Mais da metade dos estudantes do ensino médio no Brasil está matriculada em escolas vulneráveis a enchentes, enquanto um terço frequenta instituições despreparadas para períodos de seca prolongada. É o que aponta um levantamento, que revela como 57,6% dos mais de 26 milhões de alunos, cerca de 15 milhões, estão em unidades com baixa ou mínima resiliência a inundações. Além disso, 33,8% (aproximadamente 8 milhões) estudam em áreas que não oferecem condições adequadas para enfrentar a escassez hídrica.

No contexto da vulnerabilidade nacional, o estado de Goiás se destaca por apresentar diversidade nas estratégias educacionais adotadas durante o ano letivo de 2021, ainda sob influência da pandemia e das variações climáticas. Conforme o Censo Escolar 2022, 29,1% das escolas adotaram o modelo apenas híbrido, 21,2% optaram exclusivamente por ensino remoto e apenas 6,6% mantiveram a modalidade presencial durante todo o ano.

Segundo o professor Eduardo Mario Mendiondo, da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP), e um dos autores do estudo, “no ano passado, mais de 1 milhão de estudantes [do ensino médio] perderam aulas no Brasil por causa de eventos climáticos extremos de seca ou de enchentes.” O impacto direto nas atividades escolares, conforme destacam os especialistas, representa um dos principais desafios à garantia do direito à educação em um país cada vez mais afetado por eventos climáticos.

Em relação à seca, o cenário mostra que aproximadamente 1 milhão de alunos vivem em regiões com mínima resiliência, 4 milhões em áreas de baixa resistência e 3 milhões em localidades com resiliência considerada média. 

Um exemplo citado pelos pesquisadores ocorreu no ano passado, durante a intensa estiagem que atingiu a região amazônica, onde estão localizadas as bacias dos rios Trombetas e Madeira. O nível extremamente baixo das águas impediu a navegação, principal meio de transporte escolar em áreas ribeirinhas, impossibilitando que muitos alunos comparecessem às aulas.

Diante desse contexto, iniciativas emergenciais como as arrecadações de fundos para compra de alimentos, materiais escolares e pagamento de professores e funcionários tornaram-se recorrentes.

Com base nessas realidades, os estudiosos passaram a utilizar o conceito de “resiliência pedagógica” para designar as estratégias desenvolvidas por professores na Amazônia diante de interrupções causadas por enchentes ou secas. Tais ações incluem a flexibilização curricular durante os meses mais críticos, geralmente entre julho e novembro, e a adaptação dos conteúdos e métodos de ensino à disponibilidade dos estudantes.

“Esse cenário pode causar sérios impactos na educação no Brasil. Por isso que na LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional] é premissa mandatória, agora, a gestão de risco de desastres”, reforçou Mendiondo.

Outras instituições recorreram à combinação de formatos: 14,5% utilizaram ensino presencial e remoto, 11,8% alternaram entre híbrido e remoto, 12,7% empregaram os três formatos, e 4,1% mesclaram presencial e híbrido. 

Durante o debate na SBPC, o climatologista José Marengo, pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), reforçou que os eventos extremos de seca são os que mais impactam o Brasil. “As secas não são somente eventos meteorológicos, mas também socioeconômicos, porque afetam a economia e a sociedade como um todo. E é preciso lembrar que o Brasil é muito vulnerável a secas”, destacou.

De acordo com Marengo, as regiões mais suscetíveis incluem o Sul do país, o sul do Nordeste e parte da Amazônia. Ele ressaltou que a duração e a intensidade desses fenômenos variam, podendo se estender por meses ou até anos, como ocorreu no Nordeste entre 2012 e 2018.

Além disso, o climatologista alertou para uma nova tendência: chuvas extremamente intensas concentradas em poucos dias, seguidas por longos períodos de estiagem. A precipitação intensa eleva os níveis de rios, causando transbordamentos, como ocorreu recentemente no Texas e no Rio Grande do Sul, e é seguida de períodos muito secos e longos.

“Os extremos meteorológicos estão se tornando mais intensos. A onda de calor que vemos na Europa atualmente é um indicador disso”, avaliou.

Diante dessas ameaças, o Cemaden desenvolveu, desde 2012, um índice integrado de seca, com dados para todos os municípios brasileiros. Mais recentemente, os pesquisadores começaram a aplicar esse índice também em áreas agrícolas, assentamentos rurais e terras indígenas.

A saúde mental das populações indígenas da Amazônia também foi discutida durante o evento, conforme relatado pela pesquisadora Sandra Hacon, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP-Fiocruz). “Hoje as populações indígenas têm muito medo e ansiedade em relação aos rios”, alertou, mencionando ainda o impacto das queimadas na qualidade da água, que tem levado comunidades a evitar o consumo direto dos rios. “Isso pode levar a quadros muito graves de desidratação”, concluiu.

Estudo

As conclusões fazem parte de um estudo conduzido por pesquisadores do Observatório Nacional de Segurança Hídrica e Gestão Adaptativa (ONSEADAdapta), um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A iniciativa também conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Os dados, ainda em fase de revisão, foram apresentados durante a mesa-redonda “Emergência Climática e Gestão Adaptativa para Segurança Hídrica e Redução de Riscos de Desastres”, realizada no dia 14 de julho, durante a 77ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no campus da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), em Recife.

O estudo combina o Índice de Segurança Hídrica (ISH), uma ferramenta usada para monitorar riscos relacionados ao uso da água, com mapas georreferenciados e dados do Censo Escolar 2022, fornecido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A partir dessa metodologia, os pesquisadores identificaram que quase 5 milhões de estudantes brasileiros estudam em áreas com resiliência mínima a inundações, enquanto outros 10 milhões estão em zonas com baixa capacidade de adaptação a enchentes.

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