Lorde inglês e amigo de Picasso: conheça Robin MacGregor, pintor surrealista que viveu e pintou em Goiás

11 outubro 2025 às 21h00

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Em junho de 2014, Goiás perdeu um representante da arte moderna que influenciou e foi influenciado pela cena cultural goiana: o pintor surrealista inglês Robin MacGregor. Contemporâneo de nomes como o vilaboense Siron Franco, o mineiro Cléber Goveia e o goianiense Dirso José de Oliveira (D.J. Oliveira), o britânico se destacou pela produção marcante no Estado.
Nascido em uma família nobre na cidade de Camberley, a menos de 60 km de Londres, capital da Inglaterra, no ano de 1938, Robin renunciou aos títulos para percorrer o mundo. Nesse caminho, encontrou morada na cidade de Goiás, onde viveu por quase 15 anos.
Amigo próximo de Frei Confaloni e Pablo Picasso, o britânico se destacava pelos traços suaves e pelos retratos do cotidiano e da vida pacata do interior goiano. Longe dos museus e das grandes galerias de arte, suas obras permanecem entre familiares e pequenos colecionadores que conheceram seu trabalho e valorizaram sua estética.
Por trás das telas, o pintor escondia uma vida aventureira e itinerante, revelada pelo pesquisador e gestor cultural José Peixoto da Silveira, conhecido como PX Silveira. A reportagem conversou com o pesquisador para desvendar ainda mais a vida — e a arte — de um lorde inglês que se apaixonou por Goiás.

Autor do livro “Muito prazer, Robin MacGregor: um artista lorde inglês em Goiás”, publicado pelo Serviço Social do Comércio (Sesc) em 2024, Silveira dedicou anos de sua vida a registrar detalhadamente a trajetória e o legado de um artista pouco conhecido no Estado.
Viajante britânico
Segundo Silveira, a história artística de Robin começou durante a juventude, quando estudou na Academia Julian, em Paris, capital da França. Nessa época, o pintor iniciava sua carreira e fez amizade com o pintor Pablo Picasso, com quem estudou na mesma instituição e trocou experiências artísticas.
Já naquele período, Silveira conta que Robin se destacava entre os pares pelas notas altas. “O Robin é um pintor que aprendeu e que estudou. Ele não é uma pessoa autodidata, mas alguém que teve uma formação muito rígida. Desde pequeno era um dos melhores alunos nas escolas que frequentou e, depois, nas academias de arte”, disse.
Ao completar 18 anos, em 1958, Robin recebeu uma pequena fortuna proveniente da herança da família de barões, que estava na quinta posição para o trono britânico. Diante disso, decidiu abrir mão dos títulos da linhagem — incluindo um castelo no sul da Inglaterra — para viajar pelo mundo.
Como afirma Silveira, Robin escolheu viagens longas de navio, carona ou mesmo a pé. De início, percorreu de Londres até Singapura — uma distância de 10 mil quilômetros — por navio e visitou países como Indonésia, Nova Guiné, Austrália, Camboja, Turquia e a Grécia.
A “descoberta” do Brasil
Em seguida, partiu rumo ao Brasil com o objetivo de visitar as aldeias do Parque Indígena do Alto Xingu, na década de 1960. “Após visitar a Ásia e a Europa, ele veio para a Guiana Inglesa e de lá entrou andando no Brasil. Era um aventureiro que caminhou de Boa Vista para Manaus, atravessando a floresta amazônica”, explica o pesquisador. Além de aventureiro, Silveira afirma que Robin era amante da natureza e da lepidopterologia, ciência que estuda e coleciona borboletas.
Antes de seguir ao parque, fez uma pequena visita às recém-construídas Goiânia e Brasília para obter o visto necessário para percorrer a região. Foi durante essa espera pela documentação que conheceu a cidade de Goiás pela primeira vez e se encantou pelas cores e pela natureza local.

