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Jorrnalista que revelou a existência do PCC, Fátima Souza concedeu entrevista ao Jornal Opção (leia a íntegra), em que avaliou o momento do enfrentamento à facção. Na visão da repórter, que tem 40 anos de carreira, operações como Carbono Oculto e a reação à morte do ex-delegado geral Ruy Fontes não devem mudar a perspectiva da segurança pública brasileira. Ela conta ainda o que perguntaria a Marcola, líder da facção, mas nunca teve a oportunidade.

Herbert Moraes — Está tudo dominado pelo PCC?

Está tudo dominado. Antes da operação Carbono Oculto, todo mundo já sabia que o PCC estava na Faria Lima. Sabemos há dez anos que o PCC tem motéis, redes de farmácias, casas noturnas, postos de combustíveis. O PCC tem uma “porrada” de bets, talvez 40% delas, e as investigações não chegaram lá ainda. 

Italo Wolff — Acha que a execução do ex-delegado geral de São Paulo Ruy Fontes pode ser um ponto de virada para o enfrentamento ao PCC? Como você vê o futuro para a facção?

Enxergo que o futuro do PCC hoje é semelhante ao que vi anos atrás: com potencial para escalada. “Quebrou essa, a gente arruma outra”, eles pensam. Descobriram isso, vamos para aquilo. Fizeram uma operação aqui, a gente arruma outra coisa. 

Em 2021, quando o PCC matou o juiz José Machado Dias, Machadinho, as pessoas me perguntaram a mesma coisa. Agora acaba? Agora foi um juiz, será que a polícia vai para cima? O PCC só cresceu após a morte dele. 

Herbert Moraes — O Estado nunca autorizou que ninguém entrevistasse o Marcola. Qual pergunta você faria a ele se pudesse?

“Está feliz com o que você construiu?” Perguntaria isso, porque ele criou um império poderoso, conseguiu chegar a 28 países… e está preso. Cada vez que ele está prestes a sair, cai na conta dele mais um crime. Foi para o Marcola a autoria do assassinato do bombeiro João Alberto da Costa, que morreu durante os ataques do PCC, por exemplo. Então, eu pertaria: valeu a pena? Porque o Marcola está com gastrite, nervoso, com depressão, há 30 anos dentro da cadeia. É o chefe de uma organização mundial, mas nunca sairá da cadeia. 

Herbert Moraes — Seria bom se o Marcola morresse?

Muita gente me pergunta isso. Não seria. Se o Marcola morrer, as consequências podem ser sinistras. A disputa de poder vai ser sangrenta. 

Muitos já tentaram tomar o poder. Mais recentemente, o Tiriça [Roberto Soriano] tentou, falhou, e foi condenado à morte pelo tribunal do crime. Se o Marcola morrer, vai haver uma sucessão desses episódios. Há a possibilidade de uma facção ainda mais brutal assumir o poder das cadeias. 

Depois, acho que a paralisação que houve em São Paulo em maio de 2006 se repetiria no Brasil, com novas exigências, desta vez maiores. 

Herbert Moraes — Hoje, o que te interessa no PCC? Há algum aspecto da facção que você tenha especial vontade de investigar?

As casas de apostas, as bets. Além dessa investigação, jornalisticamente, gostaria muito de fazer uma entrevista com o Marcola e com o Fernandinho Beira-Mar e transformar isso em um livro. Gostaria muito de fazer o retrato dessa parte tão importante e difícil da vida brasileira, que é o domínio do crime no país. 

Herbert Moraes —  Como avalia a atuação da polícia do Tarcísio sobre o PCC?

A polícia do Tarcísio é a mesma polícia que havia antes do Tarcísio. O PCC é um gigante que tomou essa proporção por inoperância do Estado. O Estado não investiga seus próprios pares — eles veem policiais com salário de classe média parando sua Ferrari no estacionamento do Dec e Denarc, e escolhem ignorar. 

Essa parte corrupta da PM e PC continua em atuação. Por outro lado, o secretário de segurança Derrite é um cara que incentiva a violência, o atirar e depois perguntar. Então, o policial que é aliado ao PCC continua como sempre esteve. Mas o policial que não é aliado ao PCC se vê forçado a se adequar a essa forma de trabalho — matando. A polícia está dividida entre os que eram do PCC e continuam, e os que têm como resposta só a violência, e não a investigação.

Herbert Moraes — Os dados da segurança de Goiás mostram uma enorme redução dos índices de criminalidade. Acredita que há PCC em Goiás?

Eu desconheço o estado onde não haja PCC, ou onde o PCC não tenha se aliado a alguma facção, como ocorre na Bahia. Porém, existem estados que lidam melhor com a segurança pública. Quando há patrulhamento, presença do Estado, o PCC recua em suas ações, mesmo que não deixe de existir. Porque, na perspectiva da facção, os governos vão passar — um dia essa não será a situação e, quando o governo mudar, o PCC pensa que poderá voltar a agir, portanto é melhor estar presente. Eu gostaria que o Brasil tivesse tomado decisões como as que Goiás tomou, para que hoje a população pudesse se sentir mais segura.