A falta de clareza e precisão na redação de leis brasileiras tem levado a interpretações contraditórias e até problemas econômicos. O alerta é do professor, linguista e advogado Carlos André, especialista em redação de atos normativos, que apontou problemas recorrentes na elaboração de leis no Brasil.

De acordo com ele, muitas normas produzidas por deputados, senadores e vereadores são mal formuladas, pouco claras e abertas a múltiplas interpretações.

“Nos últimos anos, eu tenho me dedicado profundamente aos estudos de uma ciência que, no Brasil, ainda é inicial: a legística. É a ciência que estuda a produção dos atos normativos, desde a técnica de redação até a lógica jurídica e a análise de impactos reais na vida da população”, explicou.

Para Carlos André, a principal deficiência está na redação das leis. “O que percebemos no Brasil é que as leis não seguem a lógica do Decreto 12.002 de 2024, que exige clareza, precisão e ordem lógica. Em regra, nossas leis são mal escritas, sem concisão, sem clareza e sem precisão. Isso gera interpretações diversas e insegurança jurídica”, afirmou. O especialista citou exemplos concretos.

“Um caso emblemático é o inciso 11 do artigo 37 da Constituição Federal, que trata do teto salarial dos servidores públicos. Ele é tão mal escrito que determina salários máximos de forma confusa, gerando interpretações diferentes sobre quanto pode receber, por exemplo, um procurador do estado. Esse inciso deveria ter sido dividido em outros, mas foi deixado longo e ambiguamente redigido.”

Carlos André também mencionou a reforma tributária: “Existem vários artigos ambíguos e confusos, que alguns dizem até serem propositalmente vagos, para que o Judiciário tenha espaço de interpretação. O problema é que isso gera insegurança jurídica e econômica, afastando investimentos e aumentando custos para o país.”

Ele destacou que a falta de preparo técnico dos parlamentares contribui para o problema, mas não é o único fator. “Infelizmente, muitos parlamentares têm dificuldade para redigir leis. Por isso, é essencial que tenham assessores qualificados. Muitas vezes, o que predomina é apenas o aspecto político, e não o técnico”, afirmou.

Sobre a atuação da advocacia, Carlos André ponderou: “A interpretação faz parte do trabalho do advogado, mas isso funciona melhor quando a lei é bem escrita. Leis claras dão segurança jurídica até para o advogado dizer ao cliente que ele está equivocado. A beleza da advocacia, como nos países desenvolvidos, depende de leis bem redigidas.”

Para melhorar a qualidade das normas, o especialista apontou três caminhos: “Primeiro, implantar o programa de linguagem simples em todos os órgãos. Em Goiás, por exemplo, já existe uma lei nesse sentido. Segundo, oferecer treinamentos para servidores públicos que lidam diretamente com a redação de leis. Terceiro, conscientizar a população sobre a importância da legística. A base de tudo é educação”, concluiu.

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