Antes de se mudar definitivamente, Robin decidiu visitar Fortaleza, capital do Ceará, em 1968, onde conheceu sua futura esposa, Mary Luce. Dois anos depois, o casal se casou, e o inglês prometeu que morariam juntos em Goiás. Em 1977, após viajar pela Europa, o pintor cumpriu a promessa e comprou uma casa na cidade goiana.
Para Silveira, Robin acreditava que a geografia da cidade, aninhada junto à Serra Dourada — que lhe parecia acolhedora —, o havia cativado, oferecendo-lhe um cenário para explorar, pintar e buscar borboletas. Segundo o pesquisador, o artista dizia que Goiás “recarregava as baterias dele”.
Vida em Goiás
Durante os mais de 16 anos na antiga capital goiana, Robin viveu ao lado de Mary Luce em uma casa alugada por dois anos, antes de adquirir uma moradia no centro da cidade.
Na cidade, o artista era conhecido por ser uma pessoa tímida, mas calma e sociável. Diferente de outros artistas, preferiu manter-se distante dos holofotes da mídia e dos museus, levando uma vida pacata em Goiás. Contudo, é lembrado como um frequentador assíduo de bares e botecos locais, conhecido por um hábito peculiar: “Ele sempre pintava bebendo cerveja. E não da maneira que a gente conhece, aquela cerveja geladinha. Ele tinha preferência por aqueles ‘litrões’ e passava praticamente o dia inteiro bebendo só aquela garrafa.”

Silveira conta que, durante esse tempo, o casal teve dois filhos: Diana MacGregor e Alain MacGregor, nascidos e criados na cidade de Goiás.

Atualmente, Diana mora em Londres, onde atua como professora e pesquisadora de pedagogia. Já Alain vive no Rio de Janeiro e é advogado, além de chefe jurídico da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
Arte viva
Foi em Goiás que Robin compôs o maior número de suas obras. A marca do pintor, assim como a de seus contemporâneos realistas, era a figura humana — especialmente a representação da vida simples do cotidiano: cenas de boteco, lavadeiras no Rio Vermelho, cavaleiros no campo, cachoeiras, paisagens e animais. “Ele gostava muito da figura humana, das pessoas mais simples da cidade. Tinha paixão por isso. Frequentava os ambientes mais despojados e retratava essas pessoas”, afirma Silveira.

“Ele pintava de forma bastante expressiva e com cores carregadas — sobretudo um relato existencial dos lugares por onde passava, das pessoas que conhecia e dos ambientes que apreciava.”
Uma de suas maiores obras permanece na sala de estar de sua antiga casa na cidade de Goiás, onde também estão a maioria de seus quadros. Além desse acervo, seus filhos conservam várias telas, reunidas pelo pesquisador para compor um livro de arte com o maior número possível de obras, previsto para lançamento entre 2026 e 2027.
Paralelamente, Silveira tem se empenhado em difundir o nome de Robin MacGregor por meio da exposição de 80 obras realizadas no final de 2024, no Museu de Arte de Goiânia. A homenagem também se estende à recém-inaugurada Galeria Robin MacGregor, no Hotel Sesc Vila Boa, na cidade de Goiás.
Os últimos anos e o legado goiano
Apesar do reconhecimento póstumo, Silveira conta que os últimos quatro anos de vida de Robin foram solitários. Após se separar de Mary Luce, ele passou a morar no Hotel Dom Bosco, no Setor Central de Goiânia. Durante esse período, enfrentou dificuldades financeiras e precisou vender pequenas gravuras em mesas de bar para se sustentar, depois que a herança familiar se esgotou.
Aos 75 anos, o pintor foi submetido a um procedimento cirúrgico no estômago devido a uma úlcera. Contudo, debilitado, desenvolveu uma infecção e não resistiu, falecendo dois meses depois, nas primeiras horas do dia 2 de junho de 2014, enquanto estava internado no Hospital Estadual de Urgências de Goiás Dr. Valdemiro Cruz (Hugo).
Apesar de ser estrangeiro, o legado de MacGregor — assim como o de Confaloni — pertence a Goiás e ao cenário artístico goiano, como destaca Silveira. “Robin e Confaloni são dois estrangeiros que vieram para Goiás e contribuíram para o desenvolvimento dos artistas e da arte no Estado. Mas são relegados a uma importância menor do que realmente deveriam receber.”