhamento para outras políticas públicas, como saúde, abrigos e Defensoria Pública.

Apesar disso, moradores e comerciantes afirmam que a presença do órgão contribuiu para a ocupação da praça. “Aqui eles têm banho, recebem roupas e comida. É por isso que se acamparam aqui em frente. Eles não têm culpa, são pessoas que precisam de tratamento e ajuda. O poder público precisa agir com urgência. Nós, moradores, não podemos ser penalizados”, disse um dos entrevistados.
Uma das barracas foi montada sobre a calçada, impossibilitando a passagem de pedestres. Um fato curioso chamou a atenção da reportagem: há uma placa de aluguel no muro da casa cuja calçada está ocupada. Um comerciante informou que o anúncio está ali há bastante tempo, mas o proprietário não consegue alugar o imóvel. “Quem vai querer alugar uma casa nessas condições? Vai lá para o senhor (repórter) ver o tanto que fede urina e fezes”, disse o vizinho. Ele acrescenta que o dono do imóvel costuma ser hostilizado sempre que tenta visitar o local.
Outra situação relatada pelos moradores é a comercialização de drogas na praça e nas ruas próximas. “Aqui é um verdadeiro comércio de drogas à luz do dia. Esse pessoal não tem um pingo de medo nem de respeito com os moradores, não estão nem aí. Já ligamos para a prefeitura, para a polícia, mas nada se resolve, e eles continuam fazendo o que querem e na hora que querem”, lamenta um morador.
Assista:
Comerciantes relatam prejuízos e medo constante
Comerciantes afirmam que o movimento nos estabelecimentos diminuiu significativamente e que a insegurança afastou clientes. A reportagem constatou que várias lojas colocaram grades nas entradas principais por medo de assaltos.
Núbia Juliana, proprietária do Salão Cristina, que atua na região há mais de 40 anos, diz que a situação se agravou desde a instalação do Centro Pop. “Antes, tínhamos uma vida boa aqui. Agora, isso virou uma bagunça. Já fizemos reuniões com a prefeitura, fizemos abaixo-assinado, mas nada foi feito. Eu perdi vários clientes, principalmente mulheres idosas, que têm medo de vir aqui, fora o mau cheiro na calçada”, desabafa.

Ela afirma que a criminalidade aumentou. “Não é só a questão dos moradores de rua, é a violência. Muitos usam tornozeleira eletrônica e andam armados com facas. Semana passada, vimos um homem ser agredido com paus e pedras aqui do lado do salão. Ele não resistiu, mesmo sendo socorrido pelos bombeiros. Foi horrível o que presenciamos.”
Núbia diz viver trancada no próprio comércio. “A gente que paga imposto vive atrás de grades, enquanto eles ficam livres, leves e soltos”, lamenta. Segundo ela, é comum encontrar carros com vidros quebrados nas ruas próximas. “Eles furtam objetos de valor de dentro dos veículos. Se a prefeitura não resolver, vamos ter que deixar o local”, afirma.
‘Moradores e comerciantes pedem socorro’, diz empresário
Jamil Sobrinho, comerciante do ramo de alumínio há mais de 40 anos em frente à praça, relata que o problema se agravou na última década. “Ainda estou lutando aqui porque não pago aluguel, mas os clientes sumiram. Quem quer vir a um lugar cheio de lixo, fezes e urina, e ainda com medo de ser assaltado? Nossa situação não está fácil. Moradores e comerciantes pedem socorro, essa é a verdade”, desabafa.
Ele contou que presenciou um homicídio em frente ao seu estabelecimento. “Uma mulher que morava numa das barracas foi morta a tiros por causa de dívida de drogas. O homem a executou na minha porta, que ainda tem as marcas das balas”, relata, revoltado. “Aqui acontece de tudo, até sexo em plena luz do dia. É homem com homem, mulher com homem, tudo aqui na nossa frente.”

Sem perspectivas, Jamil cogita encerrar as atividades. “Já recorremos de todas as maneiras, mas ninguém resolve. Estou pensando em mudar daqui. Na verdade, meu negócio praticamente faliu.”
José Borges, alfaiate que aluga parte da loja de Jamil, também enfrenta dificuldades. “Tive que colocar grade na porta por causa das invasões constantes. Consegui alugar o espaço pela metade do valor real, mesmo assim está difícil, porque os clientes não vêm mais. A presença dos moradores de rua aqui vai falir todos os comerciantes”, alerta.
Maioria das pessoas em situação de rua vem de outros estados
A reportagem conversou com algumas das pessoas instaladas na praça e constatou que a maioria não é natural de Goiânia, nem mesmo de Goiás. Muitos vieram de estados do Nordeste, como Bahia, Maranhão e Piauí; outros são oriundos da região Norte, como Pará e Tocantins, além de alguns vindos de São Paulo.
Apesar das trajetórias diferentes, todos compartilham histórias marcadas por rupturas familiares e pelo enfrentamento de vícios. Parte deles é dependente de álcool; outros, de drogas ilícitas. De forma quase unânime, afirmaram que não foram expulsos de casa, mas decidiram sair por vontade própria, para “não causar problemas” às famílias.

Um homem de 55 anos, natural do interior do Maranhão, relatou que deixou o lar há 12 anos e, desde então, não teve mais contato com os quatro filhos. “Estou na rua porque escolhi meus vícios, mas não sou uma pessoa ruim. Não precisam ter medo de mim. Às vezes estou sujo, mas meu coração é bom. Sou ser humano também”, disse, emocionado.
A maioria das pessoas ouvidas tem uma profissão. Entre elas, há pintores, pedreiros, mecânicos e até ex-servidores públicos. Uma mulher contou que perdeu tudo por causa da dependência química. “Eu era funcionária pública, mas o vício levou tudo, inclusive meu trabalho”, relatou.
A pedido dos entrevistados, a reportagem optou por não divulgar imagens nem identificar os nomes das pessoas ouvidas.
Prefeitura de Goiânia reforça ações voltadas à população em situação de rua
A Prefeitura de Goiânia, por meio da Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres, Assistência Social e Direitos Humanos (Semasdh), informou que realiza acompanhamento contínuo das pessoas em situação de rua, com oferta de acolhimento institucional nas casas de acolhida, encaminhamento para comunidades terapêuticas credenciadas e disponibilização de passagens para retorno aos estados ou municípios de origem, quando solicitado.

A secretaria também promove o retorno à escolarização por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e oferece cursos de formação e qualificação profissional voltados à inserção no mercado de trabalho.
Segundo a gestão municipal, está em planejamento a mudança da sede do Centro Pop para um espaço maior, com estrutura adequada para garantir atendimento digno à população. A Semasdh destacou ainda que todas as ações voltadas a esse público são pautadas no respeito aos direitos humanos, no diálogo e na adesão voluntária às políticas públicas.
A reportagem entrou em contato com a Polícia Militar, mas até o fechamento da matéria não obteve resposta. O espaço continua aberto.
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