A comunidade quilombola Mesquita, localizada em Cidade Ocidental, no Entorno do Distrito Federal, recebeu no último dia 19 o reconhecimento oficial de seu território tradicional pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

A decisão fixa a área total em 4,1 mil hectares, cerca de 80% maior do que a extensão atualmente ocupada pela comunidade. Com o reconhecimento, cerca de 1,1 mil famílias, que somam mais de duas mil pessoas, aguardam a próxima etapa do processo administrativo: a desintrusão, que prevê a retirada de ocupantes considerados irregulares, entre eles produtores rurais ligados ao cultivo de soja.

A expectativa é que a medida traga maior segurança jurídica e territorial aos moradores, especialmente às vésperas dos 280 anos de formação da comunidade, celebrados em 2026.

Moradores relatam que a ampliação do território reconhecido pode frear o avanço do desmatamento em áreas de Cerrado atualmente ocupadas por terceiros. Para Walisson Braga, uma das lideranças jovens do quilombo, a retomada da posse tem impacto direto tanto sobre o meio ambiente quanto sobre a vida social e econômica da comunidade.

“Esperamos que o reconhecimento das terras possa estimular que a comunidade volte a trabalhar na agricultura”, afirmou em entrevista à Agência Brasil. Segundo ele, a perda de áreas de cultivo ao longo dos anos levou parte dos moradores a buscar subempregos fora do território quilombola, alterando práticas tradicionais de produção e subsistência.

A Festa do Marmelo, marcada para 11 de janeiro, deve reunir a comunidade para celebrar o reconhecimento. O fruto é apontado pelos moradores como símbolo cultural e também como fonte de renda local.

Em nota oficial, o Incra afirmou que o reconhecimento do território representa “um importante passo para o processo de reparação histórica devida aos descendentes de pessoas escravizadas”, destacando que a comunidade enfrenta há décadas conflitos fundiários e episódios de grilagem.

Para o órgão, o processo busca corrigir distorções históricas que restringiram o acesso dos quilombolas às suas áreas tradicionais. A chefe da Divisão de Territórios Quilombolas do Incra no Distrito Federal e Entorno, Maria Celina, destacou que as invasões ao longo dos anos reduziram o acesso dos moradores “a áreas de plantio, de morada e até a caminhos tradicionalmente utilizados pela comunidade”.

Já a superintendente regional do instituto, Cláudia Farinha, avaliou que o reconhecimento também funciona como instrumento de proteção contra a especulação imobiliária em uma região marcada pela expansão urbana.

Estudos antropológicos citados pelo Incra apontam que a comunidade quilombola Mesquita teve papel relevante no período de construção de Brasília, contribuindo com a produção de alimentos e com serviços de apoio, como hospedagem e alimentação, para trabalhadores que migraram para a nova capital federal.

À época, a região contava com pouca estrutura produtiva formal. Com a publicação do reconhecimento territorial, o processo segue agora para as etapas administrativas seguintes, que incluem notificações e eventuais indenizações, conforme prevê a legislação.

Enquanto isso, a expectativa da comunidade é de que a definição do território se traduza, na prática, em maior estabilidade e em condições para a retomada de atividades tradicionais interrompidas ao longo dos anos.

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