A goianiense, Janaina Daniele Darques, de 49 anos, filha da baiana Judith Maria Darques e do mato-grossense Guido Darques Silva, é a caçula de três filhas. Após concluir o ensino fundamental e médio em colégios particulares tradicionais de Goiânia, se formou em Direito pela PUC-GO. Fez especialização em Direito Constitucional na Faculdade Anhanguera e mestrado em Direito Constitucional Econômico pela Unialfa. Desde 2008 é a única mulher negra especialista em regulação, na Agência Nacional de Energia Elétrica.

É justamente essa mulher negra que esteve presente na última marcha em Brasília, no ano de 2015. Na época, ela já trabalhava no Ministério de Minas e Energia e, quando saiu do prédio, se deparou com centenas de mulheres como ela. “A minha reação foi ir ao encontro delas, conduzida como se por um magnetismo ancestral, no qual eu me via, mas ainda não fazia parte”, explica Janaina Daniele.

Participação da Janaína na 1ª marcha, em 2015 | Foto: Arquivo Pessoal

Passados dez anos, a servidora pública diz estar mais consciente sobre a sua ancestralidade e a expectativa é de, efetivamente, fazer parte da marcha. “Unindo o meu corpo político a dezenas de milhares de outros corpos políticos. Mostrando para a sociedade que nós existimos, resistimos, nos unimos e exigimos o direito de ser e estar ocupando o papel que quisermos na sociedade. Pois só assim seremos reparadas de toda política de não acesso a direitos fundamentais a nós impostas, para alcançarmos então o tão almejado bem viver”, enfatiza.

Ainda de acordo com Janaina, por toda a sua trajetória, ela sempre esteve em lugares majoritariamente “brancos”. Na maioria das vezes, diz ter sido a única pessoa negra que não estava prestando serviço, mas consumindo. “A marcha das mulheres negras me tira desse violento lugar de única e me coloca ao lado de outras milhares de mulheres negras que, na especificidade de suas histórias, também sobreviveram ao que o sistema eurocêntrico, patriarcal, misógino, racista impôs a cada uma de nós”.

Essa vai ser a 2ª Marcha Nacional (de caráter internacional) das Mulheres Negras. Mais de 100 mil mulheres negras do Brasil marcharam em 2015 contra o racismo, a violência e pelo bem viver – um processo histórico que impactou e definiu os rumos da organização política das mulheres negras no Brasil e na América Latina.

A professora e articulista da marcha em Goiânia, Janira Sodré, explica que a organização tem sido surpreendente, ativa e orgânica. “Hoje, tem mulheres conectadas à marcha e que virão participar da marcha na América do Norte, na diáspora afro, também no Norte global como um todo, na Europa, mulheres asiáticas, enfim, mulheres dos diversos territórios no ambiente global”, explica.

Articulista da marcha em Goiânia, Janira Sodré | Foto: Mari Magalhães

Sistematicamente a essa internacionalização da marcha, Janira explica que essa marcha também ocorre no terreiro, no quilombo, na roda de capoeira, na congada e em diversos ambientes artísticos que possuem mulheres negras. “Nesse sentido, há uma organização, uma mobilização, uma vivacidade, uma efervescência cultural, política, social e econômica também, por que não dizer, em torno dessa marcha como uma estratégia global e local de mobilização de mulheres, um concentrador das nossas pautas políticas, das nossas reivindicações”, detalha.

A articulação para a presença das mulheres negras goianas em Brasília começou em 2022 e, ano passado, a mobilização foi intensificada. “As nossas dificuldades para a marcha têm muita conexão com as nossas dificuldades na vida, porque somos uma maioria trabalhadora, uma maioria excluída de muitos processos econômicos e também uma maioria politicamente sub-representada”, afirma Janira Sodré.

Apesar das dificuldades, a professora e articulista em Goiás diz estar confiante e feliz com o conquistado em Goiás. “Grupo Dandara vem com ônibus, Grupo Malunga vem com ônibus, Preta de Angola vem com ônibus, muitos sindicatos, secretariados de igualdade racial e de combate ao racismo, de diversas organizações dos movimentos sociais, associações quilombolas vêm com ônibus, a nossa parceria com as universidades e institutos federais, que deu muito certo, vem com dezenas de ônibus”.

O Grupo de Mulheres Negras Malunga é liderado pela Sônia Cleide Ferreira da Silva. Ela herdou do pai a militância negra e, desde que se entende por gente, articula melhorias para as mulheres. Presente na marcha de Brasília em 2015 com outras malungas [que em iorubá significa companheira], tem consciência do que foi melhorado após a primeira marcha.

Sônia Cleide do Grupo Malunga | Foto: Mari Magalhães

Sônia explica que a presença das mulheres negras na televisão como protagonistas tem melhorado — antes, elas só apareciam como empregadas domésticas. Além disso, o acesso da população negra à universidade. “Com as políticas de cota, a gente tem hoje vários médicos, enfermeiros, economistas negros formados, que em 2015 a gente não tinha. Então, isso a gente conseguiu avançar”.

Ainda segundo a presidente do Grupo Malunga, há mais espaço para o negro falar na televisão e, sem sombras de dúvidas, é um avanço. “Mas a gente ainda tem muito mais para avançar. O enfrentamento racista, sexista e o feminicídio. E a questão da liberdade religiosa e a defesa dos terreiros, a gente ainda não tem”, finaliza.

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