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A participação da Associação Paralímpica do Estado de Goiás (ASPAEGO) na Copa Centro-Norte de Futebol de Cegos foi além dos resultados em quadra. Grande parte da equipe goiana é formada por atletas jovens que estão dando os primeiros passos no esporte. Apesar de duas derrotas e um empate, a equipe está construindo um caminho sólido para desenvolver jogadores, com inclusão e projeção para o futuro.

Entre os nomes que simbolizam essa jornada, o advogado Wallison Henrique é o mais experiente e o principal jogador da equipe. Com uma trajetória marcada por persistência, superação de graves lesões e uma profunda ligação com o futebol, ele é hoje a principal liderança no elenco da ASPAEGO Foi também o autor do primeiro gol da equipe na competição deste ano.

Natural de Goiás, Wallison sempre teve o futebol de cegos como parte da sua rotina desde a infância. Mesmo convivendo com a perda gradual da visão provocada pelo glaucoma congênito, jogava com crianças que enxergavam, nas ruas e nas escolas. Apenas em 2014 teve seu primeiro contato com a modalidade, no Centro Brasileiro de Reabilitação e Apoio ao Deficiente Visual (CEBRAV), sob orientação do professor João Turíbio, atual treinador da ASPAEGO.

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Wallison Henrique prepara para cobrar falta pela ASPAEGO | Foto: CBDV

A estreia sem competições oficiais aconteceu em 2018, no Campeonato Centro-Norte disputado em Trindade, quando representou o CFCP FUG Trindade, parceria entre uma equipe do Pará e o Centro Universitário Goyazes(UniGoyazes). Logo em seu primeiro torneio, eleconquistou a medalha de bronze. No ano seguinte, jogou pela União dos Atletas Cegos do Distrito Federal (Uniace-DF) e ficou com a prata no mesmo regional. Também disputou o Campeonato Brasileiro Série B, em que sua equipe terminou em quarto lugar. Nesse período, chegou a integrar a Seleção Brasileira Sub-23.

Mas no fim de 2019, uma lesão grave no ligamento cruzado anterior freou sua ascensão. A recuperação coincidiu com a paralisação das competições durante a pandemia da Covid-19, em 2020. Em 2021, já recuperado, voltou a jogar pela Escola de Cegos do Maranhão(ESCEMA), do Maranhão. Já em 2022, defendeu a Associação de Cegos para Esporte e Lazer de Goiás(Acelgo) e foi campeão da Série B antes de uma nova lesão.

O jogador voltou a disputar o esporte esse ano pela ASPAEGO, mas com uma nova postura diante da modalidade. “Antes, a expectativa era ser chamado para a seleção principal. Hoje, formado em Direito, concursado, com possibilidade de advogar, o esporte ganhou outro significado. Continuo me dedicando, mas com outra visão. É mais pelo prazer, pela superação pessoal e por tudo o que ele representa na minha vida”, afirma Wallison.

A trajetória do paradesportista ainda cruza com a de um dos nomes mais importantes do futebol de cegos em Goiás: o treinador João Turíbio. Com mais de 15 anos dedicados ao desenvolvimento da modalidade no estado, ele esteve presente na formação de atletas, incluindo o próprio Wallison.

“Foi com o professor João que eu comecei e ele continua fazendo com isso com outros jovens, o que fez comigo há mais de uma década: acreditar, orientar, dar oportunidade”, contou ao Jornal Opção. “Hoje vemos meninos que mal sabiam se deslocar em quadra sendo chamados por equipes de fora para disputar campeonatos nacionais. Isso não acontece por acaso”, acrescentou.

Mesmo sem vitórias no torneio, Wallison destaca que o desempenho da ASPAEGO foi reconhecido. “Muita gente olha para o placar. Mas dentro de quadra, os adversários reconheceram o esforço. Jogadores da UNIACE e do ISMAC disseram que demos trabalho. Fico feliz com esse reconhecimento”, afirma.

Para o treinador João Turíbio, o mais importante neste momento é consolidar uma base sólida e formar atletas conscientes do seu papel dentro e fora de quadra. “Nosso foco é dar estrutura e confiança. A vitória é consequência de um processo bem feito. Trabalhamos com atletas que estão se desenvolvendo como jogadores e como pessoas. Isso leva tempo, mas vale a pena”, destacou.

O técnico ressalta que seu trabalho não se resume a desenvolver habilidades técnicas, mas também a fortalecer valores humanos. “A gente não treina só para formar jogador, mas para formar cidadão. O esporte abre portas, muda a autoestima e transforma a forma como esses meninos e meninas se enxergam no mundo”, afirmou Turíbio.

Segundo ele, muitos atletas chegam inseguros, sem referências, e vão se redescobrindo com o tempo. “A cada treino, você vê a transformação. Muitos chegam sem saber se são capazes. Aos poucos, ganham autonomia, autoestima, propósito, o esporte tem esse poder”, ressaltou o treinador.

Turíbio também destaca que o projeto da ASPAEGO busca dar oportunidade a todos, sem distinção de idade, gênero ou nível de habilidade. “Temos atletas jovens, adultos, iniciantes e mais experientes. O importante é criar um ambiente de respeito, disciplina e evolução. É assim que se forma um time”, explicou.

Nova geração

Se Wallison representa a experiência, Gabriel Davi simboliza a nova geração da equipe que tem ambição de ir longe no futebol de cegos. Ele perdeu a visão ainda na infância, também em decorrência do glaucoma, e iniciou no futebol de cegos há cerca de dois anos. “Quero chegar à Seleção Brasileira, ganhar regional, brasileiro, conquistar medalhas. Já viajei bastante por causa do futebol, conheci muita gente. Isso mudou a minha vida”, resume.

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Gabriel Davi conduz a bola contra a marcação de dois adversários | Foto: CBDV

Outro destaque da nova geração é Caio Felipe, que começou na modalidade há pouco mais de dois anos. “Já joguei vários campeonatos, gosto muito. O futebol me ensinou muito, me fez crescer. Estou focado em treinar e manter a disciplina para o próximo ano”, afirma.

Francisco Antônio, o “Chicão” que também atua na ASPAEGO, reforça que a prioridade é investir na formação. “A proposta da nossa participação no campeonato era dar rodagem aos meninos. Sabíamos que o início seria difícil. Mas vários clubes nos procuraram. Quatro atletas já vão disputar o Brasileiro por outras equipes e isso mostra que apresentamos bom futebol e que estamos no caminho certo”, avalia.

Além dos meninos, a ASPAEGO também aposta no fortalecimento da participação feminina. Izamara Vieira, que está há nove meses na equipe, começou aprendendo as técnicas sem a venda, e depois passou a treinar vendada, como exige a regra do futebol de cegos. “Eu evoluí muito em pouco tempo e quero seguir no esporte, ser convocada para a Seleção Brasileira, disputar campeonatos internacionais. Acredito que o futebol feminino vai crescer e quero estar pronta para isso”, relata a jogadora.

Recentemente, a atleta Eliane Gonçalves foi convocada para a Seleção Brasileira que disputará a Copa do Mundo, em outubro, na cidade de Kochi, na Índia.

Esporte para transformação

Mais do que vitórias, a equipe da ASPAEGO mostra que o esporte é um agente de transformação social. Para Wallison, não há dúvidas quanto à importância do futebol na vida de uma pessoa com deficiência visual. “O esporte me ajudou em tudo: disciplina, saúde, convívio e responsabilidade. Tudo que aprendi em quadra, eu levo para o dia a dia. É por isso que acredito que toda pessoa com deficiência deveria praticar algum esporte, nem que seja por lazer”, defende.

Essa visão também é compartilhada por Turíbio: “O esporte muda vidas e cada atleta que a gente acompanha, vemos mudanças profundas. Não é só o desempenho técnico, é a postura, o comportamento, o sentimento de pertencimento. Isso é o mais gratificante”.

Treino da ASPAEGO | Vídeo: Fabrício Vera/Jornal Opção

Agora, a expectativa do time é de continuidade no projeto, ampliação dos treinos se novas participações em torneios estaduais e nacionais. A experiência adquirida em Brasília, somada à projeção conquistada pelos atletas que vão disputar o Campeonato Brasileiro por outras equipes, coloca Goiás em posição de destaque no desenvolvimento do futebol de cegos.

Copa Centro-Norte

A edição de 2025 da Copa Centro-Norte foi realizada em Brasília, no Ginásio Vera Cruz. O título ficou com o VilaNova (GO), que venceu a ADEF (DF) nos pênaltis após empate em 0 a 0 no tempo normal. Foi a primeira conquista do clube após a fusão com a ACELGO, campeã do ano anterior. Também se classificaram para a Série A do Brasileiro a AMC (MT) e a UNIACE (DF). Já ADEF(DF) e CFCP (PA) disputarão a Série B.